Rei Leonidas
Foi em 1946 que Clarence Leonidas Fender, em Fullerton, fundou uma empresa para celebrar a Califórnia, o surf, o rock e a guitarra eléctrica.
Já no final dos anos 30, foi fundada uma pequena empresa de reparação de aparelhos electrónicos, a Fender’s Radio Service. Leo Fender, um talentoso técnico, rapidamente percebeu que os circuitos comuns de válvulas, na época todos bastante simples e baseados em designs de domínio público da Western Electric, possuíam várias falhas.
No início da década seguinte, Leo começou a construir variações aos circuitos a válvulas existentes, passando a experimentar e a criar os seus próprios amplificadores.
Então, juntou-se a Clayton Orr Kauffman e os dois criaram a K & F Manufacturing Corp, produzindo e vendendo os seus próprios instrumentos e amplificadores – começaram por desenvolver uma linha de guitarras havaianas. Kauffman pretendia manter o negócio de reparações, mas Leo pretendia estabelecer-se apenas com construtor. No final de 45, apertaram as mãos e cada um foi para seu lado, então Leo fundou a Fender Electric Instrument Company.
O design de cada elemento deve ser bem ponderado, para ser fácil de construir e simples reparar – Leo Fender
Já a Telecaster fundou a reputação da Fender, mas também da guitarra eléctrica – tornando-se no primeiro modelo rentável numa óptica de mercado e a ter uma produção consistente até aos dias de hoje. Durante estas décadas foi-se tornando parte da própria história da música, essencialmente do rock: surgem em inúmeros álbuns lendários, tocadas pelas mãos de colossos do panteão da guitarra eléctrica.
Apesar do desenvolvimento do modelo ter sido iniciado cerca de 1949, um protótipo mais definido só surgiu no ano seguinte, era a Esquire, modelo de apenas um pickup. Estima-se que terão sido construídos e comercializados à volta de 50 modelos, mas tiveram demasiados problemas devido a algo que parece óbvio hoje em dia: os braços não tinham truss rod e assim depressa torciam.
Leo Fender descontinuou as guitarras e desenvolveu um protótipo mais aproximado daquele que conhecemos actualmente: a Broadcaster, guitarra que passou a incorporar um truss rod no braço e também a ser desenhada com um par de pickups. Então, a Gretsch, que possuía uma gama de baterias designada Broadkaster, reclamou com a designação da guitarra e a Fender, por estar menos estabelecida no mercado, nessa época, decidiu mudar o nome do modelo. A Telecaster foi baptizada em 1951. A Broadcaster teve edição de 70º aniversário, com direito a réplica Custom Shop, em 2020.
Era um novo som, a música estava prestes a mudar. Através da junção do boogie woogie com um protagonismo maior da guitarra eléctrica, que nesse corpo de rhythm and blues originário tomava agora o lugar do piano, num processo gradual, no corpo harmónico e rítmico; o baixo passava a ganhar mais acutilância e velocidade no som e a tarola mais corpo na condução da percussão.
Estava-se nos finais dos anos 40, no início dos anos 50, em plena ressaca da Grande Depressão da Banca Americana, da II Grande Guerra… Havia uma aura de extravagância, de fúria de vida após a proximidade da miséria e da contingência revelada ao ser humano. A energia era mais directa, mais furiosa. Era rock ‘n’ roll! E a Telecaster oferecia mais volume, mais estridência, mais electricidade!
Dum modo prático, a grande vantagem da Telecaster foi a visão de Leo Fender que, em vez de construir as guitarras uma a uma, como era usual no trabalho de luthier, produziu em massa os vários componentes que constituíam a guitarra, seguindo-se uma linha de montagem dos mesmos. Este factor permitia, naturalmente, soluções mais rápidas no caso de dano na guitarra, sendo facilmente substituído o componente em causa, mesmo que o dano fosse no braço, pois não era colado, usando antes o método bolt-on. A guitarra em solid-body permitia também uma facilidade natural em trabalhar a electrónica, pois as outras propostas de guitarra eléctrica eram guitarras de caixa e qualquer trabalho de manutenção era executado através do buraco de ressonância.
Em 1952 a Gibson, a Gretsch ou a Rickenbacker iniciariam também a produção de modelos solid-body. Estes conceitos foram aproveitados por Leo Fender como base para o irmão da Telecaster, o Precision Bass, e com um conceito mais definido retomou as Esquire como um modelo mais económico – o nome foi “aproveitado” e actualizado para Squier, cumprindo a mesma função em relação ao selo Fender.
EM 1954 SURGIU A STRATOCASTER, CUJA HISTÓRIA RESUMIMOS AQUI.
Leo vendeu a Fender à CBS em 1965 e fundou a G&L, com designs muitos aproximados aos seus esquemas originais, não sem antes ter tido um papel preponderante na fundação da Music Man e do seu primeiro instrumento, o baixo StingRay. Fast forward até 2017, quando foi apresentada a nova encarnação das guitarras Fender, os modelos American Professional, que fomos conhecer à NAMM, a convite da marca (no player em cima tocamos com uma das novas Teles). Mais recentemente chegaram ainda mais inovações, com os modelos Ultra e Ultra Luxe e também a Acoustasonic. Bons herdeiros do legado do seu fundador.
A Fender tem sido uma presença constante na AS. Uma referência para uma série de artigos, sejam guitarras lendárias como as Strats de Hendrix, Gilmour ou Clapton, a Tele com que Dylan enfureceu o Newport Folk Festival ou o modelo misterioso de Bruce Sprigsteen. Os poderosos baixos Precision e Jazz. O Fender Rhodes. Ou amplificadores titânicos como os ’59 Bassman. Além das duas visitas que já fizemos às fábricas na Baixa Califórnia, incluindo a Custom Shop, em Corona (captada em vídeo em 1959, como podem ver no player em baixo).
Obrigado por tudo, “Leo”