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ENTREVISTA Franz Ferdinand: Alex Kapranos, A Persistência de uma Alma Rock n’Roll

ENTREVISTA Franz Ferdinand: Alex Kapranos, A Persistência de uma Alma Rock n’Roll

Miguel Grazina Barros
Thiago Batista

Com concerto marcado no dia 29 de Outubro no Campo Pequeno, Alex Kapranos fala-nos do seu ódio por pedais de efeitos, a sua fonte de energia inesgotável e a dificuldade actual de embarcar em digressões.

A tour “Hits to the Head” dos Franz Ferdinand tem passagem marcada no Campo Pequeno, no dia 29 de Outubro de 2022. Os Franz Ferdinand iniciaram a sua carreira em 2003 com o lançamento do primeiro single, “Darts Of Pleasure”. Depois seguiu-se “Take Me Out”, que explodiu no mundo inteiro, colocando a banda firmemente no mapa global, tendo sido o precursor de álbum de estreia homónimo, que vendeu quase quatro milhões de cópias em todo o mundo. Alex Kapranos é a voz e a cara dos Franz Ferdinand, uma verdadeira força da natureza do Rock que após tantos anos a tocar os gigantes êxitos ainda o faz com a mesma frescura e entusiasmo de sempre. Promete um concerto de grande energia, onde irá apresentar o mais recente álbum “Hits To The Head” que compreende os maiores êxitos – além de “Curious” e “Billie Goodbye”.

O teu álbum mais recente “Hits to the Head” tem duas canções novas. Visto que a guitarra é uma parte tão importante na tua música, o que vem primeiro ao compor uma nova canção – os acordes e os riffs, ou a letra?
Varia de canção para canção. Essas duas faixas foram escritas de maneiras diferentes. A “Curious” começou com uma melodia que escrevi no piano com uma progressão de acordes descendente, o que acabou por se tornar na bridge da canção. Depois adicionei uma bateria no computador e uma linha de baixo. Isolei apenas uma parte da melodia do piano e retirei dois acordes da progressão. Depois adicionei guitarra e riffs.. Quando trabalho com o computador desta maneira acabo por gravar uns 30 “hooks” que gosto. Depois faço uma pausa para beber um chá, volto a ouvir o que gravei e talvez sobrem uns 3 ou 4 que realmente gosto. Apago os restantes e volto a gravar mais uns 30 “hooks”. Depois decido quais gosto mais e canto por cima deles. Esta canção foi escrita de maneira a descobrir a fonética da parte cantada, antes de ter a letra pensada. Enviei o que tinha ao Julian [Miaoux Miaoux] e ele também alterou algumas coisas. No entanto a “Billy Goodbye” foi escrita de uma maneira muito diferente, de uma forma mais tradicional – sentado com uma guitarra acústica e uma ideia em mente. Curiosamente essa canção começou com uma longa secção que acabou por ser descartada, mas o conteúdo lírico já muito definido, como é o caso da “The Dark Of The Matinée”. Muda muito de canção para canção e gosto de usar instrumentos diferentes, como o Ableton ou Ableton Push. Particularmente os “sons feios” de alguns plugins do Ableton, que são mesmo horríveis, especialmente quando tentam replicar instrumentos de sopro. O meu pensamento é que se conseguir escrever uma melodia que soe bem num destes instrumentos, é porque é realmente uma boa melodia.

Eu odeio pedais! Odeio-os mesmo, gosto de ter o mínimo possível de pedais em palco.

Que pedais são essenciais na tua Pedalboard para um som de guitarra clássico “Franz Ferdinand”?
Eu odeio pedais! Odeio-os mesmo, gosto de ter o mínimo possível de pedais em palco. Pessoalmente sinto que atrapalham, tanto fisicamente como criativamente. Ao longo dos anos vi centenas de bandas em Glasgow e reparei numa proporcionalidade inversa em relação à quantidade de pedais em frente do guitarrista, e a qualidade das melodias. Claro que não é sempre assim, consegues obter sons incríveis com pedais de guitarra, mas teve um impacto em mim que me fez pensar «Que se lixem os pedais, vou-me focar nas melodias.» Ainda assim gosto de um amplificador com dois canais – um canal limpo e um com distorção. Apesar de não precisar, gosto de ter um “treble boost” em palco, e um eco. O meu eco preferido é o Binson Echorec, mas nunca o traria numa tour. Tenho 2 rigs com 2 emulações diferentes desse pedal para usar ao vivo. Ultimamente, conseguia tocar um concerto com apenas um “Channel switcher”.

