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Direitos (e Deveres) dos Artistas em Portugal – Parte 2

Direitos (e Deveres) dos Artistas em Portugal – Parte 2

Nuno Sarafa

Na segunda parte do compêndio dos direitos e deveres dos artistas em Portugal damos especial atenção às cooperativas, associações ou entidades que auxiliam os artistas e profissionais do sector das Artes e Espectáculos em sede fiscal e não só.

Na primeira das três partes deste artigo, abordámos o novo Estatuto do Profissional da Cultura, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2022, todas as suas principais medidas e requisitos e ainda questões relacionadas com contratos de trabalho, falsos recibos verdes, Segurança Social e Finanças, tudo enquadrado através de uma entrevista com Rui Galveias, do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), que nos esclareceu sobre o ponto de vista dos profissionais do sector.

Nesta segunda parte, vamos dar especial atenção às cooperativas, associações ou entidades que auxiliam os artistas e profissionais do sector das Artes e Espectáculos em sede fiscal e não só.

Partimos do pressuposto que, numa área meio obscura para tantos artistas, não serão muitos os que conhecem exactamente os seus direitos, assim como os seus deveres, ora desperdiçando oportunidades à distância do preenchimento – embora complexo – de certas formalidades e requisitos, ora optando – muitas vezes sem alternativa – pela informalidade ou incorrendo muitas vezes em erros ou omissões que os arrastam para situações fiscais ou outras muito complicadas. As dúvidas são, por isso, muitas. Mas as respostas também.

É sabido que um trabalhador independente não tem os mesmos direitos que um trabalhador dependente e muitas vezes suporta um custo maior para exercer a sua profissão. Alguns exemplos que atestam essa disparidade dizem respeito a situações de desemprego, baixa por doença, contribuições obrigatórias mesmo quando não há rendimentos ou seguro de acidentes de trabalho.

Uma das entidades que resolvem este tipo de questões é a Pro Nobis. Esta Cooperativa de Actividades Artísticas, idealizada por uma perchista de formação e trabalhadora na área do cinema por mais de 15 anos (Michelle Chan), foi fundada em 2014 e tem os seus escritórios na Rua Academia das Ciências, em Lisboa,  providenciando aos freelancers uma solução comunitária para facturar aos clientes, descontando as suas remunerações como trabalhadores por conta de outrem e usufruindo dos benefícios previstos na Segurança Social para este regime. É, no fundo, uma verdadeira alternativa aos recibos verdes para quem deles necessita para facturar aos seus clientes.

A equipa da Pro Nobis é constituída também ela por profissionais freelancers, grande parte deles trabalhadores da Cultura e que acumulam entre si competências únicas para a gestão deste projecto, uma ideia que surgiu como uma «resposta dos trabalhadores independentes que não viam a situação do recibo verde como sustentável» e queriam ter uma «carreira contributiva sólida, mais justa» e, sobretudo, «activa e eficaz».

Entre os principais benefícios para os cooperadores destaca-se a gestão de cobranças de cachetsretenção de IRS calculada pela tabela para Trabalhadores por Conta de Outrem, retenção da contribuição para a Segurança Social correspondente ao valor real do rendimento, sem sujeição a escalões pré-definidos, a possibilidade de apresentação de despesas relacionadas com a actividade profissional, um serviço de contabilidade para organização de finanças pessoais, seguro de acidentes de trabalho e, nos casos de penhora por dívida, desconto de uma percentagem do rendimento para pagamento da dívida, em vez da retenção total sobre a prestação de serviços.

PROCESSO LIBERTA TRABALHADORES DE VÁRIAS PREOCUPAÇÕES

Chegados a este ponto, várias são as questões que se colocam, entre as quais o modo de funcionamento da Pro Nobis, o processo de inscrição ou a que tipo de profissionais se dirige. Para responder a estas e a outras perguntas, conversámos com Camila Reis, uma das Directoras da cooperativa.

Resumindo, «qualquer trabalhador freelancer do sector pode inscrever-se na Pro Nobis», que neste momento conta com aproximadamente 200 cooperadores, «grande parte deles trabalhadores independentes das áreas criativas», explica Camila Reis. De notar que cada cooperador é proprietário de títulos de capital que lhe conferem o estatuto de dono na sua quota-parte. Isto significa ainda que cada profissional inscrito na Pro Nobis passa a ser um trabalhador por conta de outrem ou trabalhador dependente, beneficiando assim de certas regalias inerentes a esta figura, tais como subsídio de desemprego, baixa por doença a partir do quarto dia e até 1095 dias, parentalidade, retenção de IRS proporcional ao rendimento e contribuições para a Segurança Social proporcionais ao rendimento, seguro de acidentes de trabalho, entre outras.

