Norberto Lobo
2013-10-31, B.LezaNorberto Lobo há anos que nos anda a deixar pérolas. Agora é vez de diamantes africanos. A convite da galeria Zé dos Bois, esteve o mês de Setembro em residência artística em Cabo Verde e ainda bem que o fez. É notória a influência desta viagem em algumas músicas novas que apresentou, e faz-nos ansiar pelo sucessor de “Mel Azul”.
Norberto sobe ao palco do B.Leza de bozouki e guitarra na mão, com as suas habituais tímidas vénias. A introdução do concerto é feita a slide, em escalas orientais, invocando a cítara e as ragas indianas, como um convite com tanto de mística como de experimentação.
Já ao terceiro tema Norberto dá mostras dos ares que respirou por Cabo Verde, sente-se a melodia e o ritmo das mornas naquela guitarra quente. A sua capacidade de assimilar uma universalidade musical sem nunca perder o seu próprio carácter é ímpar. Norberto põe em diálogo o “primitivismo americano” da guitarra de John Fahey e Robbie Basho com alguma tradição popular portuguesa resgatada por Carlos Paredes, dando agora também voz às mornas, mas sempre com um sentido de experimentação e liberdade total.
Para além das novas composições, apresenta uma inesperada versão do clássico “Blue Velvet” de Bobby Vinton, revisita ainda temas como “Lúcia Lima”, “Rua da Palma Blues”, “Vudu Xaile” e “A Cor do Demo” do álbum “Mel Azul”, que ao vivo sofrem sempre uma re-intrepretação pelo próprio artista, acabando por tornar cada concerto numa experiência sempre diferente. Última música, dedicada ao Lou Reed, é tocada no bozouki e torna-se uma viagem à rembetika grega e à Turquia.
Norberto Lobo é um dos poucos artistas portugueses que sobrevive a este naufrágio mercantil que aprisiona a inspiração criativa de muitos músicos em formatos vendáveis e perfeitamente desinteressantes. Não se limita a tocar: navega, explora. Sem medo de ‘cabos bojadores’, com coragem de afirmação, canta as tormentas e outras estórias sobranceiras à força da unha. Não se acanha de partir de uma composição mais melódica para registos mais free, rompendo da melodia para a dissonância, da harmonia para o anárquico, do belo para outro tipo de belo.
Norberto, de poucas palavras, desmultiplica-se em vénias perante os aplausos finais. Cada concerto seu só me faz desejar mais que a posteridade seja tão generosa com ele como foi, ainda que tardiamente, com Carlos Paredes.