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Quatro & Meia: A Arte De Não Complicar

Quatro & Meia: A Arte De Não Complicar

Nuno Sarafa
Arlindo Camacho

Conciliam a música com profissões exigentes. Consideram-se amadores, porque amam a música e as profissões que exercem. Enchem Coliseus e têm disco novo. São os Quatro & Meia. Simples, mas não simplistas.

Nasceram fruto do acaso, em 2013, num sarau no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, com o nome a ser inventado à pressão, a meros cinco minutos do início do espectáculo. Quatro anos depois, editaram um primeiro disco – “Pontos nos Is” – que virou clássico instantâneo, entrando de imediato para o top nacional de vendas. Depois, esgotaram os Coliseus, encheram a Casa da Música e entraram num rodopio de concertos de Norte a Sul… e nas bocas de meio mundo.

Tudo isto, sem uma grande máquina a empurrá-los para a frente. Tudo isto, nos intervalos, folgas e férias das suas exigentes actividades profissionais. São três médicos, um engenheiro, um informático e um professor de música. São de Coimbra. Adoram tocar juntos. Chamam-se Quatro & Meia e têm um disco novo, “O Tempo Vai Esperar”.

O LP tem participações de Carlão e Pedro Tatanka (Black Mamba) e produção de João Só, foi gravado entre o Estudiozeco e o Estúdio de Vale de Lobos, tinha data de lançamento para o passado mês de Abril, mas a pandemia fez com que tivesse sido guardado na gaveta por longos seis meses. Agora, é do Mundo. E eles querem mostrá-lo!

Eles, os Quatro e Meia, são Tiago Nogueira (voz e guitarra, cirurgião torácico), Ricardo Liz Almeida (voz e guitarra, pediatra), Mário Ferreira (teclas, acordeão e vozes, informático), João Cristovão Rodrigues (violino e bandolim, professor de música), Pedro Figueiredo (percussão, médico) e Rui Marques “Meia” (baixo e contrabaixo, engenheiro civil).

UMA BANDA SEM FÉRIAS

Os Quatro & Meia são músicos profissionais ou médicos e engenheiros amadores?
Tiago Nogueira: Somos médicos, engenheiros e professores amadores e somos músicos amadores, pois amamos as duas coisas. Viemos parar à música de uma forma um pouco casual, mas já fazíamos música há muitos anos, isto não vem de agora. Por questões de carreira, optámos por tirar os nossos cursos e fazer disso a nossa vida, mas ainda bem que surgiu a oportunidade de fazer música mais a sério, ainda que de forma casual, pois tentámos agarrá-la com o máximo de carinho e apesar de nem todos termos uma formação clássica de música, contamos com a preciosa ajuda do João Cristóvão, que é o nosso violinista e professor de música.

Ricardo Liz Almeida: Na verdade, ele não nos ensina nada, não partilha nada connosco [risos]. Verdade!

Tiago: Tenho a ideia de que há muita gente nas artes que acabou por cair nas coisas um pouco por acaso e o amor à camisola faz com que se transcenda e tente dar tudo o que tem para compensar as falhas na formação com mais amor e mais empenho. Tem sido nessa base que temos trabalhado.

Não se arriscam a ter de abandonar um concerto a meio para ir a correr para o banco de urgências do hospital?
Tiago: [Risos] Estamos sempre a trocar turnos para que isso não aconteça. Fazemos todos muito trabalho de prevenção, de urgência física, já para evitar problemas desse género. Mas tentámos marcar férias para os dias em que estamos a tocar, o que não quer dizer que, por uma questão de ética e código deontológico, se houver algum problema na assistência ou no palco, durante o concerto, não tenhamos de ir assistir. Nós, no fundo, nunca estamos de férias. Quando fomos tocar a Macau tive de me levantar a meio do voo para ir assistir uma senhora. Nunca estamos realmente de férias.

Mas isso significa que quando estão em concerto estão mais atentos ao público do que aos vossos instrumentos?
Ricardo: Não! Somos homens, não conseguimos mesmo fazer duas coisas ao mesmo tempo!

Tiago:Se calhar até devíamos, por uma questão de compromisso profissional, mas temos muita dificuldade em fazer duas coisas em simultâneo. Já cantar e tocar ao mesmo tempo não é fácil… Mas a verdade é que tentamos esquecer o outro lado das nossas vidas quando estamos a tocar, seja em palco ou em estúdio. Já chega quando estamos a exercer medicina, em que temos de estar 100% focados. Quando estamos na música, estamos na música, focados e a tirar o maior partido. Mas já aconteceu, mais do que uma vez, haver uma maleita menor entre os elementos da banda e os que nunca querem saber são os médicos. Eu já vi o Mário, que é informático, receitar ben-u-ron ao Rui, que estava com dores de cabeça.

