Quantcast
Nick Cave, Dilúvio Emocional

Nick Cave, Dilúvio Emocional

2018-06-09, NOS Primavera Sound,18
Inês Barrau
NOS PRIMAVERA SOUND / HUGO LIMA
9
  • 10
  • 10
  • 8
  • 9

O filósofo maldito alemão dizia «quando olhas demoradamente o abismo, ele olha-te de volta». Foi isso que experimentámos no último dia do NOS Primavera Sound de 2018.

De Cave e dos Bad Seeds não esperávamos nada mais do que o melhor. A chuva que teimava em não parar durante as horas que antecederam o concerto fazia temer o pior. Tivemos o melhor de Cave e até o monstro mau, essa chuvinha irritante, acabou por ser o elemento chave para tornar este concerto num momento único, irrepetível e inexplicável, assentando que nem uma luva aquele cliché do “só quem lá esteve sabe o que se passou“.

Ainda não estávamos no anfiteatro natural em frente ao palco NOS, quando começou a soar a onda distorcida de som e aquela oscilação aguda de “Jesus Alone”, como o chamamento para o rito caviano. Dirigimos-nos rapidamente, já hipnotizados, e sentimos desde o primeiro momento que este seria o concerto mais fabuloso do Primavera.

Se Cave foi Zeus, Warren Ellis foi o seu trovão, que nos faz estremecer e nos desperta do feitiço lançado pela voz, ainda, assombrosa de Nick Cave

Se Cave foi Zeus, Warren Ellis foi o seu trovão, que nos faz estremecer e nos desperta do feitiço lançado pela voz, ainda, assombrosa de Nick Cave, como em “From Her To Eternity”, “Red Right Hand” ou em “Tupelo”, onde, Cave avisa que aquela é uma música sobre tempestade e se não começou a chover ainda mais, o nosso cérebro tramou-nos com toda a envolvente e achamos mesmo que o pai omnipotente do dodecateão encarnou em Cave. Mas destacar apenas Cave ou Warren, acaba por ser sacrílego, os Bad Seeds são aquele bandão que todo o frontman gostaria ter atrás de si, que tornam qualquer concerto numa liturgia transcendente. Vénia a Martyn Casey, Jim SclavunosThomas Wydler Lawrence Mullins que tem tocado no lugar de Conway Savage, afastado dos palcos desde que lhe foi diagnosticado um tumor cerebral. 

À semelhança de outros concertos da digressão de “Skeleton Tree”, Nick Cave passou grande parte do concerto junto dos fãs, olhou-os nos olhos, sussurrou aos seus ouvidos, acarinhou-os e recebeu tudo em troca e em dobro. Houve excepções como em “Into My Arms”, com Nick nas teclas, e um dos momentos mais emotivos do concerto, em conjunto com “Girl in Amber” (agora com Warren ao comando do piano) ou em “Jubilee Street” onde abandona os seus fiéis para pontapear o que aparece no seu caminho.

Em “Push the Sky Away”, Cave convida alguns deles para se juntarem a si em cima de palco e sabíamos que seria a última paragem desta viagem. Tudo conta, na hora do balanço, e teria sido perfeito se o patrocinador do festival não tivesse resolvido espalhar ridículos chapéuzitos de chuva, que se iam abrindo e fechando, quebrando o feitiço, interrompendo uma plena absorção ontológica.

Em jeito de balanço final, e sendo o Primavera Sound um festival que se pauta por ser ecléctico sem ser esquizofrénico, e que apostou em três headliners de estilos diferentes, apoper, o hip poper, e o “rocker“, podemos fazer a nossa prova dos 9. É assunto recorrente na imprensa, a medição de quem é o maior, se nos serviços de streaming quem ganha são os primeiros, ao vivo, seja em quantidade de massa humana, seja em qualidade sonora proporcionada, ainda será o rocker. A atracção pelo abismo.

NOS PRIMAVERA SOUND 2018

NOS PRIMAVERA SOUND 2018 _ © Hugo Lima | hugolima.com

NOS PRIMAVERA SOUND 2018 _ © Hugo Lima | hugolima.com

SETLIST

  • Jesus Alone
    Magneto
    Do You Love Me?
    From Her to Eternity
    Loverman
    Red Right Hand
    Into My Arms
    Girl in Amber
    Tupelo
    Jubilee Street
    The Weeping Song
    Stagger Lee
    Push the Sky Away