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European Siege Tour: Arch Enemy & Behemoth Lideraram o Novo Cerco de Lisboa

European Siege Tour: Arch Enemy & Behemoth Lideraram o Novo Cerco de Lisboa

2022-10-07, Coliseu dos Recreios, Lisboa
Nero
Joana Cardoso
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A imponência cénica dos Behemoth e o vendaval de shred dos Arch Enemy, com Michael Amott e Jeff Loomis cada vez mais entrosados. A pomposa fusão sónica dos Unto Others e a classe old school dos Carcass. A passagem da digressão European Siege por Lisboa ofereceu uma vibrante noite, capaz de agradar a gregos e troianos, aos headbangers que encheram o Coliseu dos Recreios.

Depois de dois anos de paragem forçada pela pandemia e muita antecipação em relação a um hipotético regresso aos concertos, os suecos Arch Enemy e os polacos Behemoth viram-se forçados a adiar consecutivamente a colossal The European Siege Tour. Nem tudo são más notícias, no entanto, uma vez que as bandas lideradas por Alissa White-Gluz e Nergal, respetivamente, acabaram por lançar álbuns novos, bem a tempo do regresso à estrada neste Outono de 2022, para uma digressão que prometia ficar marcada na memória de todos os que comparecerem ao apelo de duas das bandas mais icónicas – e bem sucedidas! – que a música extrema tem para oferecer.

Os titãs do death metal melódico e os porta-estandartes de uma sonoridade que tanto vai beber ao death como ao black metal juntaram forças numa rota em co-headlining, denominada “The European Siege 2022”, que incluiu a paragem em Portugal, no passado dia 07 de Outubro. Na primeira parte actuaram, como convidados especiais, os britânicos Carcass e os norte-americanos Unto Others. Michael Amott, o guitarrista e timoneiro dos Arch Enemy, referia na antecâmara da digressão que depois de «tempos desafiantes e muito complicados», toda a gente merecia ter algo por que ansiar.

Por sua vez, o frontman e visionário criativo dos Behemoth, Nergal, reflectia o sentimento de Amott, dizendo que «depois de mais de um ano de pausa na música ao vivo, não conseguimos pensar numa forma melhor de acolher novamente as nossas amadas Legiões do que entregar uma descarga de música nova e um evento para todas as idades». A European Siege 2022, prometia «ser uma combinação esmagadora» das quatro bandas, além do orgulho em apresentar «os brilhantes Unto Others, que vos vão dar as calorosas boas-vindas numa noite mágica de metal!» No final de contas, o prometido foi essencialmente cumprido…

IDENTIDADE SÓLIDA

Depois de dois EPs, um LP (“Mana”) e uma série de singles, os Idle Hands viram-se obrigados legalmente a mudar de nome. Estávamos no início da pandemia e tornaram-se nos Unto Others. Já em 2021, reeditaram todo o seu catálogo e lançaram mais um EP e o álbum “Strengh”. O tema que abre esse disco, “Heroin” foi o mesmo que abriu as hostilidades na noite em que a tour Europe Siege se instalou em Lisboa. Por esta altura, pouco mais de apenas um milhar de pessoas estavam diante do palco do Coliseu dos Recreios.

O prejuízo terá sido seu, pela intrigante fusão estética oferecida pela banda liderada por Gabriel Franco. Portanto, sob arcadas góticas, mas sem o sentido alquímico dos Tribulation, os Unto Others soam como se Robert Smith se inclinasse para o hard rock e o heavy metal – “Heroin” possui mesmo os galopantes ritmos do thrash. Bonitos dedilhados de guitarra, o baixo simples e propulsivo a colar a bateria directa e as guitarras em estruturas quadradas oriundas da pop dos anos 80, com melodias muito, muito orelhudas. Com a sala despida e depois de um ligeiro atraso nos horários de produção (deduzimos que nos reajustes de soundchek), os Unto Others pareceram enfrentar um som desequilibrado na monição de palco, ali perto pressentia-se isso, também pelas muitas vezes em que os músicos se descoordenavam entre si e principalmente com a bateria. Todavia, a banda nunca perdeu a sua orgulhosa postura e confiança na execução.

Sebastian Silva brilhou com uma Pro Series Soloist SL3R (Jackson Guitars), enquanto Franco usou um modelo Gibson SG, e ambos estavam amplificados por modelos EVH 5150 – não conseguimos discernir se os cabeços de 50 watts ou até os “lunchbox” – imagine-se o estalo dessas bestinhas!

A setlist: Heroin; Give Me to the Night; No Children Laughing Now; Can You Hear the Rain; Nightfall; Summer Lightning; When Will God’s Work Be Done.