Mário Ferreira: Tudo parte do princípio do Brufen de oito em oito em horas, que pode ser intercalado com Paracetamol em caso de dor de cabeça ou febre [risos].

Quando não se sabe compor de forma complexa, não há tendência para complicar

Li um artigo na revista Visão em que o Miguel Araújo ‘batia’ nos Quatro & Meia, dizendo para ninguém vos ouvir ou ver, pois corria o risco de nunca mais vos esquecer. As vossas canções são mesmo boas ou têm amigos bem colocados?
Tiago: [Gargalhada] Temos amigos muito bons e famílias muito grandes, sim. Agora a sério, claro que ler coisas como esse artigo do Miguel Araújo, que é de uma simpatia incrível, e vindo de quem vem, tem um significado muito especial.

Chegaram a pagar-lhe um jantar, pelo menos?
Tiago: Não, na verdade, nunca lhe conseguiremos pagar… vamos ficar a dever-lhe jantares para o resto da vida. Ou então o Ricardo pode seguir os filhos dele nas consultas de pediatria e fica a dívida paga. Mas a sério, ficámos mesmo muito orgulhosos com as palavras dele, o Miguel é uma referência. E não só para nós, mas para meio Portugal, já para não dizer Portugal inteiro. Obviamente que é daquelas coisas que nos encheu o espírito saber que alguém como o Miguel perde um bocado do seu tempo para falar sobre nós e ainda por cima de forma tão elogiosa. Mas não temos ilusão nenhuma de que, obviamente, deve haver alguma coisa em nós que faz com que as pessoas gostem. É verdade que temos famílias grandes e é verdade que os nossos amigos compraram muitos discos, sem sombra de dúvida, até nós comprámos alguns, aliás, temos várias caixas em casa, não sei o que fazer àqueles cd’s todos [risos]. Mas também tem que ver com facto de não termos uma grande formação musical e termos aprendido, sobretudo, com a experiência de tocar com outros músicos e isto, provavelmente, aproxima-nos mais dos ouvintes do que quem estudou música. Às vezes, essa simplicidade pode ser o desbloqueador para que a música chegue mais facilmente ao público, porque a maioria das pessoas que ouve música não estudou música e muitas vezes o que precisa é de uma mensagem simples e clara e de uma música que melodicamente remeta para algo que já esteja no seu inventário musical, que já conheça de algum lado e acho que isso tem sido, de certa forma, um bocado a nossa forma de trabalhar e também a chave para chegarmos ao público com maior facilidade.

Simples, mas não não simplista.
Tiago: Precisamente. Quando não se sabe compor de forma complexa, não há tendência para complicar. Quando se sabe muito de música, é sempre mais complicado fazer coisas simples, há sempre uma certa tendência para se complicar. A nossa forma de complicar não está na construção, nas letras ou na melodia, mas antes na intensidade que estamos a dar à música. Todos nós queremos colocar a nossa marca nas músicas e às vezes basta apenas tirar um bocadinho para tornar a canção mais leve e mais audível.

É nessa fase que entra o dedo de alguém como o João Só…
Tiago: Sem dúvida. Foi óptimo trabalhar com o João, ele foi o produtor deste novo disco e foi exactamente essa a grande função dele. Limar arestas, mandar-nos às malvas, chamar-nos nomes se for preciso. Nós somos uma democracia em que prevalece a lei do mais forte.

Então foi o João Só quem teve o papel do grande ditador?
Tiago: Não, não, nem sequer do Querido Líder. Ele não quis ter esse papel, ele quis ajudar-nos, dar-nos alguma condução, retirar coisas que não acrescentavam nada aos temas, ou acrescentar quando fazia falta, mas sempre sem forçar. Foi um diplomata que nos mostrou caminhos, abriu portas para a experiência. E na maior parte das vezes convenceu-nos. Julgo que isso se reflecte bem na diferença que existe entre o primeiro disco e este, cresceu muito em termos instrumentais e é mais simples em termos de construção. O primeiro disco era mais maçudo e mais arcaico.

