2020, O Regresso do Shred
Os novos álbuns de Petrucci (com Mike Portnoy), Joe Satriani, Kiko Loureiro, Marty Friedman, Sons Of Apollo, Richie Kotzen, etc… Um ano épico para os amantes portugueses da shred guitar que ainda viram os Dream Theater e os Aristocrats de Guthrie Govan ao vivo antes do mundo virar ao contrário.
2020 não deixará muitas saudades a ninguém, mas para os fãs do guitar shred este foi um ano em cheio. Ainda o mundo não tinha sido virado do avesso e o ano arrancava em grande com dois concertos de encher as medidas a qualquer amante de velocidade de execução e exuberância técnica nos instrumentos, em particular na guitarra.
Em Fevereiro, felizes da vida, assistimos ao encerramento da digressão “Distance Over Time”, na qual os Dream Theater celebraram a sua carreira e os vinte anos do fenomenal álbum conceptual “Metropolis, Part 2: Scenes From A Memory”. Poucos dias depois, The Aristocrats de Guthrie Govan mostravam em Lisboa o seu álbum “You Know What…?” numa noite divertidíssima.
Depois veio o coronavírus. Felizmente, fechados em casa, foram saindo vários álbuns que já estavam preparados e que, mesmo sem a possibilidade de os promover na estrada, os músicos não hesitaram em editar. Houve muita criatividade colocada cá fora este ano, também houve muita coisa que se calhar seria melhor não ter visto a luz do dia. Mas isso é outra discussão. Seja como for, os fãs da guitarra eléctrica não têm nenhum motivo de queixa.
E porque falámos nos Dream Theater, 15 anos depois de “Suspended Animation”, John Petrucci editou o seu segundo álbum a solo e o line-up foi motivo de espanto e celebração. O baixista foi Dave LaRue e o baterista Mike Portnoy, colega de LaRue nos Flying Colors e fundador dos Dream Theater com Petrucci. É a primeira vez em dez anos que o guitarrista e baterista gravam juntos! Naturalmente, a reunião entre os dois músicos foi um tema central em várias entrevistas, como por exemplo na sessão de perguntas e respostas que Petrucci promoveu com o clube de fãs oficial dos Dream Theater.
Petrucci detalhou também outros nomes que trabalharam no disco: «É misturado pelo Andy Sneap, a primeira vez que trabalho com ele, e está tremendo. Actualmente, ele está nos Judas Priest, ocupando o lugar do Glenn [Tipton], que já não aguentava. É incrível a fazer misturas e tem um currículo impressionante. Misturou “Firepower”, o mais recente de Judas Priest, e um monte de outras coisas – Killswitch Engage, Arch Enemy, Machine Head, a lista continua. Ele é extraordinário. Por isso, o álbum tem um grande som».
E na verdade, o álbum tem um grande som. A produção e elegância sónica acompanha o ecletismo presente neste trabalho. Sem as amarras estéticas de uma banda, Petrucci dedica-se a mostrar e a explorar a sua versatilidade como compositor. Tem também alguma preocupação em criar uma coerência de continuação com “Suspended Animation”, embora este álbum seja muito mais sólido.
Não há volta a dar, Portnoy faz sobressair de forma natural e muito equilibrada aquela groove um pouco pop ou Queen, tão presente nas grandes melodias deste disco. Da mesma forma que mantém a coerência nos momentos mais metaleiros. E as homenagens a influências não se ficam por aí, sendo possível encontrar referências a Eric Johnson, Steve Vai ou ao pai desta gente toda, o alienígena Joe Satriani.
“Temple Of Circadia” é malhão a encerrar o disco, “Gemini” é um demónio de velocidade e “Out Of The Blue” é um baladão daqueles…
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É, como dissemos, o pai desta gente toda. Joe Satriani regressou aos discos. “Shapeshifting” chegou no dia 10 de Abril de 2020, através da Sony/Legacy. A produção do álbum esteve a cargo do próprio Satch e Jim Scott, produtor cujo currículo conta com trabalhos com Foo Fighters, Red Hot Chili Peppers ou Tom Petty & The Heartbreakers. Os músicos que acompanham o shredder são o baterista Kenny Aronoff (John Fogerty), o baixista Chris Chaney (Jane’s Addiction) e o teclista Eric Caudieux, além das contribuições de Lisa Coleman (The Revolution) e Christopher Guest.
O título “Shapeshifting”, inspirado pelas sensações que Satriani teve a ouvir as primeiras demos para o disco, é explicado pelo guitarrista: «Comecei a pensar que soava como 15 guitarristas diferentes. Eu sei que se trata do mesmo gajo, pois sou eu, mas soa como se me estivesse a dirigir para uma zona em que cada melodia quase exige que seja outra pessoa qualquer».
