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ENTREVISTA | Slimmy: «Vivi Sob O Lema ‘Sex, Drugs And Rock And Roll’»

ENTREVISTA | Slimmy: «Vivi Sob O Lema ‘Sex, Drugs And Rock And Roll’»

Nuno Sarafa

A comemorar duas décadas de carreira com “20 Years, The Best(Of) is Yet To Come”, Paulo Gonçalves despe por momentos o fato de Slimmy e fala abertamente sobre tudo: os melhores e os piores momentos, o que está para vir e o problema de saúde mental que já lá vai.

A carreira de Slimmy começa no início dos anos 2000 com a participação em concursos, até que, em Setembro de 2007, se torna numa espécie de “next big thing” com o álbum “Beatsound Loverboy”, com singles a virarem êxitos de rádio, um tema na banda sonora da série “CSI Miami” e as nomeações para Best Portuguese Act, da MTV, e para Artista Revelação, dos Globos de Ouro. De lá para cá, já editou mais três discos de originais, “Be Someone Else” (2010), “Freestyle Heart” (2013) e “I’m Not Crazy, I’m In Love” (2019), além do EP “Left In The Dust” (2016) e uma versão comemorativa do 10º aniversário do álbum de estreia, em 2017.

Enquanto não chega um novo álbum, que já está em fase de produção, este é o momento de assinalar 20 anos sobre a estreia discográfica, e por isso Slimmy acaba de lançar “20 Years, The Best(Of) is Yet To Come”, que serviu de pretexto para a entrevista que o músico portuense concedeu à AS e na qual revelou estar já a trabalhar num novo disco de originais, ainda sem data de lançamento. «Estou a fazer as coisas com calma», diz Paulo Gonçalves, lembrando os tempos em que a ausência dessa mesma calma motivou alguns dos piores momentos da sua carreira (e vida pessoal), plasmados na depressão que o afectou corria o ano de 2016, mas a qual ultrapassou à custa de um tratamento duro, mas que lhe permitiu voltar a sorrir e a querer fazer o que mais gosta: música.

Nesta entrevista, Slimmy escancara as portas do seu coração, até porque é preciso falar de saúde mental, um flagelo escondido, mas real. «Achei que devia assumir, avisar, alertar. É preciso que haja mais gente a fazer isso. Claro que não há uma aspirina que tomes e que faça desaparecer os demónios, mas há tratamento, demora tempo, mas é possível chegar lá».

Vinte anos passam a correr! Bateu alguma nostalgia, não?
Bate sempre, e por acaso ando algo nostálgico, porque sem dúvida que o passado foi mais fulguroso do que o presente, embora continue a lutar e a escrever coisas novas com a mesma energia e ímpeto do início, mas sim, são tempos nostálgicos. São 20 anos desde que comecei a tocar sozinho em alguns concursos, como foi o caso do Roland Masters Of The Groove 2000. Foi em 2000 que comecei, sozinho, com a minha máquina, onde fazia as músicas, e foi a partir daí que Slimmy foi inventado. No entanto, a minha primeira edição discográfica só acontece em 2007, portanto, em 2027 volto a comemorar os 20 anos [risos].

O título “20 Years, The Best(Of) is Yet To Come” indica que o melhor está para vir…
Há um dos temas que não teve grande projecção – “Left In The Dust” (2016) – e a frase do título do Best Of (“The Best Is Yet To Come”) faz parte da letra dessa canção. Nos últimos anos, apercebi-me de que pior não podia ficar, mais abaixo não podia ir e, com o processo de terapia, que durou três anos, voltei a aprender a ver o copo meio cheio. Portanto, embora nostálgico, estou sempre com esperança de que venham aí coisas boas. É por isso que o título tinha de ter esse optimismo bem marcado.

Então significa que depois deste disco de celebração vais lançar material novo.
Estou mesmo agora a ouvir o primeiro master de um single que há-de sair entretanto, não sei dizer quando, porque estou a fazer as coisas com muita calma. Estou a gravar o quinto disco de originais, acabei a escolha final das músicas, que para mim é sempre um filme e queria muito que este ano servisse para festejar as coisas antigas, porque é um número redondo, 20 anos, e o meu Best Of está cheio de coisas boas, das quais me orgulho, mas ao mesmo tempo quero trazer coisas novas. Sou um escritor de canções compulsivo, escrevo mesmo muito, nunca estou parado, mesmo nos meus piores momentos escrevi muito, tenho coisas muito boas na gaveta e que têm de ver a luz do dia.

