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Sigur Rós, O Triunfo da Alegria

Sigur Rós, O Triunfo da Alegria

2022-09-28, Campo Pequeno, Lisboa
Nero
Inês Barrau
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Uma lenta e volumosa jornada de introspecção, de envolvência emocional, até um final de alegria explosiva. Os Sigur Rós, uma vez mais, redimensionando sónica e estruturalmente as suas composições, ofereceram uma experiência inesquecível à multidão que se deslocou ao concerto no Campo Pequeno.

Após quase cinco anos de pausa, os Sigur Rós anunciaram a World Tour 2022. Depois do périplo pelos Estados Unidos da América, a leg europeia teve início em Lisboa, no passado dia 28 de Setembro, num regresso ao  Campo Pequeno. A banda islandesa que está em processo de composição e gravação do seu primeiro álbum de estúdio desde 2013 – descontando, claro, a edição de 2020 das míticas gravações do álbum orquestral. Esse disco tem a colaboração dos músicos Hilmar Örn Hilmarsson e Steindór Andersen e foi gravado em 2002 durante o Reykjavik Arts Festival em conjunto com a Orchestre des Laureats du Conservatoire National de Paris e a Schola Cantorum of Reykjavik. “Odin´s Raven Magic” foca-se no fascínio de Hilmarsson pela literatura medieval islandesa, mais concretamente do conto Hrafnagaldur Óðins ou Odin’s Raven Magic. O músico salienta que «Hrafnagaldur Óðins tem vários tipos de interpretações que despertam a imaginação».

Na verdade, também a música da maior banda islandesa é interpretativamente subjectiva e sugestiva. Possui um carácter intemporal, brilhante e fascinante no sentido em que a sua genialidade desperta-nos para a consciência de que, simplesmente, somos pequenos demais na imensidão do universo. A sua música é um verdadeiro apelo instrumental da linguagem emocional composta por matérias extraídas directamente do centro da terra em sons cristalinos, ambientes intuitivos e convicção melódica. Os contrastes entre tranquilidade e distorção esmagadora, além da sua beleza, abrem espaço, mesmo durante o concerto à introspecção da alma. Como salmos litúrgicos.

Aliás, ao entrar no Campo Pequeno, um drone atmosférico acolhia-nos. Depois, a entrada da banda foi feita com os órgãos e com os pianos do álbum de há duas décadas “()”, com os três quase religiosos hinos que também abrem o disco: “Vaka”, “Fyrsta” e “Samskeyti”.

Neste momento, deve dizer-se que há poucas bandas no mundo que possuam um tão cirúrgico controlo das dinâmicas de volume, ainda para mais em tal amplitude de décibeis. E a esse respeito, na plateia, o som ouve-se com deslumbrante nitidez e equilíbrio desde o início. O único pecado é a distorção que surge nas colunas do PA quando sucedem os sobretons graves. Contudo, é absolutamente encantador ver como a coesão e capacidade dos quatro músicos em trabalhar no palco a intensidade, o silêncio, as distâncias. Cerca de uma década depois, os fundadores Jónsi e Georg Hólm, tornam a contar com a multidisciplinaridade de Kjartan Sveinsson nos teclados. Ólafur Björn “Óbó” Ólafsson foi sublime nas baterias. Quanto a Jónsi…

Vocalmente foi absolutamente perfeito e capaz de soar tão bem protegido pelo tremendo corpo harmónico da banda, nos momentos de menor preenchimento instrumental, quando os quatro músicos se aglomeravam no “canto” da sintetização e também nos temas quase acapella, como “Gold 4” (uma das novas canções), por exemplo. Depois, além do complexo processamento para o uso do arco de violino, o músico possui também um apurado sentido cénico com a guitarra – como quando elevou ao instrumento ao rosto e cantou os fantasmagóricos versos de “Svefn-g-englar” para o pickup, aproveitando ainda a ressonância das cordas, antes da arrasadora explosão de distorção a meio do tema. Já agora, quase não largou a sua Les Paul “Bird” (devido aos inlays), um modelo totalmente custom construído por Dan Johnson e que possui um único Seymour Duncan ’59, além de um circuito treble boost. A dada altura alternou-a com uma Gibson Les Paul tradicional e também – talvez em “Festival” – com uma Ibanez PF200 (modelos que foram construídos entre 1978-1979).