A opção por ter o Carlão no tema “Bom Rapaz” é uma sugestão do produtor?
Tiago: Não. Por acaso, fomos nós. Quando escrevemos esse tema, já há algum tempo, sempre achámos que era à medida da voz do Carlão, idealizámos isso desde o início. E ele não tem nada que ver com o nosso universo musical enquanto banda. Mas é daquelas coisas… Quando estávamos em estúdio, comentámos isso com o João Só. Ele agarrou no telemóvel, mandou uma mensagem ao Carlão e ao fim de duas semanas já tínhamos uma primeira maqueta gravada pelo Carlão em casa. No dia em que ele foi gravar, tivemos uma conversa engraçada com ele, dissemos-lhe que íamos tirar o acordeão, refazer um pouco a música mais à imagem dele e o Carlão disse: ‘Nada disso, fica fixe, isso é que faz a diferença, esse é o vosso som, a vossa identidade, é a vossa cena. Eu só vim aqui pôr a voz. Senão, daqui a pouco é a música do Carlão e não dos Quatro & Meia’. E nós, obviamente, respeitamos e mantivemos. Não destruímos para começar de novo e isso foi importante. E no final a música acabou por ser um single. A postura dele foi surpreendente em bom. Disse-nos que só gravou porque gosta, senão não tinha gravado. Ficamos muito satisfeitos.

E a participação do Pedro Tatanka, como surgiu?
Tiago: Essa canção [“Se Eu Pudesse Voltar”] já existia no disco anterior, a versão para este álbum é a uma reedição do tema, mas com voz do Tatanka. Já tínhamos tido a oportunidade de tocar com ele em concerto e na altura gostámos da experiência, ele tem um registo muito próprio e é um gajo impecável e disse-nos logo que sim, foi só marcar a data e ele apareceu.

Se a banda acabasse agora, já estava satisfeito. Há oito anos, eu era só um gajo a começar uma especialidade médica

Com malta de áreas como a medicina ou a engenharia, conseguem ter tempo para ensaiar?
Tiago: Os horários são sempre um bocado indecentes, sempre fora de horas. E há aqueles dias em tocamos uma música e dizemos: ‘Bora mas é beber um copo, isto hoje está a correr mal’. É que há dias em que a malta está tão cansada dos dias de trabalho que depois fica difícil ensaiar. Mas há dias em que o ensaio serve exactamente para descarregar a tensão do dia e em que tudo funciona. É um alívio fazer música apesar de todo o desgaste. E por vezes arrastamos os ensaios pela noite dentro e no dia seguinte é um problema.

Imagino que esqueçam tudo o resto quando estão a tocar…
Tiago: Mas existe algum músico para quem estar em palco não seja o escape da sua vida? Eu acho que não. Mas para muitos é só mais um dia no escritório… Sim, verdade. Há uma grande diferença entre ser-se um profissional em exclusivo na música e em não o ser. Para quem é profissional, suponho que por vezes se torne uma obrigação em vez de um gosto, porque é a tua profissão e há dias em que provavelmente não te apetece. Para nós, felizmente, a música surge como um fim de semana, um final de dia, nunca é uma obrigação, é sempre o melhor momento do dia, o melhor momento da semana, o melhor momento do mês, em que estamos focados a fazer uma coisa que sempre adorámos fazer e que tivemos a possibilidade de fazer para muita gente, coisa que muitos músicos profissionais nunca chegaram a conseguir fazer, por muito talento que tenham e há muitos que têm muito mais do que nós e trabalham muito mais do que nós e que fazem músicas óptimas. Faltou-lhes aquele click, aquele momento certo em que vem alguém e lhes dá a mão… Nós tivemos essa sorte.

Quando começaram, imaginavam esta legião de fãs?
Tiago: Se a banda acabasse agora, já estava satisfeito. Há oito anos, eu era só um gajo a começar uma especialidade médica. Se algum dia me dissessem que eu iria deixar discos para os meus netos ouvirem, ou tocar no Coliseu dos Recreios esgotado ao lado de cinco amigos, em nome próprio, com as nossas músicas, com o público todo a cantar as músicas todas… Se algum dia me dissessem isso há oito anos, eu diria ‘vai-te f**** que está tudo maluco’. Isto é inacreditável. O nosso sonho era só um: tocar ao Theatro Circo, que é uma sala lindíssima! Já estava bom. Felizmente, conseguimos mais. Quando o nosso manager nos falou pela primeira vez sobre ir tocar nos Coliseus, nós achámos que era brincadeira…

A pandemia alterou os vossos planos de lançamento e promoção. Como estão a lidar com isto tudo?
Tiago: Como podemos. Este disco ia sair em Abril e passou para agora. Tínhamos muitos concertos… mas foram todos adiados. Íamos ao SuperBock Arena (Porto), que passou para 30 Abril de 2021. Não podemos garantir que vá acontecer Lisboa, mas estamos a trabalhar nisso. Talvez até ao final deste ano. Apesar de que o queremos mesmo, com este disco, é ir a cidades onde ainda não fomos, capitais de distrito e cidades longe dos grandes centros onde sabemos que existem pessoas que gostam da nossa música e que nos querem ver e ainda não tiveram a oportunidade. Portanto, o mais provável é que façamos a apresentação do disco em teatros e cidades mais pequenos.