Ouvi dizer que compraste uma Fender Telecaster Deluxe em 2003 no Ebay, com dinheiro de uma renda, e a usaste durante muitos anos. Hoje em dia vejo-te em palco com um Custom Telecaster Thinline. Consegues elaborar sobre essa guitarra?
Exatamente, às vezes ainda toco com a minha Telly Deluxe principal, creio que é de 1973. Adoro o seu som – particularmente daqueles pickups “wide range”, são os meus pickups preferidos. Ainda assim, como algumas guitarras Fender que foram construídas a meio da década de 70, a madeira usada é bastante pesada, uma espécie de swamp ash. A minha Telly Deluxe pesa uma tonelada, o que não torna o som necessariamente melhor, apenas a torna  pesada. Portanto fiz uma guitarra que uso ao vivo, preta com uma pickuard “dourada”. Peguei num braço de uma Fender Coronado dos anos 60 – esses braços incríveis – usei uns pickups de uma Telecaster Deluxe que comprei numa loja de segunda mão em Nova Iorque em 2005, usei hardware completamente novo e o corpo mandei construir segundo as minhas especificações. É um corpo oco de uma Thinline, mas ainda mais leve que um corpo normal de Thinline por ser feito de swamp-ash. A secção do meio do corpo é sólida, pois é exatamente essa parte que faz a diferença no som, tal como numa Gibson ES-335 e uma ES-330. Soa como uma guitarra de corpo sólido, mas é super leve. Devido à configuração de pickups e à madeira usada, existem bastantes harmónicos agudos que ressoam na guitarra, o que gosto bastante e se tornou parte da minha sonoridade. 

Então é exatamente esse tipo de som que procuras quando tocas numa Telecaster? Que outra guitarra gostas de usar?
Gosto de Telecasters no geral, mas uma Telecaster normal tem um som bastante diferente – é um som muito mais “fino”. Os pickups “wide range” que uso têm um som muito mais encorpado, ao contrário dos pickups normais de Telecasters. Também uso Fender Stratocasters para gravar em estúdio, e quero que um som “perfure” particularmente. O meu som principal é a Telecaster Deluxe com os pickups “wide range”, pessoalmente acho que tem um som muito fixe. Também a uso em muitos discos que produzi, como no álbum dos The Cribs “Men’s Needs, Women’s Needs, Whatever” de 2007. O riff principal do single “Men’s Needs” é apenas essa guitarra. Também está presente no álbum que produzi das Los Bitchos “Let The Festivities Begin!”, é uma guitarra que soa muito bem em estúdio.

Quando escrevem uma música de Franz Ferdinand, juntam-se em estúdio como banda para compor ou trabalham separados e apenas se juntam para gravar?
Depende de certa forma, mas não somos de todo uma banda de “jams”. Odeio mesmo “jams”, é a actividade mais auto-indulgente e aborrecida que um músico se pode envolver. Às vezes trabalho completamente sozinho e às vezes trabalho com outras pessoas, e  usualmente faço os arranjos antes de entrar no estúdio. No entanto, quando estou em estúdio e as canções mudam, sinto-me muito sortudo por trabalhar com músicos incríveis que trazem sempre algo de bom aos arranjos. Na “Billie Goodbye”, por exemplo, o riff inicial veio do Dino, que o Julian processou posteriormente com um Korg MS-20, daí o som peculiar. Todos os músicos desempenham uma parte importante no nosso som, somos mesmo uma banda.

Odeio mesmo “jams”, é a actividade mais auto-indulgente e aborrecida que um músico se pode envolver.

Costumas levar esse Korg MS-20 nas digressões?
Não! Mas dito isto, os MS-20 são bastante estáveis. Talvez devêssemos, pensando bem.

Há umas versões recentes mais pequenas, o Korg MS-20 mini.
Acho que vou adquirir um desses, adoro o som do filtro dos MS-20. É um dos meus sintetizadores preferidos, e é basicamente o som dos Daft Punk.

Estás a trabalhar em novos projectos?
Sim, tenho estado a escrever canções e já gravámos algumas coisas. Vamos fazer um novo disco, assim que acabarmos a digressão.