O ENCANTO DA VELHA GUARDA

Mal se escutaram as primeiras 3ras harmonizadas disparadas pela FOH, preparou-se um mooshpit que durou todo o concerto. Usando os mesmos EVH que os Unto Others, Bill Steer e o hired gun Tom Draper fizeram soar o antémico riff (pesadão e ultra melódico) de “Buried Dreams”, que reúne de modo perfeito as idiossincrasias dos Carcass. Por esta altura, o olhómetro dizia-nos que a lotação do Coliseu já andaria pelos 2500 metalheads e os mais velhos para perceberem que, na correcta ordem das coisas, os Carcass são a banda mais impactante na história do género, erguiam os punhos com fervor. Mesmo quando chegou “Kelly’s Meat Emporium”, o hino do mais recente álbum, com a sua brilhante capa estampada nos pequenos ecrãs que se encontravam em palco com os músicos. Depois recua-se aos álbuns centrais da discografia, “Necroticism – Descanting The Insalubrious” e, uma vez mais “Heartwork”.

Muito do appeal dos britânicos sempre foi a sua costela guitarreira dos 70s e, empunhando uma Gibson Melody Maker (single cut), Bill Steer encarna cada vez mais o brilhante e saudoso Rory Gallagher, seja nos licks, na pose e nos trejeitos, ou no visual. Nota para o explosivo modelo Fernandes Triturador que Jeffrey Walker usou, um baixo que o músico desenhou e que foi construido na Custom Shop da Fernandes Guitars, em LA. Com um som bem encorpado e com muito foco nos médios, uma tremenda ferramenta para death metal. A bateria dos headliners mantém-se no fundo do palco, um mamarracho a emprestar um ar amador e de algum desperspeito pelos veteranos. Essa sensação de amadorismo, de resto, foi “amplificada” por um som sempre enrolado na mistura, safando-se o recorte dos pratos (Daniel Wilding foi absolutamente brilhante nas dinâmicas do ride) e tarola, que se ouvia mais junto ao palco. No geral, tiveram um som bem mau. Percebe-se, vendo depois o concerto de Behemoth, que as coisas não se podiam desviar um milímetro do planeado.

Quanto aos que foram chegando e enchendo a sala para assistir ao espectáculo dos polacos, ainda tiveram tempo para contemplarem um vibrante retrato de uma das eras mais douradas de brutalidade sónica, quando “Corporal Jigsore Quandary” varreu a frente do palco, criando um tufão de mosh e suor. O que ficou por dizimar, foi arrasado por “Heartwork”, tocada logo de rajada. Faz sempre bem à saúde um sessãozinha necro-cirúrgica.

A setlist: Buried Dreams; Kelly’s Meat Emporium; Incarnated Solvent Abuse; This Mortal Coil; Dance of Ixtab (Psychopomp & Circumstance March No. 1 in B); The Scythe’s Remorseless Swing; Corporal Jigsore Quandary; Heartwork.

A GRANDE BESTA BÍBLICA

A reputação que os Behemoth têm, de tornar as suas actuações mais intensas a cada vez que sobem ao palco, foi testemunhada de modo absolutamente majéstico. Suportados pelas projecções psicológicas dos arquétipos de Jung, do consciente colectivo, mesmerizaram qualquer um dos que olhavam para o seu aparatoso palco e para o desenvolto sentido cénico e simbólico do espectáculo. Mesmo que se esteja a representar o cristianismo como unidimensional, dogmático e de vistas curtas, através de representação que é, ela mesma, unidimensional, dogmática e de vistas curtas. De resto, é uma questão de gosto pessoal que determina uma prostração devocional ou cínica diante da produção, pois à imagem de muitas outras bandas, dos KISS à grandes produções pop de elite na indústria, tudo é coreografado ao milímetro e uma grossa parte do corpo sónico do concerto é suportada por backing tracks. É menos rock ‘n’ roll? Eventualmente, mas é deveras impressionante.

Mais junto do palco, a hiper compressão da mistura criou uma parede som asfixiante e esmagador, no final do concerto podia sentir-se a exaustão derivada de uma exposição prolongada a um som sem quaisquer compromissos dinâmicos. Zbigniew Robert Promiński foi, fazendo justiça ao seu pseudónimo, infernal nas baterias, comandando toda a coordenação e orquestralidade dos backing tracks e invadindo os sentidos incautos com a sua brutal velocidade nos blasts – sendo ele a fonte primária das necro evocações de black metal que ainda vigoram na setlist dos Behemoth, autênticos petardos como “Conquer All” ou “Daimonos”. Infelizmente “abafado” pelo corpo da produção, Patryk Dominik Sztyber também mostrou quanto pode valer um músico de sessão, evidenciando uma capacidade de execução na guitarra que não deslustrou numa noite em que estiveram em palco ases como Bill Steer, Michael Amott e Jeff Loomis, e numa altura em que Nergal (que entrega e forma assinaláveis para um tipo que lutou contra uma leucemia) já parece mais dedicado ao seu imponente papel como mestre de cerimónias, como um anti-papa, do que como guitarrista. Já agora, praticamente não largou o seu modelo ESP/LTD NS-6, derivado de uma Black Phoenix. Se usou o KHDK Electronics LCFR ou não, diríamos que sim, mas é impossível ter a certeza, aliás, todo o rig da banda está oculto no palco.

