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Jeff Beck, As Memórias dos Maiores do Rock ‘n’ Roll

Jeff Beck, As Memórias dos Maiores do Rock ‘n’ Roll

Redacção

Um autêntico globetrotter, Jeff Beck, um dos maiores génios de todos os tempos na guitarra eléctrica, recorda as suas aventuras e desventuras com alguns dos maiores vultos da história da música popular. Viu siderado o início de Hendrix a solo, irritou Eric Clapton, passava a vida a ser confundido com Mick Jagger, e o seu saudoso amigo Cozy Powell foi o seu John Bonham…

Nascido no dia 24 de Junho de 1944, Jeff Beck é um dos guitarristas mais underrated de sempre e um dos últimos grandes heróis da guitarra que ainda estava vivo. Guitarrista de técnica absolutamente singular, tem deslumbrou o mundo desde ainda antes da explosão do hard rock, há mais de meio século.

Desde o R&B dos The Yardbirds, ao Jeff Beck Group com Ronnie Wood e Rod Stewart, até à obra-prima de jazz/rock instrumental “Blow By Blow”, e um infindável número de aparições como músico convidado (Mick Jagger, Roger Waters, Brian May, Paul Rodgers, Stevie Wonder, Tina Turner, Jon Bon Jovi) e até uma ou outra incursão em blockbusters de Hollywood, Jeff Beck estava constantemente a explorar e a fazer progredir a sua linguagem musical e a da guitarra eléctrica, mais especificamente da Stratocaster.

A Classic Rock compendiou uma compreensiva lista de afirmações do globetrotter sobre alguns dos nomes mais sonantes da música com os quais privou ou trabalhou, desde Jimi Hendrix e Jimmy Page, a Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan. É uma extraordinária viagem pela história da música.

Jimi Hendrix | Quando vi o Jimi, soubemos que ele ia ser um problema. E por “nós” refiro-me a mim e ao Eric [Clapton], porque o Jimmy [Page] não estava no quadro nessa altura. Vi-o numa das suas primeiras actuações na Grã-Bretanha, e foi bastante devastador. Ele fez todos os truques sujos – incendiar a sua guitarra, fazer malabarismo a torto e a direito pelo braço da guitarra, todo aquele talento que veio para colocar o último prego no nosso caixão. Tinha o mesmo temperamento de Hendrix para “matar” a concorrência, mas ele fê-lo num extraordinário nível e com belas canções.

Os repórteres descobriram o número do meu apartamento no dia em que ele morreu. Estava para lá de deprimido na altura, porque a minha namorada me tinha deixado. E ter de lidar com uma chamada a dizer «Jimi Hendrix está morto. Como te sentes em relação a isso?» No início, pensei que era uma piadola miserável, mas à medida que o dia se prolongava, apercebi-me de que era tragicamente verdade. Não quero dizer que o conhecia bem, acho que ninguém o conhecia bem, mas houve um período em Londres em que fui visitá-lo bastante vezes. Convidou-me para ir aos Olympic Studios e ofereci-lhe um bottleneck [o gargalo ou tubo que se usa no slide]. É com isso que ele toca em “Axis: Bold As Love”. Encontrámo-nos em Nova Iorque e tocámos no clube do Steve Paul, o The Scene.

Sly Stone | O Carmine [Appice] sabia que eu era um grande fã do Sly, por isso organizou a sessão. Fomos a São Francisco para gravar algumas coisas, mas ficámos presos num hotel durante 10 dias sem nunca o ver. Eventualmente, fomos para estúdio e o Sly viu a bateria de Carmine e disse-lhe: «Podes tirar metade disso, não precisamos disso tudo». Depois desapareceu num quarto dos fundos e nunca mais saiu. Acabou por me chamar através do seu sistema microfónico. Lembro-me de estar sentado no seu escritório de pernas cruzadas, com a sua mulher a rir, e tocámos durante cerca de duas horas. Tenho isso gravado em fita algures.

Cozy Powell | Estava a fazer uma audição para bateristas e cheguei atrasado. Quando finalmente cheguei, havia 15 kits de bateria montados e um kit de duplo bombo num brilhante vermelho. Perguntei à minha assistente: «De que canalha vistoso é aquele kit, ali?» E ela respondeu: «É do tipo que queres». Disse-lhe: «Deixa-me ouvi-lo primeiro e depois vemos se assim será». Tocámos juntos durante cerca de um minuto e podia ver-se todos os outros bateristas a arrumar os seus kits. Ele era feito para o papel, além de ser o papel. O Cozy tinha a imagem e tocava muito bem. A partir desse momento, construímos uma enorme amizade. O seu ídolo era John Bonham, e eu acho que ele era o meu John Bonham.

Keith Moon | Tenho muitas histórias sobre o Keith. Há aquela sobre quando ele me quis vender um carro. Começou no WC masculino no Speakeasy – tal como começam a maioria das suas histórias. Ele veio ter comigo e disse-me: «Tenho um conversível que te quero vender». Disse: «Eu não o quero». E ele: «Muito bem, passa lá em casa amanhã e eu dou-to». Por isso, peguei no carro e apareci lá. Ao mesmo tempo, ele chega neste Corniche [Rolls-Royce] branco, com uma bela rapariga de cabelo loiro e diz: «Ela é o meu presente de boas-vindas para ti». Nessa noite, instalou-me numa sala cuja mobília era uma jukebox e um colchão de solteiro no chão. Fui dormir, e a meio da noite o “Beck’s Bolero” [o primeiro sucesso comercial de Beck] começou a tocar repetidamente, sem parar. Por isso, desliguei a jukebox. A rapariga entrou e disse: «Porque desligaste isso? O Keith e eu estávamos realmente a curtir». Depois ela disse: «A propósito, não vou voltar para junto do Keith, é suposto ficar contigo». Foi um fim-de-semana muito agradável.