Por falar em múltipla personalidade, o primeiro single “Nineteen Eighty” soa bem a Eddie Van Halen, Deus o tenha! Malha que depois progride para aquele boogie único do Satch e com muitas reminiscências do seu mais bem sucedido e comercial disco, “Surfing With the Alien”. O álbum é bastante sólido e muito bem planeado na sua tão tradicional quanto espantosa fusão de blues, rock, hard rock, world music, new age e jazz. Satriani poderá estar a jogar à defesa nas estruturas dos temas, mas a alma que empresta aos solos e o vigor que consegue apresentar no seu décimo sétimo álbum (!!!) é verdadeiramente assinalável.
Além deste trabalho, para agradar a fãs e ao mesmo tempo serve de óptimo pórtico para os que contactam pela primeira vez com o lendário shredder, Satriani ainda editou digitalmente o disco ao vivo “Echoes Of Tomorrow”, concerto gravado em 1993 no London Apollo. Excelente cápsula temporal AQUI.
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Por altura da edição de “Terminal Velocity”, de Petrucci, o nosso shredder brasileiro favorito, Kiko Loureiro, também lançou um novo trabalho. O histórico guitarrista dos Angra e actualmente nos Megadeth editou o seu quinto álbum em nome próprio.
“Open Source” chegou no dia 10 de Julho e conta com a participação de Felipe Andreoli no baixo e Bruno Valverde na bateria em todas as 11 faixas, além de contar com as participações especiais dos guitarristas Marty Friedman e Mateus Asato em duas delas.
Se em “No Gravity” e “Fullblast” as coisas eram ainda muito próximas da sonoridade dos Angra, e em “Universo Inverso” dominava a música brasileira, a partir daí, as coisas foram ganhando mais espontaneidade e misturando esses dois espectros musicais, a música do país irmão e o heavy metal.
“Open Source” criado em ambiente COVID parece tornar a rever esses dois pilares das idiossincrasias de Kiko, embora separando mais as águas em vez de as fundir. Por exemplo, “Imminent Threat”, com Friedman, é um relâmpago de shred e “Sertão” fala bem por si.
“Running With The Bulls, cruzando o flamenco com o djent, é o ponto alto do álbum. Não somos particularmente fãs de djent, mas esta malha é qualquer coisa…
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Primeiro Marty Friedman surgiu do já referido tema do novo álbum de Kiko Loureiro e depois publicou uma curiosa gravação sua. O antigo shredder dos Megadeth criou uma versão heavy metal para o tema que serve de genérico à série anime “Demon Slayer”. O tema original, “Gurenge” (“Red Lotus”), é de LiSA e tornou-se recentemente o terceiro single com mais downloads no Japão, atingindo as 900 mil descargas. Podem ouvir o original, que também é bem rocker, AQUI. Para a versão instrumental de Friedman, basta disparar o player em baixo.
De repente, Friedman anunciou que esta versão faria parte de “Tokyo Jukebox 3”, novo álbum de covers do universo musical japonês, incluindo “Shukumei” (Official Hige Dandism), “U.S.A.” (Da Pump), a balada “Sazanka” (End Of The World), etc. Criativamente não é propriamente um álbum excepcional, e parece, de facto, um álbum característico do confinamento. Sim, já se pode falar em álbuns característicos de confinamento… Todavia, é sempre extremamente cativante seguir as incursões de Friedman pelo pitoresco J-pop, além da sua vibrante destreza na guitarra eléctrica.
A maior novidade, para adeptos ferrenhos de Friedman, constata-se no próprio som do músico. Friedman preocupou-se em redimensionar o som, principalmente, dos solos. Para isso reduziu imenso nos efeitos espaciais, como reverbs e delays, ganhando maior respiração e mais ataque nas dinâmicas de execução.
No final de contas, o terceiro capítulo da série “Tokyo Jukebox”, mais que um álbum propriamente dito de Friedman é um saco de doces para quem gosta de melodias orelhudas. Não está oficialmente disponível em streaming digital, mas oficiosamente é outra história, se desejarem ouvi-lo…
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Antes destes trabalhos referidos atrás, logo em Janeiro, os Sons Of Apollo lançaram “MMXX”. Talvez agora, se pudessem, mudavam o nome do álbum, mas a verdade é que o seu segundo disco veio confirmar que este projecto pretende ir muito além da extravagância de ser um supergrupo, composto por músicos superdotados.
Todavia, por melhores que sejam os músicos, e não os há muito melhores que Mike Portnoy, Derek Sherinian, Ron “Bumblefoot” Thal e Billy Sheehan, e muitos dos temas do primeiro álbum, “Psychotic Symphony”, este trabalho possui maior coesão e maior química. É algo transversal a qualquer banda, quanto mais tempo os músicos tocam e passam juntos, mais sólido fica o seu som e a sua linguagem musical.