E como está a ser esse processo de composição?
Comecei a gravar durante o confinamento, devagarinho, à distância. Dois dos elementos da banda estão a produzir, o baterista [Pico Moreira] e o guitarrista [Miguel Oliveira] e, quando fazes as coisas sem pressão, sem datas, às tantas as coisas começam a aparecer. Já temos um tema forte, quase pronto, mas não tenho datas para edição. Acabei agora de lançar o single oficial do Best Of, “Set Me On Fire”, que foi um tema marcante do primeiro disco, mas que nunca foi single. E queria ver se me dava a conhecer a alguma malta que ainda não ouviu falar de mim, porque o tema é alegre, é eléctrico, cheio de boa energia, portanto, gostava de andar mais algum tempo com esse tema e depois sim, mandar cá para fora o tema novo. Talvez lá para Abril. Mas o tempo está a passar de uma forma estranha… é por isso que os timings, nesta altura, são um bocado irrelevantes. É fixe mandar cenas novas, é importante as pessoas saberem que estamos no activo e tenho muito essa preocupação, tenho muitos pesadelos com o facto de ser esquecido [risos]. Normal, não é? É que quando ficas alguns anos sem editar, de repente aparecem 500 coisas novas em inglês e 1000 em português e ficas naquela: ‘Onde é que estou agora? Qual é o meu público?’ Sempre tentei fazer isso. E, apesar de isto ser Slimmy, sempre quis ter um grupo sólido. A única coisa em que sou um bocado ditador é na escrita das canções, porque acho que consigo ter uma ideia muito mais clara por mim, do que se for perguntar a quatro seres. Julgo que resultou bem desde o início e por isso continuo a fazê-lo. Ouço muita música e sei bem para onde quero ir musicalmente. Não toco bateria, mas faço os beats todos e as partes todas das canções.

Faria tudo igual, mas sem a parte das drugs! É preciso querer muito mudar, e quis muito mudar

Quais foram os principais sentimentos que te assolaram quando estavas a compilar estes 21 temas do Best Of?
Há uma coisa quase automática, que é lembrar-me de onde é que estava quando escrevi cada uma daquelas canções. E de três anos em Londres e nove meses em Berlim, alguns destes temas foram escritos sob circunstâncias muito fora, que davam verdadeiras histórias ou capítulos de livros. Isso traz-me um sorriso à cara. Acabei por reviver estas duas décadas…

Em Portugal, não é muito comum os artistas falarem sobre a sua saúde mental, mas tu admitiste, em 2019, quando lançaste o teu quarto álbum – “I’m Not Crazy, I’m In Love” -, que esse disco surge após um longo período de depressão.
Tudo começou a precipitar-se quando comecei a gravar o disco em 2016 com o Quico [Serrano], depois comecei a trabalhar com o Rodolfo [Cardoso], andava completamente desgraçado, com abuso de álcool muito forte e comecei o tratamento em Fevereiro de 2017. E é curioso porque a primeira maquete que gravei, também com o Rodolfo, em 2002, foi 15 dias antes de o meu pai falecer, além de que o Rodolfo separou-se nesse ano, então essa gravação foi toda sob o efeito de várias coisas más. Não tem necessariamente de ser assim, mas, às vezes, acontecer uma coisa má faz-nos olhar para as coisas boas de outra maneira. Agarrei-me ao disco “I’m Not Crazy, I’m In Love” como a minha bóia de salvação. Tive o apoio da família e passado muito pouco tempo de ter assumido que estava mal, comecei o tratamento e, de facto, o tratamento ajuda. É uma espécie de tabu, porque o pessoal tem receio de se assumir, mas tive psicoterapia durante três anos e resolvi as cenas que tinha mal resolvidas na cabeça, que é algo importantíssimo para continuares a seguir em frente. Mas a verdade é que não há uma cura, há só muitos mais dias bons do que dias maus, neste momento, em oposição ao acontecia há uns tempos. Depois, há aquela assumpção de continuares a fazer aquilo que gostas e a seres o mesmo sem a ajuda de substâncias, esse é o maior desafio. É que, se há gajo que ao longo destes anos todos levou a sério o lema ‘sex, drugs and rock and roll’ fui eu! Agora que penso, faria tudo igual, mas sem a parte das drugs! É um desafio, mas é possível. É preciso querer muito mudar, e quis muito mudar, mesmo muito.

O que te levou a partilhar tudo isso?
Em primeiro lugar, saber que há muita gente na minha situação. Mas muita gente mesmo, inclusive, nestes últimos anos, vi alguém que esteve na minha banda a passar pelo mesmo… Mas somos casmurros, teimosos e achamos sempre que isto se resolve por si. É até algo embaraçoso assumir isto assim. Quando assumi, toda a gente à minha volta já sabia o que se estava a passar comigo, portanto, não tinha nada a esconder. Quando tens a situação resolvida junto da tua família, torna-se mais fácil expores-te. E sempre tive muitos miúdos a seguirem-me, também por causa da música que tinha na série Morangos Com Açúcar… E é preciso falar sobre isto. As doenças mentais agravaram-se com a pandemia. Como felizmente sou um caso de sucesso de recuperação, parte da mensagem foi essa, que é possível curar isto. Claro que não há uma aspirina que tomes e que faça desaparecer os demónios, mas há tratamento, demora tempo, mas é possível chegar lá. Além de que, mesmo para nós próprios, a partir do momento em que nos assumimos, parece que tiras um peso de cima. E houve muita gente que esteve comigo desde o início, e que atropelei na minha pior fase, para quem o facto de eu assumir foi quase como um pedido de desculpas público, foi assumir que algumas decisões minhas erradas foram tomadas nessa fase negra… E agora, como estou numa fase completamente oposta, achei que devia assumir, avisar, alertar. É preciso que haja mais gente a fazer isso, porque é um problema que, embora não se veja, é bem real. Há um meme que circula na net que é a melhor descrição: tem uma frase – “This is what depression looks like” – e as fotos do [Chris] Cornell, do Robin Williams, do Chester [Bennington], do Kurt [Cobain], todos a rirem… Diz tudo.