No acto de inscrição, o profissional terá de pagar 25€, automaticamente convertidos em títulos de capital da cooperativa (cinco títulos de 5€ cada) e ainda 25€ de jóia. Quando um cooperador decide sair da Pro Nobis, é-lhe devolvido o montante correspondente aos títulos de capital (25€), sendo que quando alguém que já fez parte da cooperativa quer voltar a inscrever-se (voltar a ser cooperador), volta a pagar os títulos de capital, mas beneficia de um desconto de 50% no valor de jóia (12,5€).

Acresce explicar que este valor de jóia/inscrição é canalizado para o exercício das «operações administrativas inerentes ao ingresso de um novo elemento», ou seja, inscrição na Pro Nobis e na Segurança Social em nome da cooperativa e ainda para custos com a empresa de contabilidade, abertura do centro de custos no programa de facturação e processo de pagamentos.

Além dos 50€ pagos no acto de inscrição, existe ainda uma taxa administrativa que varia entre 7,5% e 12,5% sobre o valor da faturação. Este valor serve pagar os serviços prestados pela cooperativa, tais como gabinete de contabilidade, apoio jurídico, seguro de acidentes de trabalho e departamento administrativo.

A partir do momento em que um profissional está inscrito na Pro Nobis, fica «livre de várias preocupações, obrigações ou responsabilidades» e pode esquecer tarefas como contribuições às Finanças e à Segurança Social, entrega da declaração de IVA ou declaração trimestral da Segurança Social. Todas estas competências «facilitam imenso a vida deste tipo de trabalhadores», que assim podem concentrar-se apenas no seu próprio trabalho, libertando-os ainda de incorrerem em certos erros ou omissões que muitas vezes os arrastam para situações de incumprimento.

Como funciona na prática? Concluído um trabalho, o cooperador preenche um formulário e uma folha de despesas, documentos que são enviados para a Pro Nobis, que irá cobrar o trabalho directamente ao contratante do trabalhador freelancer. Do valor recebido, a cooperativa retém entre 7,5 e 12,5%, consoante a faturação do trabalhador nos últimos 12 meses. Depois, são deduzidas as despesas que o trabalhador teve com esse mesmo trabalho e feitas as retenções em sede de IRS e Segurança Social. No final, o trabalhador recebe o salário livre de obrigações e é reembolsado das despesas.

No fundo, os cooperadores da Pro Nobis mantêm a liberdade permitida pela figura do trabalhador independente, mas com a segurança de um qualquer trabalhador por conta de outrem.

Mas as competências da Pro Nobis não se esgotam aqui. Nos casos de penhora por dívida, ao ser cooperador da Pro Nobis, o trabalhador beneficia do desconto de uma percentagem do rendimento para pagamento da dívida, em vez da retenção total sobre a prestação de serviços. Ou seja, depois de retiradas as despesas inerentes ao exercício da actividade, o trabalhador apenas vê penhorada uma parte do seu salário/rendimento e não a sua totalidade, como acontece normalmente com os trabalhadores a recibo verde.

O próximo passo desta cooperativa é a abertura de um gabinete que pretende ajudar os artistas no âmbito dos concursos, isto é, na obtenção de financiamentos ou subsídios à criação artística, um processo que se revela, na maioria dos casos, verdadeiramente kafkiano, e em que os trabalhadores que pretendem obter apoios se debatem com quilómetros de páginas com legislação pejada de linguagem que é, muitas vezes, incompreensível.

UNHA – AUXILIAR MUSICAL

De artistas para artistas. Assim se apresenta este projecto de divulgação e auxílio à música independente nacional, que se desdobra entre serviços de promoção e um par de ideias progressistas, como é o caso do consultório virtual através do qual os artistas podem consultar um psicólogo ou, por exemplo, aprender a emitir um recibo.

Criado pelo documentarista e promotor de concertos Eduardo Morais, o UNHA – Auxiliar Musical foca-se não só na criação de conteúdos promocionais «a preços convidativos», como também em dar pareceres em alguns aspectos fundamentais para os artistas emergentes: direitos de autor, contabilidade, distribuição digital, agenciamento independente, produção musical, videoclips, design ou questões do foro psicológico, reunindo parcerias com outros artistas especializados nas respectivas áreas.

Para lá da componente da promoção, agenciamento ou distribuição, um dos serviços mais interessantes e que se enquadra no âmbito deste artigo é o Consultório Virtual, através do qual os artistas emergentes podem entender melhor o que são direitos de autor, saber passar recibos para não terem (os habituais) problemas com o Fisco, perceber a melhor forma de colocar música no Spotify ou mesmo «combater aquela ansiedade antes de cada concerto». Para tal, o UNHA tem parcerias com um gabinete de contabilidade (O Guru Fiscal) e com dois psicólogos (Ana Pacheco e Samuel Silva).

Na terceira e última parte do artigo, abordaremos a gestão, cobrança e distribuição de direitos de autor e de direitos conexos aos direitos de autor e ainda os financiamentos à criação artística.