MIL, a força da música portuguesa
Uma coisa é a satisfação vagarosa, em permanente construção, de visitar, vez após vez, o coração da noite lisboeta e descobrir, progressivamente, a concentração absolutamente notável de talento musical que lá habita. Outra, bem diferente, é ser confrontado com toda a sua força no curto espaço de dois dias – e é essa a experiência vertiginosa que o MIL propõe.
Foto de entrada: André Anónimo (Todas as fotos foram cedidas pelo MIL)
Não é de discrição, afinal que vivem festivais deste tipo. Numa mistura das vertentes performativa e comercial da indústria da música, à boa moda das autênticas “feiras de bandas” do Eurosonic (NE), The Great Escape (UK) ou MaMa (FR), os concertos são apenas pretexto para que agentes da indústria de proveniências europeias diversas possam conhecer, em primeira mão, o trabalho que se faz por cá – e, com alguma sorte, apoiá-lo e divulgá-lo além-fronteiras. A máxima é, por isso, impressionar, e no menor tempo possível (um máximo de 45min, para ser mais exacto), pelo que muitos artistas que costumamos ver com frequência por estas bandas ficaram especialmente bem na fotografia – o que, convenhamos, calha bem quando há olheiros do estrangeiro à espreita.
Sensible Soccers, por exemplo, foram majestosos no comando da efectiva sala principal do evento, o Musicbox, e constituem apenas um exemplo de um grupo português de inegáveis talentos (tanto em disco quanto ao vivo) e com enorme potencial de internacionalização à espera de ser descoberto. Entre outros que deram mostras disso mesmo no MIL estão os mais experientes PAUS, Linda Martini ou Riding Pânico, ou mesmo os mais recentes Galgo e Quelle Dead Gazelle. Neste caso, todos parte de uma mesma família à qual nunca faltou motivo para exibir, com orgulho, a excelente música que se faz por cá. Bons olhos os vejam.
Mas porque haverá sempre aqueles a quem o prospecto de reconhecimento internacional diz pouco ou nada, nem todos se deram ao trabalho o esforço extra. B Fachada, um dos óbvios destaques da primeira noite, veio ao Musicbox acompanhado da irreverência de sempre, aproveitando a mínima provocação da plateia para entoar “Deus, Pátria e Família”, o seu manifesto de desgosto e repúdio por Portugal («Ouvi dizer que andam por aqui uns franceses», atirava, em tom provocatório). O atrevimento habitual, portanto, que encontraria eco em Éme, outro excelente acto da jovem guarda que pareceu estar à margem do lado de marketing do evento, ou em Cachupa Psicadélica, que mais rapidamente se preocupava com transmitir boas vibrações pela sua música do que com agendar concertos lá fora.
Um contexto em que, em qualquer dos casos, não faltou boa música e sonoridades divergentes e enriquecedoras a apreciar no conjunto dos vários palcos emprestados ao MIL, que sairia ele próprio melhor visto da sua primeira edição caso funcionasse para a maioria, em lugar da minoria portadora do Pro Ticket. Filas intermináveis e horários apertados desincentivavam o público a tirar proveito do que tinham a oferecer as diferentes salas, desfavorecidos no sistema de prioridades na entrada. Resolva-se esta questão (de difícil solução, é facto, tendo em conta a natureza profissional de alguns participantes) e o MIL terá tudo para se instalar no Cais do Sodré por muitos anos.