Vagos Open Air’12 [Dia 2]
2012-08-04, Lagoa de Calvão, VagosO escasso público presente no recinto no início do segundo dia do Vagos Open Air 2012 parecia prever que o primeiro concerto seria mais fraco. Mas os provaram o contrário num concerto carregado de energia do princípio ao fim. Muito graças à prestação do vocalista e Carlos Vilhena, que durante toda a actuação não parou de puxar pelo público. De notar também a actuação do guitarrista Francisco Aragão. Apesar de só haver uma guitarra, não se notou qualquer falta de peso. Pode-se mesmo dizer que se houvesse outra guitarra corria-se o risco de ser demais, tal era a monstruosidade do som debitado. Se no princípio o público era pouco, a multidão foi crescendo e respondeu muito positivamente. Temas como “Firekiss”, “I Am War” e “Alcohol Ecstacy” fizeram o público levantar o pó logo na abertura das festividades. Os Mindlock apresentaram também um tema novo chamado “Illusion”, que recebeu a mesma recepção poeirenta que as restantes músicas.
Se no primeiro dia se pode falar de uma expedição escandinava ao palco do festival, o segundo concerto do segundo dia trouxe uma expedição vinda do exótico Oriente longínquo. Os Chthonic viajaram por meio mundo desde a ilha Formosa para tocarem pela primeira vez em Portugal, no palco de Vagos. E desse palco fizeram ouvir um black metal com fortes influências da mitologia taiwanesa. O público, que entretanto foi aumentando de número, pareceu um pouco cauteloso no início do concerto. Mas acabou por se ir chegando à frente, convencido pela boa execução instrumental e dinâmica musical dos temas. É pena que não se tenha conseguido ouvir o instrumento tradicional de arco erhu, tocado pelo vocalista Freddy Lim. No final do concerto a voz de Lim acusou algum desgaste no registo mais agudo, mas não retirou impacto à sonoridade. Temas como “Broken Jade”, “Southern Cross” e “Quell The Souls In Sing Ling Temple” fizeram parte de um concerto que para muitos dos presentes se revelou uma boa surpresa, com os Chthonic a apresentarem uma actuação muito consistente. De notar também o esforço feito para conseguir estabelecer comunicação com o público português, presenteado com referências à história dos marinheiros que deram nome de Formosa à ilha da actual Taiwan no século XVI, assim como um sonoro “Saúde!” para brindar os presentes.
A banda seguinte fez uma entrada que anunciou o tipo de som que se ouviria. Uma entrada instrumental progressiva deu início ao concerto de Textures, uma das actuações que mais levantou pó em frente ao palco. O avançar do dia também foi marcado pelo engrossamento da multidão no recinto, cada vez maior a cada concerto. Em Textures não foi diferente. A sonoridade técnica e experimental pareceu apelar sobretudo ao público mais jovem, que se foi chegando à frente. Daniël de Jongh foi puxando pelo público, e o concerto testemunhou um dos momentos de maior acção do Vagos Open Air 2012 – uma “parede da morte” a meio do tema “Stream of Consciousness”. “Awake”, “Consonant Hemispheres” e “Laments of an Icarus” fizeram parte de um concerto em que o público não parou de se mexer, apesar da maior parte das harmonias com vozes limpas não estarem muito afinadas. Outro aspecto pouco positivo foi a secção de teclados, cujo timbre soava algo diluído na totalidade sonora da banda. Aspectos que não impediram uma despedida com um forte aplauso dos presentes.
O sol descia no horizonte quando os Coroner subiram a palco. Ainda andavam os roadies em cima do palco a preparar a actuação e por entre o público já se ouviam gritos para começar o concerto. E quando finalmente começaram a tocar, abrindo com o tema “Internal Conflict”, deram logo o mote para uma actuação de peso. A prestação de Ron Broder no baixo e na voz foi exemplar, quase hipnótico. Tocar baixo com os dedos e cantar ao mesmo tempo é por si só difícil, e fazê-lo quase sem falhar é digno de admiração. Tommy Vertterli iniciou as exibições de perícia e virtuosismo da noite, com solos cativantes. O guitarrista teve um ligeiro percalço quando a certa altura a distorção falhou, mas depressa foi resolvido. A banda contou com a participação de um convidado especial no sintetizador, Daniel Stutzel. A utilização de samples ajudava a criar o ambiente para os temas, mas o momento de interacção mais directa entre a guitarra e o sintetizador não correu muito bem. Soou algo atabalhoado. Também houve momentos em que o bombo não soou muito certo. Pormenores que não impediram manifestações espontâneas parte do público presente, não foi preciso puxar muito pela multidão. No concerto de estreia em Portugal no qual se ouviram temas como “Masked Jackal”, “Serpent Moves”, “Die By My Hand” e “Semtex Revolutions”, Ron Broder dedicou a música “The Lethargic Age” ao promotor que os trouxe ao palco do Vagos Open Air 2012, Carlos Marreiros da Prime Artists. O público ainda foi brindado com uma despedida especial, com “The Invincible”, retirada da demo de 1986 “Death Cult”. Um grande concerto para abrir o apetite para o resto da noite, e o primeiro a tirar partido da iluminação de palco. Um bom jogo de luzes ajudou a tornar o concerto ainda melhor. Mesmo assim, pareceu que o público foi ligeiramente menos numeroso no concerto dos Coroner quando comparado com a audiência da actuação anterior. Mas os presentes fizeram ouvir os seus aplausos.
