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Dia Mundial da Voz: O Que Fazem os Músicos Para a Preservar?

Dia Mundial da Voz: O Que Fazem os Músicos Para a Preservar?

Nuno Sarafa

Neste Dia Mundial da Voz, quisemos saber o que fazem David Fonseca, Mariana Camacho, Samuel Úria e Teresinha Landeiro para preservar e capacitar o seu principal instrumento de trabalho.

Som produzido na laringe, pelo ar que sai dos pulmões e da boca, a voz é o principal instrumento do ser humano. Pode ser activa ou passiva, a voz do povo, a meia voz, a de viva voz ou em alta voz. Há também a de cana rachada, a de comando, a presa, a surda, a comum, a rouca, a que corre, a de cama e a de quem canta até que a voz lhe doa.

É a pensar em todos estes casos e mais alguns que o Dia Mundial da Voz se celebra desde 2003, por sugestão de Mário Andrea, professor de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, durante a primeira reunião da Sociedade Europeia de Laringologia (European Society of Laringology), que presidiu.

A celebração desta data tem como principal objectivo alertar para a importância da voz e dos cuidados necessários para a preservar. É por isso habitual que vários centros hospitalares e associações promovam por todo o país rastreios gratuitos e alertem a população para os cuidados a ter com esse precioso instrumento, prevenindo eventuais problemas através do diagnóstico precoce.

Entre os principais cuidados a ter, os especialistas – neste caso, do SNS – recomendam uma alimentação equilibrada e rica em fibras e proteínas, beber bastante água (oito copos por dia), reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, café, chá e bebidas com gás, praticar exercício físico, não gritar em excesso, nem em tom agudo, falar pausadamente, não sussurrar (o esforço para sussurrar é maior do que quando se fala normalmente), não fumar e evitar frequentar ambientes com fumo, evitar ambientes com pó, cheiros fortes e ar condicionado, não abusar de bebidas gasosas e descansar bem.

Já entre os sinais de alerta a ter em conta, convém estar atento a súbitas alterações na voz, tosse frequente, alterações no timbre da voz ou dificuldade em colocar a voz, pigarreia ou rouquidão frequente, até porque qualquer uma destas alterações podem ser sinal de doenças como papiloma, cancro da laringe, paralisia das cordas vocais, laringite crónica, entre outras.

Ficámos também a saber que a pandemia trouxe aos profissionais da voz casos de disfonias, dificuldade para emitir a voz, rouquidão, falta de volume e projecção e, em certos casos, neoplasias potencialmente malignas.

Associando-se ao tema, este ano com o lema “Ergue a tua Voz”, a Arte Sonora quis perceber que tipo de cuidados terão alguns músicos no sentido de protegerem o seu principal instrumento de trabalho. Espreitem as respostas de David Fonseca, Mariana Camacho, Samuel Úria e Teresinha Landeiro.

DAVID FONSECA

David Fonseca, que por estes dias anda ocupado com o seu “Living Room Bohemian Apocalypse”, o novo álbum que é também um filme, admite não fazer exercícios para trabalhar o aparelho vocal, mas garante que tem alguns cuidados no dia-a-dia, até porque já teve problemas com a voz que o impediram de trabalhar.

Nos ensaios não projecto a voz da mesma forma, é tudo mais contido

Tens cuidados com a voz mesmo nos dias em que não tens ensaios ou concertos? Se sim, quais?
Poucos, mas alguns. Tento não esforçar demasiado a voz em locais muito barulhentos e tento beber água de forma regular.

E nos dias em que tens ensaios e concertos, quais são as tuas rotinas para poupar a voz?
Nos ensaios não projecto a voz da mesma forma, é tudo mais contido para que possa ser pacífico atravessar dias com 6 a 8 horas de ensaio. Nos concertos, não faço nada de especial para preparar a voz.

Que tipo de exercícios costumas fazer para trabalhar a voz?
Nenhum.

Já fizeste algum rastreio à voz?
Sim.

Já consultaste algum profissional para te ajudar com os exercícios/cuidados com a voz/saúde do aparelho vocal?
Sim, ensinaram-me a colocar a voz e faço checkups.

Já tiveste problemas com a voz que te tenham impedido de trabalhar?
Sim, fiquei afónico por duas vezes.

MARIANA CAMACHO

Se não a conhecem, vão sempre a tempo, por exemplo, aqui. Mariana Camacho, manipuladora de texturas vocais e sonoras e dona de uma voz distinta e versátil, sugere uma série de exercícios de respiração ou de trabalho da extensão vocal, destacando ainda a importância de, sempre que possível, resguardar o pescoço e a garganta do frio.

Faço exercícios de exploração dos diferentes registos vocais, trabalho a extensão vocal, treino de coloraturas, melismas, vibratos, glissandos

Tens cuidados com a voz mesmo nos dias em que não tens ensaios ou concertos? Se sim, quais?
Sim. Não bebo bebidas frias, bebo muito, muito chá! Não fumo e tento sempre resguardar o pescoço e garganta do frio.

E nos dias em que tens ensaios e concertos, quais são as tuas rotinas para poupar a voz?
Faço sempre aquecimento vocal e bebo muito, muito chá.