Bumblefoot, Portnoy e Sherinian, estes dois colegas nos Dream Theater na segunda metade dos anos 90, juntaram-se no home studio do baterista para delinear as composições do disco, às quais o vocalista Jeff Scott Soto juntou letras. A partir daí, cada músico gravou as suas pistas em casa.
Essa referida solidez faz sobressair outra característica que distingue o projecto: muitas destas bandas possuem vocalizos com um estilo mais operático, mas Soto e o seu timbre bagacento dão um carácter mais rock ‘n’ roll aos temas. Talvez por isso “MMXX” soe com maior groove. Já quanto ao shred… Bom, as linhas gémeas e cruzadas de Bumblefoot e Sheehan são o sonho molhado para qualquer fã do género. Isto em composições bem planeadas, para soarem grandiosas e orelhudas.
Se 2020 tivesse sido todo assim, iria ser lembrado como um dos melhores anos na história recente da música rock…
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Pouco depois dos Sons Of Apollo, Richie Kotzen decidiu celebrar o seu 50º aniversário (no dia 03 de Fevereiro) com um álbum massivo, composto por 50 malhas. O guitarrista confessou: «Tinha umas 14 ou 15 canções feitas e que sabia que colocaria no próximo disco, mas enquanto estava em digressão, tinha comigo uma das minhas hard drives, que tem muito material em que estava a trabalhar. É algo que vai tão para trás, até ao início do milénio. Então fiz uma lista e tinha mais de 50 ideias. Bom, então pensei quantas delas conseguiria terminar. Muitas canções já tinham as baterias prontas, a algumas apenas faltava um verso vocal, outras não tinham voz alguma e precisavam de letras. No final, quando dei a volta a tudo, tinha 50 canções e fiquei a pensar que nunca mais quereria meter um pé em estúdio novamente. Dois dias depois, literalmente, estava em estúdio a gravar uma das canções da minha mulher. Acho que sou uma ratazana de estúdio».
Devido ao tamanho colossal do álbum, Kotzen não tinha intenção de lançar nova música ainda este ano mas, como o próprio admitiu nas suas redes sociais, aconteceu a pandemia e Kotzen deu por si fechado em casa, acompanhado da sua imensa criatividade. Dessas ideias e de uma conversa com Mike Portnoy, seu colega nos Winery Dogs, surgiu uma nova canção.
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Thrash metal de raíz, para muitos os Testament contam com o melhor guitarrista do género, Alex Skolnick. Se não é, em “Titans Of Creation” parece. O álbum sucessor de “Brotherhood Of The Snake”, de 2016, foi novamente gravado com Juan Urteaga e misturado pelo veterano produtor britânico e actual guitarrista dos Judas Priest, Andy Sneap.
Em entrevista, o vocalista Chuck Billy garantia que «uma pessoa está sempre a tentar superar o seu último álbum, e eu acho que, até aquele momento, o «Brotherhood…» foi um disco bastante forte. Este novo destaca-se, definitivamente — todas as músicas têm uma identidade própria. De alguma forma, o Eric [Peterson, guitarra], arranjou uma forma de fazê-lo soar aos TESTAMENT, mas parece fresco e novo, por isso é incrível. Foi um processo muito mais rápido do que da última vez, mas acho que, no final, a mistura é incrível, as músicas são incríveis e o processo não foi tão doloroso. Por tudo isso, é um bom disco. Mal posso esperar para que todos o ouçam».
Peterson assume a produção e uma enorme solidez nos ritmos para a propagação de destreza de Skolnick nos solos. São, de facto, malhas atrás malhas. O solo de “WW II”… Mãe do Céu!
Depois deste discaço, a banda viu-se envolvida num acidente quase fatal e, posteriormente, metade do line-up foi infectado pelo maldito vírus. Não fosse este tremendo “Titans Of Creation” e em vez de um dos melhores trabalhos da sua carreira, os Testament teriam tido um ano para esquecer.
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No dia 30 de Outubro, assim de surpresa, Tom Morello editou “Comandante”. O EP do guitarrista dos Rage Against The Machine promete algumas aventuras saborosas na guitarra eléctrica, ou não fosse Slash convidado para tocar na canção “Interstate 80”, emprestando assim os seus dotes a este novo disco do não menos virtuoso Tom Morello. Há uma faixa dedicada ao falecido Eddie Van Halen e a faixa de abertura é, nem mais nem menos, “Voodoo Child”, uma versão tremenda do clássico intemporal de Jimi Hendrix, onde irás ouvir o novo wah-wah de assinatura da Dunlop. Rápido, eclético e com as tradicionais força e singulares licks de Morello.