Somos um bocado como aqueles gajos que vão agora para o ginásio mas já têm a roupa e os acessórios todos

Vocês são ‘gear geeks’ ou tocam com o que vos aparece?
Tiago: Quando começámos, não ligávamos nada a isso. Agora, mudou. Ultimamente, os nossos investimentos têm sido em guitarras eléctricas. Ainda usamos pouco, mas somos um bocado como aqueles gajos que vão agora para o ginásio, mas já têm a roupa e os acessórios todos. Mas a utilização da guitarra eléctrica nas músicas foi tipo a nossa caixa de pandora. O Ricardo comprou agora a Helix [Line 6].

Ricardo: Em vez de estar a comprar os pedais todos, falaram-me na altura desse Line 6, que o guitarrista do John Mayer também usava e achei que só podia ser bom. Não sou um virtuoso, não ligo muito, mas de facto aquilo abriu-me uma porta incrível. Estou a adorar experimentar e conhecer cenas novas, novos sons, é muito fixe.

Tiago: O João Só é que é um geek, tem um arsenal de equipamento que nunca mais acaba e depois vende-me tudo o que já não quer (risos). Sou muito influenciável. Se gostar do som, compro, não me interessa a marca, mas o João Só vai-nos dando umas dicas.

Ricardo: Estávamos a gravar o “Bom Rapaz” e eu estava a tocar com a minha Fender Telecaster. E ele diz-me: ‘Experimenta aqui esta Stratocaster. É mais aguda, fura mais, soa melhor neste tema’. Usei-a e de facto ficava melhor, mas não ma quis vender, é uma Custom Shop edição limitada. Mas fui logo a correr comprar uma Stratocaster, claro! Mas agora estamos a trabalhar numa linha de guitarras para nós. Há um luthier muito bom, de Coimbra, o Cândido Jacob, já fez guitarras para os Dead Combo, para o Frankie Chavez, entre outros. Está a construir uma para o nosso violinista e vamos fazer uma linha da banda, vai ser fixe. Sentimos que começámos a ganhar gosto em melhorar a sonoridade e estamos a tentar esconder o nosso handicap a tocar, comprando instrumentos melhores.

Efeitos e pedais também é coisa que usam pouco, certo?
Ricardo: Sim, pedais usamos muito poucos. A nossa matriz é muito acústica. Eu gosto muito do Matchless e o meu Helix tem um emulador, então acabei por optar por usar mais esse, mas de pedais acrescento só um drive, um tremolo, um delay, um reverb e o afinador. Tenho um wah-wah mas é só para brincar, tenho vergonha de tocar nele [risos], não se enquadra muito no nosso som. Gostamos de coisas simples.

LISTA DE EQUIPAMENTO

Ricardo: Fender Telecaster e Stratocaster (HSS) / Line 6 Helix LT / Gibson Songwriter Progressive / Afinador TC Electronic Polytune 3 ou Boss TU-3 / Tiago: Martin 00-15M e Art & Luthierie / Afinadores TC Electronic Polytune 3 / João: Violino > Microfone DPA / Bandolim / Afinador TC Electronic Polytune 3 / DI/Pre-amp Fishman Platinum Stage / Guitarra Sigma 000M-15S+ / Afinador TC Electronic Polytune 3 / Todas as guitarras acústicas têm sistemas de amplificação da LR Baggs / Rui: Baixo Höfner Violin Bass e Contrabaixo / Afinadores Boss TU-3 / Mário: Piano Clavia Nord Stage 3 / Acordeão Hohner Tango II M Pedro: Set híbrido percussão/bateria: cajon dupla face Pearl fibra de vidro / cajon em suporte horizontal Pearl / Bongos, Shekere com suporte Hihat E Chimes LP / Tarola Custom Stave Grooveitup / Pratos: Zildjian Avedis 8’, 12’, 18’ / Grooveitup Crixus Hihat e Crash 17’ / Istanbul ion 16’ e Xist 15’ / Escovas Vater Cajon VCS / Pads Roland Mesh V-drum / Hardware Yamaha, Gibraltar.

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