THE ARCHITECTS C INES BARRAU

Architects em Lisboa, Nem Tudo O Vento Levou

Review

Banda
10/10
Voz
7/10
Som
9/10
Ambiente
10/10
Overall
9.0/10
SETLIST || When We Were Young | Whiplash | Giving Blood | Braindead | Deep Fake | Impermanence | Meteor | Red Hypergiant | Everything Ends | Black Lungs | Royal Beggars | Curse | Gone With The Wind | Doomsday | Blackhole | Seeing Red | Animals

Passados 11 anos os Architects regressaram finalmente a Portugal para um concerto há muito aguardado. Após uma ausência prolongada a banda britânica recompensou os fãs com uma performance plena de entrega e energia, com os temas do novo álbum ” The Sky, the Earth & All Between” a sobressaírem de forma esplendorosa.

Para recordar a primeira passagem dos Architects por Portugal é preciso recuarmos até 2014. Na altura, foi à boleia da já extinta Head Up! Shows que a banda de Brighton se apresentou numa mini tour de três datas que os levou até Faro, Lisboa e, pasmem-se, Pombal. Na bagagem trouxeram uma carreira que já contava com 10 anos e um álbum, “Lost Forever // Lost Together” (2014), que viria a tornar-se num marco do metalcore.

Mas, muito mudou nestes 11 anos de ausência de concertos dos Architects no nosso país. Nessa primeira passagem por Portugal ainda se apresentava na banda o elo mais forte que desbloqueou toda a criatividade sonora e lírica que encontramos na discografia dos Architects até sensivelmente 2018, ano em que banda lançou “Holly Hell”. Falamos, naturalmente, do guitarrista Tom Searle, que, em conjunto com o seu irmão gémeo, o baterista Dan Searle, criou a banda em 2004. Tom trouxe para cima da mesa um estilo de tocar único que combinava elementos de metalcore, mathcore, metal progressivo e post-hardcore e encarregava-se também de escrever letras sobre religião, a sociedade e questões ambientais.

Em 2013 a banda sofreu um volte-face quando Tom foi diagnosticado com um cancro. “Lost Forever // Lost Together” (2014) e “All Our Gods Have Abandoned Us” (2016) trouxeram uma carga lírica mais dramática com Tom a posicionar-se entre a luta e o conformismo. Temas como “C.A.N.C.E.R”, “Castles in the Air“, “Gone with the Wind” e “Memento Mori” ilustram na perfeição essa dicotomia. Infelizmente, Tom acabou mesmo por falecer em 2016, com apenas 28 anos. Todavia, a banda, em vez de cessar funções, decidiu continuar em jeito de homenagem para com o amigo e irmão, acabando por fazer o luto em “Holy Hell”, álbum que ainda conta com alguns riffs do guitarrista, nomeadamente em “Doomsday”, faixa que apresenta um dos riffs mais “copiados” da cena metalcore.

Sem a sua principal fonte de composição, os Architects tiveram que ir em busca de uma nova fonte de inspiração, mesmo que isso envolvesse algumas transformações sonoras. E assim foi. “For Those That Wish to Exist” (2021) e “The Classic Symptoms of a Broken Spirit” (2022), já com o guitarrista Josh Middleton na banda, trouxeram uma sonoridade mais comercial, apoiada em elementos sinfónicos, eletrónicos e industriais, e geraram o single de maior sucesso do grupo,”Animals”. Rapidamente surgiram fãs de longa data indignados com as mudanças na sonoridade e com o crescimento exponencial da popularidade da banda e do público nos seus concertos.

Rapidamente surgiram fãs de longa data indignados com as mudanças na sonoridade e com o crescimento exponencial da popularidade da banda e do público nos seus concertos.

Esse descontentamento foi propagando e intensificando-se ao longo dos últimos anos. Muitos criticaram a ausência de uma voz mais zangada por parte do vocalista Sam Carter, assim como dos seus característicos “blegh“, uma vocalização em jeito de onomatopeia que Carter popularizou no metalcore. Saturado das críticas, Sam decidiu apanhar todos os fãs de surpresa e devolver-lhes toda a agressividade que diziam já não existir na sonoridade dos Architects. A resposta surgiu então na forma da faixa “Seeing Red”, o primeiro single de “The Sky, the Earth & All Between” (2025), o novo álbum da banda que apresenta uma sonoridade híbrida entre a brutalidade dos álbuns da era Tom Searle e a produção refinada e mais comercial dos dois últimos trabalhos. Para tal a banda contou com a presença em estúdio de Jordan Fish (ex- Bring Me The Horizon), que se disponibilizou para produzir o novo longa duração.