Ainda queres apenas “fazer música para as raparigas dançarem”?
Essa expressão resumiu muito o que nós fomos, mas não deixa de ser uma expressão um pouco tola. No entanto, quando formámos a nossa banda estávamos rodeados de bandas maioritariamente masculinas, que faziam música para um público masculino. Os primeiro concerto que tocámos foi para um grupo de amigas artistas, todas femininas, que fizeram um evento chamado “Girl Art”. Nós fomos a única banda masculina a tocar perante essa audiência, portanto desde o início que me quis retirar desse ambiente predominantemente masculino. Além disso, queríamos fazer dance music, e a nossa atitude era muito diferente das outras bandas contemporâneas. Haviam bandas e álbuns que respeitava e admirava muito, como os Primal Scream no “Screamadelica”, ou os Happy Mondays. Mas mesmo assim, a maneira como faziam soar a dance music era com o uso de loops, samples e drum machines. Nós queríamos brincar mais com as dinâmicas que ouvíamos nas pistas de dança, os buildups e os breakdowns. Na minha cabeça era como tocar música House, mas se fôssemos os Beatles a tocar na Cavern Club.

 Após tantos anos a tocar hits como “Take Me Out”, o que mudou? A energia ainda é a mesma?
A energia ainda é gloriosa sempre que toco essa canção. Nunca fomos uma banda de rock de “meias medidas” a tocar ao vivo, sempre fomos uma banda de alta energia. Claro que há dinâmica nas músicas e nos concertos, portanto uma canção como “Walk Away” vai ser um momento mais gentil, uma canção como “This Fire” já vai ser diferente. Sinto que a gama dinâmica é muito importante no contexto de uma canção e no contexto de um concerto. Levamos a energia a níveis extremos, é parte de quem somos.

Seguindo o exemplo dos Animal Collective que foram obrigados a cancelar a digressão devido aos altos preços de transporte, desvalorização da moeda, inflação no geral e um sistema económico que não é sustentável, e sendo os Franz Ferdinand uma banda oriunda da Escócia, sentes que é mais difícil tocar concertos pela Europa após o Brexit?
Sem dúvida, o Brexit f**** tudo. Agora sempre que saímos para o espaço Schengen temos de declarar todo o equipamento. Temos que tratar de passaportes. A administração “Red Tape” (excessiva) aumentou provavelmente em 600%, e isso custa dinheiro – muito mais do que custava antigamente. Existem outros aspectos que afectam todas as bandas em digressões mundialmente, como a crise económica global, a guerra na Ucrânia, o aumento do custo do combustível, o facto de não fazeres dinheiro nenhum com a tua música gravada. No panorama pós-pandémico observa-se um alvoroço saturado de bandas em digressão. Existem muitas bandas a competir umas com as outras pelas mesma audiência, é uma altura muito difícil. Até para nós e todas as bandas que conheço que estão em digressão – ou estão a perder dinheiro, ou apenas a pagar os gastos. Ninguém está a ganhar com digressões. Provavelmente  vamos perder dinheiro nesta tour, mas que se f***. Adoro fazer digressões, adoro estar em palco e é o que me faz sentir vivo. Acho que não vai durar para sempre e sou um optimista. Posso perder dinheiro com esta digressão, mas que se lixe, não a vou cancelar após estes anos todos de cancelamentos, mesmo que signifique que não poderei ir de férias no próximo ano [risos].

Vais regressar a Lisboa dia 29 de Outubro para um  concerto no Coliseu dos Recreios. Que canção estás mais ansioso por tocar?
Depende do público, mas adoro tocar a “This Fire”, é sempre o clímax do concerto. É também uma resposta ao público. Lembro-que que o público em Lisboa tem sempre uma grande energia, e quero apreveitar para combinar isso com essa música. Gosto também de tocar as músicas antigas e se alguém gritar o nome de uma canção a meio do concerto, talvez mude a setlist. Acho que é a grande diferença entre nós e uma banda que toca com “backing-tracks” – nós nunca tocamos com “click” [metrónomo], o que nos dá uma liberdade e espontaneidade que não podes ter ao tocar com “backing tracks”. Por vezes não tens pessoas suficientes ao vivo para tocar todos os instrumentos, mas nesses casos o Julian dispara esses sons através do teclado. Usamos o Ableton Live, mas como um sampler – há certos sons que criamos no estúdio com sintetizares antigos, por exemplo um Elka Synthex ou um Jupiter 8, ou um ARP 2600. Nunca iria trazer esses instrumentos para um concerto porque são demasiado frágeis e não confiáveis. Já tentei fazer digressões em que levei equipamento vintage e simplesmente não se pode confiar. Prefiro gravar o som desses instrumentos e reproduzi-los via Ableton.