Dizer que o Ti Milha é, provavelmente, o melhor festival do concelho de Pombal (maior concelho do distrito de Leiria) não é dizer muito, contudo o festival fala por si e aí sim, diz muito.
O Ti Milha é um excelente exemplo de um festival moderno que não se desliga do sítio que o acolhe, não fosse ele fruto do trabalho das pessoas que o recebem na sua terra.
Ao mesmo tempo que se expande e continua a crescer, esta edição do festival veio confirmar que os “chefs”(ARCUPS) estão de parabéns pela execução da “receita”.
Porque organizar um festival não é muito diferente de cozinhar um bolo, no sentido em que, devemos ter atenção às quantidades e passos, assim como aos instrumentos e ingredientes. Basta um destes elementos falhar para o bolo não sair bem, a diferença é que quando não sai bem num festival não desiludimos só os nossos familiares ou amigos, desiludimos uma comunidade.
O festival realiza-se desde 2016, na Ilha, uma pequena localidade no oeste do concelho de Pombal. A edição de 2022 foi a quinta, na sequência de dois anos de interregno por causa da pandemia e decorreu de 22 a 24 de Julho.
Com espaço para novidades como o campismo, especialmente complicado pela situação ambiental actual. A organização mostrou “jogo de cintura” e, com o apoio do espaço comercial mais próximo do festival, conseguiu contornar a questão com transtornos mínimos. A quinta edição do Ti Milha, foi também, a primeira com entrada paga, abandonando o modelo de crowdfunding que marcou as edições anteriores, o festival adotou o modelo pago para os primeiros dois dias e, no terceiro e último a entrada era livre.
Além do sabor regional do Ti Milha, na programação musical do primeiro dia destaque para o concerto dos veteranos, África Negra. A banda original de São Tomé, ainda antes da independência, trouxe consigo os ritmos que fazem dos discos do grupo tão valiosos atualmente. O general João Seria assumiu funções, comandando, quer os restantes membros da banda, quer o público que batia continências, mexias as pernas e ia buscar as respetivas «gatxinhas e/ou gatxinhos». Duas horas de concerto do grupo que, beneficiou do facto do Dj que iria atuar pela noite fora, tocar no palco secundário. O espetáculo só terminou quando um dos diretores do festival, Wilson Capitão, fez sinal. Um concerto tão memorável quanto surpreendente, até pela maneira como, com a idade, conseguiram atuar num formato quase contínuo durante um tão largo período de tempo sem perder consistência.
Seria difícil superar este momento mas, Hypnolove num registo Dj set, ambicionou. Pela primeira vez em Portugal, a banda tinha atuado antes de África Negra e terminara em grande com “La piscine”, um dos grandes temas dos franceses. O grupo de Toulose deixou o público “quente” para os africanos, que o devolveram uns graus acima. O Dj set esteve a cargo de Thierry Moreira, o vocalista e teclista dos Hypnolove seguiu o concerto dos africanos, mantendo as temperaturas elevadas madrugada adentro.
O segundo dia, repleto de atividades “extra curriculares” albergou workshops de fotografia analógica, quebra-cabeças, workshops de modelação de vestuário e uma oficina de upcyling, um conceito de reutilização de acordo com o modelo de economia circular. Contudo, foi o concerto de Throes + The Shine que mais se distinguiu no sábado. A receção à programação da segunda noite foi em crescendo, até Balboas Connection. Dos Baleia Baleia Baleia a fazerem o público também querer ser um ecrã, passando pelos Motherflutters a encantarem e enfeitiçarem a audiência com o poder da flauta e dos ritmos altamente dançáveis, até chegarmos a Throes + The Shine a «partir a casa toda».
O auge da noite esteve ao cargo do energético trio que chegou a dividir a plateia para uma simpática wall of death. Marco Castro, Diron Shine e André Do Poster só descasaram para a foto da “praxe” no final do concerto e quando pediram ao público para ir abaixo apenas para explodir com a subida. A multidão respondeu com uma, já notavelmente, saudosa salva de palmas no final repetindo o cântico “TTS”; qualquer semelhança sónica com algum cântico de aparelho do sistema partidário é coincidência.
A tradição dita que o domingo é dia de ir à missa e estar com a família para a generalidade da população que habita nos territórios que acolheram o festival. O 24 de Julho foi o dia mais virado para estes, porque os recebeu e agregou e não porque as atenções estariam agora sobre este grupo em específico. Durante o dia ocorreram workshops de crochet, a pequena feira continuou, um torneio de xadrez e um mega piquenique a prepararem as atuações finais.
O Rancho Etno-Popular da Ilha e os locais Semibreves foram unindo gerações, mas foi OMIRI a consagrar a união. Verdadeiro multi-instrumentalista no sentido da palavra, com a destreza de um one-man-band, Vasco Ribeiro Casais dá outra vida aos ritmos tradicionais portugueses. O artista completou um projeto onde reconfigurou tradições de Alcanena, Tomar e Pombal.

A apoteose do Ti Milha deu-se quando Ti Alzira, com a sua presença pelo festival, capturou a atenção do povo que esboçava sorrisos completos, gritava o seu nome e cantava em uníssono a faixa que Alzira ajudou a criar “O Cai Di, o Cai Dá”. A tentativa de OMIRI de se desviar de um encore pouco lhe valeu quando a multidão reivindicava uma repetição da canção inspirada pela tradição de bracejo e cestaria da Ilha. O impulsionador do “baile eletrónico”, lá acedeu, fechando com chave de ouro o festival.
O Ti Milha é desenvolvido pela ARCUPS(Associação Recreativa, Cultural e de Promoção Social) com o apoio da União das Freguesias da Guia, Ilha e Mata Mourisca, Município de Pombal e IPDJ.