O recente álbum “Opvs Contra Naturam” (16 de Setembro de 2022) foi o centro desta liturgia negra, cujo intróito foi “Post-God Nirvana” e evocou ainda “The Deathless Sun”, “The Becomig Eternal”, “Off To War!” e o último single “Versvs Christvs” – pouco importando, a um coliseu já bastante cheio, que soe como um rip off a “A Dying God Coming Into Human Flesh”, dos lendários Celtic Frost, cuja sombra, se alastra cada vez mais em toda a envolvência estética dos Behemoth. De qualquer forma, esse tema entre “Blow Your Trumpets Gabriel” e “Chant For Eschaton 2000” criaram um final apoteótico.

A setlist foi: Ora Pro Nobis Lucifer; The Deathless Sun; Ov Fire and the Void; Thy Becoming Eternal; Conquer All; Daimonos; Bartzabel; Off to War!; No Sympathy for Fools; Blow Your Trumpets Gabriel; Versvs Christvs; Chant for Eschaton 2000.

NAS ASAS DO SHRED

Os Arch Enemy devem estar bem no topo das bandas que mais mudanças enfrentam. Desde logo na voz. A banda gravou os seus três primeiros álbuns com Johan Liiva e em 2001 ganharam protagonismo os grunts femininos de Angela Gossow. A cantora esteve mais de uma década na banda, sendo substituída em 2014. Constante na formação apenas a secção rítmica, estabilizada com o baixista Sharlee D’Angelo em 1999, com o baterista Daniel Erlandsson a acompanhar o shredder Michael Amott desde os primeiros tempos da banda até aos dias de hoje. Mas todas estas alterações acabaram por abrir caminho à possibilidade de poder ver-se dois ases da guitarra eléctrica em paralelo. Michael Amott e as suas Dean Guitars ao lado de Jeff Loomis e as suas Schecter e Jackson.

De qualquer forma, como já Lisboa tinha testemunhado em 2019, Alissa White-Gluz deixou claro que é cada vez mais capaz de liderar os Arch Enemy, através não só da sua prestação vocal como do magnetismo que exerce no palco e na forma como se liga com a multidão. Mas, apesar do seu talento, esta é uma banda que cativa mais pelo poker de ases instrumentistas e particularmente de dois dos melhores guitarristas no universo do heavy metal: Michael Amott e Jeff Loomis. Cruzados, soam como uma explosiva mistura de arrogância técnica e humildade composicional, fascinando nos momentos em que correm soltos nos solos a dois. Incrível o profissionalismo que se denota na execução de Loomis, aceitando sem reservas o seu papel de guitarrista secundário diante de Amott, sem dar mostras de excentricidade ou procurando protagonismo excessivo, mas capaz de focar a atenção de cada um dos presentes de cada vez que lhe calhava a si assumir a frente de palco e exibir a sua mestria: Amott mais devoto a K.K. Downing e a Glenn Tipton, cujas dinâmicas de twin guitars coloca imensas vezes nestas composições; Loomis mais baseado em Kirk Hammett, ainda que elevando os fraseados a um outro patamar.

O concerto, consoante a banda foi aquecendo, com os shredders bem secundados por Sharlee D’Angelo e pelo demolidor Daniel Erlandsson (e que deslumbrante aquela Pearl Reference Pure perlada), sentiu-se em crescendo. A estabilização da formação, das sinergias entre os guitarristas e o tempo forçado de paragem, que White-Gluz repetidamente referiu ao longo do concerto, permitiu que os Arch Enemy maturassem a sua composição e a sofisticação da mesma. Malhões como “Ravenous”, “As The Pages Burn” ou “Nemesis” (fechou triunfalmente a noite) estão bem secundados pelas novidades do novo “Deceivers” (12 de Agosto de 2022), desde o exposivo “Deceiver, Deceiver”, o tremendo groove de “In The Eye of The Storm” ou a propulsividade demolidora e as melodias antémicas de “Sunset Over The Empire”. Cada vez mais consistentes e brutais, os Arch Enemy deram o melhor dos seus concertos no nosso país!

 

SETLIST

  • Deceiver, Deceiver
    War Eternal
    Ravenous
    In the Eye of the Storm
    House of Mirrors
    My Apocalypse
    The Watcher
    The Eagle Flies Alone
    Handshake With Hell
    Sunset Over the Empire
    As the Pages Burn
    Snow Bound
    Nemesis