Chegou o momento do primeiro grande atraso no Vagos Open Air 2012. A preparação do palco demorou mais do que o previsto, e o público começou a ficar impaciente. Entre os gritos pela banda e os assobios de protesto, a impaciência ia crescendo à medida que o tempo passava. Percebeu-se que estavam com algumas dificuldades técnicas na preparação da actuação, sobretudo na questão da monição de palco. Chegou ao ponto do stage manager ser vaiado de cada vez que aparecia em palco. Um começo nada bom para um dos grandes nomes do festival.
Mas a multidão pareceu esquecer a demora assim que soaram os primeiros de riffs de “Come And Get It” e a voz de Bobby “Blitz” Ellsworth explodiu através das colunas. As primeiras músicas ainda sofreram de alguns problemas na monição, mas acabaram por estabilizar. Só que o público presente não pareceu importar-se muito, porque depressa atingiu o rubro. A voz de Bobby “Blitz” foi constantemente acompanhada pelo coro da multidão, que cantava de cor as letras de temas como “Elimination”, “Wrecking Crew”, “Rotten to the Core”, “Electric Rattlesnake”, “Ironbound” ou “In Union We Stand”. Um concerto que foi como um comboio desgovernado cuja melhor descrição é feita pela palavra velocidade. Sempre em frente, sempre depressa. Os solos de Dave Linsk acentuavam ainda mais a energia da voz, num concerto altamente electrizante. O guitarrista teve um pequeno acidente, e no final de uma passagem ficou sem com devido a uma má conexão. Mesmo depois de uma trombose em pleno concerto, no Verão de 2002, e mesmo tendo de fazer pequenas pausas para descansar durante as passagens instrumentais, Bobby “Blitz” mostrou que continua com a mesma atitude de intensidade em palco e na vida. Um concerto da velha guarda, com a visão familiar de som a ser debitado de meia dúzia de colunas Marshall em cada lado do palco e quatro torres Ampeg a assegurarem que se sentia o baixo. Houve bastante interacção com o público, havendo espaço para as tradicionais passagens em que se dá mais destaque ao público a cantar. A despedida foi feita com um ecoante “F*** You!” mútuo entre os Overkill e a multidão. Seguiu-se uma das maiores ovações desta edição do festival, com Bobby a descrever o público como “[…] loucos logo no arranque!” Apenas um outro aspecto a apontar, para além da demora para começar. O concerto soube a pouco. E o público fez notar que queria mais.
Coube aos Arch Enemy encerrarem o Vagos Open Air 2012. A banda apresentou a produção mais completa, substituindo as imagens captadas durante os concertos que eram projectadas nas telas laterais com vídeos próprios. Os vídeos serviram de ilustração a muitos dos temas do último álbum, “Khaos Legions”. Temas como “Bloodstained Cross”, “Under Black Flags We March” e “No Gods, No Masters”. Os Arch Enemy foram logo recebidos com muitos aplausos por parte de um público entusiasmado, no momento do festival em que a multidão foi mais numerosa. Segundo a vocalista Angela Gossow, o baterista Daniel Erlandsson tocou no palco de Vagos com um dedo da mão direita partido. Se foi o caso, não se pode dizer que tenha afectado muito a prestação do músico. Dos guitarristas Michael Amott e Nick Cordle foi possível ver e ouvir mais proezas instrumentais, acolhidas com bastantes aplausos. O público também acompanhou as melodias mais conhecidas, formando um grande coro que encheu o ar da noite. Temas como “Dead Eyes See No Future”, “We Will Rise” e “Ravenous” fizeram o público vibrar durante todo o concerto. “Nemesis” foi a última música antes da despedida final, marcada por uma grande ovação. No entanto, a necessidade de estarem sincronizados com as apresentações audiovisuais parece ter retirado alguma flexibilidade à actuação da banda, cujo desempenho por vezes pareceu algo rígido. Uma performance um pouco mais orgânica poderia ter proporcionado mais momentos de interacção dinâmica com o público, mas não se verificou que a multidão tenha ficado desiludida.
O segundo e último dia do Vagos Open Air 2012 foi mais interessante a nível de concertos, e também mais concorrido. Ainda se verificaram algumas falhas no som de frente, com a bateria a ter os bombos demasiado sobrepostos em relação aos timbalões e pratos em algumas das actuações. No concerto de Coroner houve mesmo um pequeno instante em que deixou de sair som das colunas. Mas na sua generalidade o som de frente foi melhor quando comparado com o dia anterior. Se no início de alguns concertos o som parecia desequilibrado, é normal. Há que relembrar a dificuldade em equilibrar os vários instrumentos quando não se conhece a fundo a sonoridade da banda.
É seguro afirmar que esta quarta edição do festival dedicado às sonoridades mais pesadas foi crescendo de forma positiva, acabando em grande com os concertos de Coroner, Overkill e Arch Enemy. No dia anterior, os Enslaved mostraram como se cria a atmosfera certa, e At The Gates rasgou qualquer possibilidade de apreender a quietude de uma noite no campo. Fica a esperança que Arcturus possa regressar para fazer jus às suas paisagens sónicas e musicais.
Aos festivaleiros restou o convívio durante madrugada e o levantar de acampamento no dia seguinte. Um dia em que ainda se ouviam aqui e ali os mesmos resquícios de som que marcaram a entrada de quem no dia anterior palmilhava a estrada em direcção ao palco. Com certeza que o som de guitarras distorcidas, baixos e baterias pulsantes e vozes poderosas foram pano de fundo para a viagem de regresso a casa. A partir de agora estão abertas as sugestões para o cartaz do próximo ano!
Por Luís Alves