O lançamento deste novo trabalho coincidiu com o anúncio de uma nova tour que tinha como intuito levar a banda a cidades onde já não tocavam há algum tempo. A esperança dos fãs portugueses em relação a uma passagem da banda por cá era quase inexistente, mas a Prime Artists sacou um coelho da cartola para proporcionar a todos os fãs de metalcore uma noite memorável. É certo que estes já não são os mesmos Architects de há 11 anos, mas podemos dizer com certeza que nem tudo o vento levou.

Guilt Trip

Provenientes de Manchester, os Guilt Trip são uma das mais promissoras novas propostas do hardcore britânico. Apadrinhados pelos seus conterrâneos Malevolence, mais concretamente pela sua editora MLVLTD, contam já com dois álbuns editados, “River of Lies” (2019) e “Severance” (2023). A banda trouxe consigo a fúria do beatdown e cativou os presentes com riffs musculados e breakdowns avassaladores. Liderados pelo vocalista Jay Valentine, os Guilt Trip souberam agarrar o público através de temas como “Guilt Trip”, “Eyes Wide Shut”, “Severance” e “Thin Ice” e confirmaram que o hardcore também tem espaço nas arenas.

Brutus 

Na fronteira entre o post-hardcore e o post-metal, os Brutus são neste momento o nome cimeiro que tem representado a Bélgica no paronama do metal internacional. Apoiados nos vocais e na bateria de Stefanie Mannaerts a banda apresenta-se como um power trio com muita personalidade. Na bagagem trouxeram o seu mais recente álbum de estúdio “Unison Life” (2022), já apresentado em Lisboa e no Porto em salas de menor dimensão. Desta forma, a banda pôde alterar um pouco a sua estratégia. Cientes de que aquele não era necessariamente o seu público o trio apostou numa performance hipnotizante que colocou os olhos de quase toda a Sala Tejo na bateria e voz de Mannaerts.

Com uma abordagem ao instrumento que vai desde John Bonham a Ben Koller e uma voz etérea e arranhada que parece levar Björk ou Aurora para o campo do post-hardcore, Mannaerts apresentou-se como uma digna representante dessa pequena falange de bateristas que também são vocalistas. Apoiada pelas guitarras shoegaze de Stijn Vanhoegaerden e pelo baixo pulsante de Peter Mulders, Mannaerts colocou-nos num certo estado de transe e de relaxamento enquanto nos preparávamos para a tempestade sonora que se avizinhava.

Numa setlist centrada, naturalmente, no último trabalho de estúdio a banda percorreu temas como “Liar”, “Miles Away” e “What Have We Done” e “Justice de Julia II” e “Sugar Dragon” dos álbuns “Burst” (2017) e “Nest” (2019). No fim foram ovacionados de forma fervorosa por uma plateia cuja a cabeça já estava na banda que estava prestes a subir ao palco.

Architects  

Foi num clima de muito anseio e grande expectativa que os fãs portugueses receberam novamente os Architects em Portugal. A longa espera de 11 anos foi penosa, mas podemos dizer que a banda de Brighton soube recompensar o público com uma performance grandiosa e emotiva, digna do estatuto que já carregam nas suas costas.

O mote do concerto era o álbum “The Sky, the Earth & All Between”, mas o que é certo é o que os fãs nacionais também nunca tinham tido a oportunidade de escutar ao vivo os temas dos álbuns “All Our Gods Have Abandoned Us”, “For Those That Wish to Exist” e “The Classic Symptoms of a Broken Spirit”. Desta forma a banda criou uma setlist que passou em revista todos estes registos de estúdio. “When We Were Young” foi a escolhida para abrir as hostilidades. Poderosa, foi o primeiro cheirinho dos sing alongs que viriam a ser constantes em todos os refrões. No palco, a banda também não escondia a satisfação de voltar a um território que já não era visitado há muitos anos, com o vocalista Sam Carter a espelhar esse sentimento através de muitos sorrisos e ao envergar uma camisola da seleção nacional que tinha o número 7 nas costas e o nome do maior futebolista da nossa história. Escusado será dizer que a mítica expressão “siuuu”, que na verdade é sim, surgiu várias vezes longo do concerto para motivar algumas gargalhadas.