Continuando a olhar para trás, há algo de que te arrependas artisticamente?
Sim, claro, mas tem mais que ver com relações de banda e estrutura da banda e não propriamente a nível estético ou artístico. As principais influências que me levaram a ser músico estão cá desde o início. Mas a nível de decisões, de ir pela esquerda ou ir pela direita, de trabalhar com este ou com aquele, é claro que em 20 anos há muitas más decisões e a minha carreira está cheia delas. Isto dá para o lado bom e para o mau: é fixe ser eu a escrever as canções sozinho e decidir toda a parte musical por mim, mas depois também sou eu que tenho de decidir quanto se metem as questões mais importantes, as decisões sérias… sou eu quem se queima! Faz parte.

Lembro-me do sítio, ficou tudo bem gravado na minha memória pelos piores motivos e não quero repetir

E o melhor e o pior destes 20 anos?
O melhor foi um concerto na Queima das Fitas do Porto, em 2010, para 30 e tal mil pessoas, com os Franz Ferdinand. A banda estava a curtir, tinha na plateia toda a gente de que gostava, correu mesmo bem e foi um grande momento, ainda por cima no Porto, a jogar em casa. O pior foi um concerto em 2014, estava a divorciar-me e andava muito fora e tocamos com os Moonspell em Paços de Ferreira e, no final do concerto, a minha banda disse-me que se continuasse assim saíam todos… Ninguém quer chegar a esse ponto, isso é o pior que pode acontecer. Não fizemos soundcheck, passei o tempo todo com o roadie dos Moonspell a fazer coisas que não devia e quando chegou a hora do concerto estava… nem te digo. Foi o pior momento de sempre. Tanto que me lembro que foi a 7 de Agosto de 2014, lembro-me do sítio, ficou tudo bem gravado na minha memória pelos piores motivos e não quero repetir.

Olhando agora para a frente, como vai ser o próximo disco?
Vai ser em inglês, até porque estou a fazer outra coisa só em português, com outro nome, mas ainda não quero falar muito sobre isso, porque ainda só está minha na cabeça e no papel. Mas o próximo disco de Slimmy… a escrita de canções tem sido uma loucura, sou compulsivo, embora às vezes me faltem letras, mas consigo sempre fazer as músicas até ao fim. Comecei a escrever mais com a acústica do que com o piano e começou a crescer uma vontade de fazer qualquer coisa diferente do que tenho feito. E, ao contrário de todos os outros discos, em que escrevo e gravo todos os instrumentos, este está a ser mais democrático, já que a banda está a gravar tudo comigo, portanto, vai ser mais orgânico, mais banda.

A equipa mantém-se?
Mudei um bocado, porque não estou a trabalhar com produtor, talvez mais para a frente. Estou a trabalhar no novo disco com o pessoal da banda, [além dos já mencionados Pico Moreira na bateria e Miguel Oliveira na guitarra, há o José Carlos Nogueira no baixo e a Cláudia Billie nas vozes], mas está tudo numa fase meio embrionária, temos feitos algumas misturas das coisas que gravo em casa. Temos feito tudo à distância, com calma, mas já temos 11 temas escolhidos. É um disco rápido, vai ter tipo 30 minutos, é mais rock do que os últimos, porque tenho muitas guitarras em casa e ando a tocar muito, também tem muitos sintetizadores, não vai ter grandes baladas, mas ainda não tenho título, apesar de ter três ideias. Também não tenho data de lançamento prevista, mas provavelmente será editado pela Independent Records.

Para terminar, nunca foi fácil ser artista em Portugal e muito menos agora. O que é que ainda te motiva?
Em primeiro lugar, é não ter jeito para mais nada [risos], por isso tenho de me agarrar àquilo que sou bom ou que acho que sou bom. Depois, a música tem uma certa magia, tem muita imprevisibilidade, num momento podes estar na merda e no momento seguinte estar em grande, conhecer sítios, pessoas. Portanto, para mim é sempre acreditar nisso e ainda me continua a fascinar a cena de poder tocar as pessoas com uma canção, saber que há pessoas que se identificam com determinado tema ou com letras que escrevo e isso é uma droga potentíssima. Se perguntares ao Mick Jagger, ele vai responder o mesmo. Ou ao Quim Barreiros! Um gajo habitua-se ao público, às pessoas e depois não consegue viver sem isso. Descobri que uma das razões da minha depressão foi a perda de fulgor, de público, de concertos importantes e, tudo junto, levou a que andasse mais triste. E a música, para mim, foi mesmo uma terapia enorme, porque era tímido quando era puto, era um chavalo escanzelado, introvertido e a cena de Slimmy veio mesmo transformar-me como pessoa e isso, por si só, é uma razão fortíssima para continuar a fazer isto.