Que tipo de exercícios costumas fazer para trabalhar a voz?
Exercício de respiração: exploração dos diferentes registos vocais e a transição de uns para os outros (peito, garganta, nariz, cabeça), exercícios para trabalhar a extensão vocal, treino de coloraturas, melismas, vibratos, glissandos. E exercícios mais holísticos que integram o esqueleto e a musculatura na emissão do som (tipo klein technique).

Já consultaste algum profissional para te ajudar com os exercícios/cuidados com a voz/saúde do aparelho vocal?
Sim.

Já fizeste algum rastreio à voz?
Sim.

Já tiveste problemas com a voz que te tenham impedido de trabalhar?
Não.

SAMUEL ÚRIA

Samuel Úria, entre muitos outros atributos, é conhecido pelos agudos irrepreensíveis. O compositor diz ter preocupações em poupar a voz quando esta já está debilitada, principalmente quanto tem vários concertos seguidos, e nota que, depois de ter tido covid-19, demora mais tempo a recuperar a voz a seguir aos espectáculos. No final de 2021, após cantar um alinhamento inteiro tendo a garganta inflamada, Úria ficou afónico durante quase duas semanas, o que o fez adiar concertos agendados da tour de “Canções do Pós-Guerra“.

Após cantar um alinhamento inteiro tendo a garganta inflamada, fiquei afónico durante duas semanas, o que me fez adiar concertos agendados

Tens cuidados com a voz mesmo nos dias em que não tens ensaios ou concertos? Se sim, quais?
Confesso que não tenho muitos cuidados.

E nos dias em que tens ensaios e concertos, quais são as tuas rotinas para poupar a voz?
Só tenho preocupações em poupar a voz quando esta já está debilitada – ou por desgaste de vários concertos seguidos, ou por motivos de doença (constipações, inflamações na garganta). Fora isso, nunca planeio grandes poupanças.

Que tipo de exercícios costumas fazer para trabalhar a voz?
É raro executar algum exercício específico. Ainda assim, nos últimos anos tenho ganhado preocupações para situações específicas. Por exemplo, se sei que vou começar uma actuação com uma canção exageradamente aguda, já me venho precavendo com um breve aquecimento vocal (bocejos, os  “Prrrr” com os lábios, canto de escalas ascendentes e descendentes).

Já fizeste algum rastreio à voz?
Nunca.

Já consultaste algum profissional para te ajudar com os exercícios/cuidados com a voz/saúde do aparelho vocal?
Nunca.

Já tiveste problemas com a voz que te tenham impedido de trabalhar?
Sim. Depois de ter tido covid-19, noto que demoro mais tempo a recuperar vocalmente a seguir a concertos. No final de 2021, após cantar um alinhamento inteiro tendo a garganta inflamada, fiquei afónico durante quase duas semanas, o que me fez adiar concertos agendados.

TERESINHA LANDEIRO

Teresinha Landeiro anda em tour com o segundo disco “Agora”, mas não é por trabalhar mais do que o habitual que a fadista protege ao máximo o seu principal tesouro, já que admite que os cuidados fazem parte do quotidiano. Landeiro, com quem falámos há uns tempos, sugere que todas as pessoas deviam fazer rastreios à voz.

Tento sempre poupar a voz quando canto temas que estão minimamente ensaiados

Tens cuidados com a voz mesmo nos dias em que não tens ensaios ou concertos? Se sim, quais?
Deveria ter mais. Mas penso que tenho o mínimo necessário para cuidar da voz.

E nos dias em que tens ensaios e concertos, quais são as tuas rotinas para poupar a voz?
Tento sempre poupar a voz quando canto temas que estão minimamente ensaiados.

Que tipo de exercícios costumas fazer para trabalhar a voz?
Exercícios que aprendi nas aulas de canto e na terapia da fala.

Já consultaste algum profissional para te ajudar com os exercícios/cuidados com a voz/saúde do aparelho vocal?
Já consultei por várias vezes e acho totalmente aconselhável.

Já fizeste algum rastreio à voz?
Já fiz vários rastreios. São totalmente essenciais.

Já tiveste problemas com a voz que te tenham impedido de trabalhar?
Penso que todos os cantores já passaram por isso de uma maneira ou de outra.

Inactividade e utilização de máscaras prejudicou comunidade artística

Por estes dias foi partilhado um comunicado assinado pela coordenadora da Unidade de Voz do Hospital Egas Moniz e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Clara Capucho, a sublinhar que na comunidade artística estão a verificar-se, nesta primavera, disfonias, dificuldade para emitir a voz, rouquidão, falta de volume e projecção e, em certos casos, neoplasias potencialmente malignas.

«Estamos a acompanhar artistas que, entre muitos espectáculos que estão a dar, se debatem com problemas de desempenho da voz: os músculos do seu aparelho vocal estiveram inactivos durante muito tempo, usaram máscaras durante períodos prolongados e, alguns deles, desenvolveram patologias que têm de ser tratadas e acompanhadas».

A médica especializada na voz artística apela ainda aos cantores e actores profissionais para que não sujeitem a sua voz a súbitos acréscimos de exigência sem antes fazerem um rastreio às condições em que esta se encontra depois de dois anos com períodos de inactividade devido à pandemia da covid-19.

«É fundamental para cada artista fazer o rastreio da sua voz e manter a vigilância aos sinais. O aumento do esforço para a emissão vocal provocado pelas máscaras continua a criar tensões musculares na zona cervical, nos ombros e no próprio aparelho vocal que estão a provocar, em certos casos, graves prejuízos na voz».