A longa espera de 11 anos foi penosa, mas podemos dizer que a banda de Brighton soube recompensar o público com uma performance grandiosa e emotiva, digna do estatuto que já carregam nas suas costas.

A primeira passagem pelo novo álbum surgiu logo de seguida com “Whiplash” e com os fãs a mostrarem que já têm as novas letras na ponta da língua. Estes novos temas combinam o melhor do passado e do presente dos Architects e mostram uma banda revigorada e renovada, com Carter a adotar novas técnicas vocais nos guturais e na sua voz de canto. Já com um som bastante equilibrado a banda partiu para “Giving Blood” antes de “Brain Dead” invocar o maior circle pit da noite.

Sem grandes discursos, Sam tirou apenas um momento para assinalar essa ausência prolongada e prometer aos fãs uma noite memorável. Na sua retaguarda encontrava-se uma banda extremamente competente composta pelo baterista Dan Searle, o guitarrista Adam Christianson, que alternou entre a sua Mayones Adam Christianson Signature Aquila Cardinal 6 e uma Mayones Duvell 6 Elite, e o baixista Alex “Ali” Dean, que segurou durante todo o concerto um Fender Precision. A eles têm se juntado ao vivo o guitarrista Martyn Evans e o guitarrista e teclista Ryan Burnett.

Estes novos temas combinam o melhor do passado e do presente dos Architects e mostram uma banda revigorada e renovada, com Carter a adotar novas técnicas vocais nos guturais e na sua voz de canto.

Com a camisola da seleção nacional já bem à vista, após Sam ter tirado o casaco, o público foi ao delírio. Na plateia a entrega dos fãs era constante num autêntico jogo do empurra em temas como “Deep Fake”, “Impermanence”, que originalmente conta com a participação de Winston McCall, vocalista dos Parkway Drive, e “Meteor”. Já “Red Hypergiant” surgiu como uma divisão entre a primeira metade do set e a segunda. O interlúdio instrumental de “Lost Forever // Lost Together” surgiu para dar um breve descanso vocal a Carter, mas também algum descanso corporal aos fãs, apesar deste ter sido importunado por alguns crowd surfers.

A segunda metade do concerto apresentou um crescendo que não tínhamos sentido tanto na primeira parte. Começando com a balada radiofónica à la Bring Me The Horizon  “Everything Ends”, passando pelas épicas “Black Lungs” e “Royal Beggars” e pela orelhuda “Curse”. Já “Gone With The Wind”, uma das melhores malhas dos Architects, surgiu algo descaracterizada com uma versão minimalista e muito curta. Para os fãs mais old school certamente que este não foi a melhor forma de revisitar esse material. Ainda assim, foi bom ver que a banda não esquece que há toda uma parte da discografia que os fãs ainda querem ouvir ao vivo.

Já a antecipar o encore surgiu a emotiva “Doomsday”. A malha que despontou o luto do guitarrista Tom Searle foi cantada a plenos pulmões por toda a Sala Tejo. Depois seguiu-se o petardo “Blackhole” para mais um momento de caos entre o público. Sabendo da setlist de antemão, sabíamos que estávamos a aproximarmo-nos do fim, mas o encore pareceu inexistente. Se a banda saiu de palco para depois voltar não demos conta. O que é certo é que ainda antes da banda arrancar com as últimas músicas ainda houve tempo para Sam Carter apresentar a sua recriação do icónico festejo de Cristiano Ronaldo, momento que motivou ainda mais gargalhadas.

A energia começava a esgotar-se no público, mas ainda houve uma réstia para suportar “Seeing Red” e berrar o verso «We only ever love you when you’re seeing red”, blegh». O maior sucesso da banda, “Animals”, naturalmente que ficou reservado para o fim. A música que divide os fãs de Architects em duas fações acabou por ser recebida em apoteose como o culminar de uma celebração memorável. De seguida a banda despediu-se do palco de forma fugaz, sem prometer um regresso num futuro próximo. Mas, a julgar pela receção calorosa que tiveram na Sala Tejo, esse regresso deverá estar mais que assegurado.

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