Frank Zappa | Adorava as suas irritações políticas. Pelo que pude perceber nas entrelinhas, ele provavelmente poderia ter sido o melhor presidente norte-americano de sempre. Ele era um profundo conhecedor dos assuntos mundiais e tinha um cinismo profundo. Eu e Ronnie Wood não tínhamos medo de nada quando estávamos juntos [no Jeff Beck Group] em ’69. Sabia onde o Frank vivia e conduzi até Laurel Canyon num Camarro alugado e meti-me a queimar pneu à porta da sua casa. É claro que ele ouviu, saiu e disse: «Podes parar com essa merda» e convidou-nos a entrar. Engraçou muito comigo e com o Ronnie.

Ronnie Wood | Demos um concerto na Flórida e caiu uma chuvada que mais parecia uma monção; houve muita condensação no ar. Ronnie sacou este fabuloso solo de baixo e ‘dei-lhe mais cinco’ quando 400 volts atravessam as nossas duas mãos e atirou connosco do palco. Ambos temos pequenas cicatrizes nas nossas mãos, devido aos raios. Estava com ele muitas vezes, mas depois, para meu espanto, o seu casamento correu mal e ele refugiou-se numa nova relação, por isso não o tenho visto muito recentemente. Mas ele induziu-me no Classic Rock Awards e isso foi muito divertido.

Jimmy Page | A minha irmã conhecia o Jimmy da Epsom Art School. Um dia aparece no meu quarto e diz: «Há um maluquinho na escola, que tem uma guitarra esquisita como a tua», e depois bateu com a porta. Corri atrás dela: «Onde está ele?» Ela disse: «Vou levar-te até ele porque gostaria de o ver tocar. Não acredito que saiba». Fomos até sua casa, ele abriu a porta e ofereceu-nos chá e bolo. A partir daí, visitámo-lo regularmente. A sua mãe tinha-lhe comprado um gravador de boa qualidade, por isso gravávamos lá. Não sei onde estão agora essas cassetes, mas há algumas coisas raras nelas. Quando ouvi pela primeira vez o que ele tinha feito com os Led Zeppelin, pensei: «Isto é um pouco mais do que inspirado pelo álbum ‘Truth’ [do próprio Beck]». Quando finalmente superei isso, percebi que precisava de mais do que tinha. Precisava de um frontman com apelo feminino. O Plant tinha isso em abundância – o peito descoberto, caracóis dourados e tudo isso. Nós [o Jeff Beck Group] tínhamos o Rod Stewart [risos].

Eric Clapton | Eu sei que ele não gostou do facto de eu o ter substituído nos Yardbirds e que nos termos saído bem. O sentimento da banda era que o de que pensavam estar acabados quando o Eric saiu. Na minha estreia com os Yardbirds no Marquee, mostrei-lhes como eram as coisas e tive direito a uma ovação de pé, pelo que essas conversas acabaram. Dois meses depois disso, as coisas descolaram nos Estados Unidos, o que irritou o Eric a valer. Acho que ele tinha o desejo ardente de lá ir – como todos nós. Era o nosso santo graal, ir à América para ver os músicos de blues. No espaço de uma semana estávamos em Chicago a ver o Howlin’ Wolf. Por isso, penso que o Eric estava um pouco invejoso a esse respeito. Mas depois surgiram os Cream e ele espantou meio mundo. Hoje em dia, ele é uma pessoa mudada. Parece muito mais calmo e feliz consigo. Acho que percebeu que não é preciso ser mau ou reservado, que podes dar-te de muitasmaneiras. E ele tem proporcionado imenso prazer com aquilo que toca e merece cada elogio que recebe.

Stevie Ray Vaughan | Conheci-o numa convenção da CBS, no Hawaii, em 1981. Ele tratava-se muito mal. Estava a comer KFC de uma caixa e depois comeu também a caixa. Fomos juntos para a estrada em ’89. Ele tinha uma linda namorada nova e era um tipo super honesto. Estivemos em digressão durante uns três meses. E depois a história trágica foi quando ele entrou naquele helicóptero no qual não queria ir. As pessoas à sua volta convenceram-no, dizendo: «Olha, o Eric [Clapton] acabou de entrar num». Então ele entrou e nunca mais regressou. Penso que o Stevie Ray era quem mais se aproximava de Hendrix no que respeita a tocar o blues.

Mick Jagger | Costumava estar sempre a ser confundido com ele em ’61. Costumava ter raparigas a gritar por e não sabia porque c*ralho estavam a gritar. Para junto alguém num carro e elas começavam: «Mick!» E eu ficava a pensar: «Quem será o cabrão do Mick?» Depois percebi que era um tipo dos Rolling Stones chamado Mick Jagger. Estava sempre a pensar: «Será que poderia tocar nesta banda?» Parecia encaixar no estilo, adorava o blues e tudo o resto. Mantive-me atento a eles. E eis que Mick me chama e quer que eu faça um álbum [“She’s The Boss”]. E essa foi a primeira vez que estive com ele. Achei o Mick encantador. Ele tratou-me muito bem. Adorava mulheres, naturalmente.