Nos dias de hoje é um privilégio assistir a um concerto de uma banda que sai fora dos cânones instituidos pela grande indústria musical.

De volta ao etéreo, na incursão em “Ágætis byrjun”, que nos trouxe também “Ný batterí”, tendo soado pelo meio “Rafmagnið búið”, percebe-se claramente que o som redimensionado da banda e as estruturas alargadas das canções ao vivo tornam-se um veículo de ainda maior poder, os Sigur Rós tornam-se mais pesados, mais graves e, enfim, mais arrebatadores. “Gold 2” é a primeira música nova a ouvir-se. Surge como preâmbulo à maior quietude de temas como “Fljótavík” e “Heysátan”. Aliás, é nesse estado de espírito que irá encerrar a primeira parte do espectáculo, fechando o círculo através do regresso a “()”, com “Dauðalagið”, cujos contrastes dinâmicos (uma vez mais), indo das mais suaves notas a uma das maiores descargas de potência de amplificação, soaram arrebatadores a todos os muitos presentes no campo pequeno. Depois, em “Smáskífa” os músicos foram progressivamente abandonando o palco, para o intervalo. Se alguém temia que a banda demorasse a entrar em ebulição, “Glósóli” provou precisamente o contrário e, sinceramente, a quem vos escreve soou como o momento mais alto desta noite, soando muito, muito maior que a versão de estúdio, com um sentido de urgência e intensidade que não se ouve nas amarras da gravação de estúdio (cujo crescendo já é extraordinário). E depois, aquele abrasivo feedback que a encerrou… Encostado ao bar, um dos baristas queixa-se, «o som está muito alto». Portanto, está no ponto.

Esta segunda parte é menos contemplativa e mais festiva, mais focada em “Takk” e por isso mais aproximada aos formatos convencionais da música pop. Assim, as canções são recebidas com maior efusividade por todos. Segue-se “E-bow” e depois “Ekki múkk”. Aqui é necessário exaltar a opção da banda por tocar a intro em vez de disparar samples, oferecendo realismo  e movimento em detrimento de perfeccionismo digital. Aliás, referimos este exemplo porque nos dias de hoje é um privilégio assistir a um concerto de uma banda que sai fora dos cânones instituidos pela grande indústria musical.  De qualquer forma, “Sæglópur” é outro banger. Só depois “Gong” e “Advari” vão aplanado as emoções para acolher outra vez os pianos esparsos e ambientais que parecem marcarf as novas cações, soando a já mencionada “Gold 4”.

A tríade final do concerto, depois das vagas de intensidade e decrescendos de efusividade, de contrastes de emoções, faz-nos pensar na 9ª Sinfonia de Beethoven. Suavidade, contemplação e efusividade até chegarmos ao triunfal quarto movimento, que se convencionou intitular “Hino da Alegria”. O crescendo de “Festival” e o seu arrebatador final, tem o mesmo efeito sobre o público no Campo Pequeno, multiplicando-se o número de gente que se ri, gente que salta, gente que se abraça. Uma hierofania que se instalou no recinto lisboeta e que permanece intacta na rocker “Kveikur” e na furiosa construção de “Popplagið”. Era o fecho da noite e, como sempre sucedenos concertos de Sigur Rós, é difícil encontrar palavras que consigam exprimir adequadamente o que passou nestas quase três horas. A estrondosa ovação que os quatro músicos receberam é um indicativo mais fidedigno.

SETLIST

  • Untitled #1 – Vaka
    Untitled #2 – Fyrsta
    Untitled #3 – Samskeyti
    Svefn-g-englar
    Rafmagnið búið
    Ný batterí
    Gold 2
    Fljótavík
    Heysátan
    Untitled #7 – Dauðalagið
    Smáskifa
    Glósóli
    Untitled #6 – E-Bow
    Ekki múkk
    Sæglópur
    Gong
    Andvari
    Gold 4
    Festival
    Kveikur
    Untitled #8 – Popplagið