Deep Purple, Finitos ou Infinitos?
2017-07-04, MEO Arena, LisboaToda a gente sabe tocar o riff de Smoke on the Water, os Deep Purple sabem tocar mais um par deles.
Lisboa viu a última data da primeira leg europeia (depois dos EUA seguem-se Reino Unido e Escandinávia) da Long Goodbye Tour. Não é a primeira vez que os Deep Purple terminam ciclos de digressão em Lisboa e, para todos os efeitos, seria bom que não fosse a última (e, na verdade, Ian Gillan deixou isso em aberto recentemente).
Mesmo contando a idade da banda e mesmo contando situações infelizes como o AIT sofrido por Ian Paice em 2016, os Deep Purple apenas se ressentem (em concerto) em alguma capacidade de fúria, que ostentaram durante tantos anos e que agora deu lugar a ainda maior sofisticação na execução ao vivo. Um traço que, de resto, tem vindo a ser vincado desde 2002 e a estreia do “Mark VIII”. O único pecado do concerto terá sido a ausência de “Highway Star” da setlist, que acabou preenchida por vários temas do recente “Infinite”, algo tão grave como se, por exemplo, os AC/DC optassem por não tocar “Highway To Hell”. Até porque, continuando a fazer uso de expressões rodoviárias, a alta velocidade do concerto dos Deep Purple foi duma intensidade capaz de fazer uma viagem de duas horas parecer um passeio de 20 minutos. Agora que começámos pelo fim, voltemos ao início…
Falemos de dinossauros em concerto e há sempre o receio de que a insistência da banda em vincar a sua validade criativa acabe por estragar o concerto, com temas insípidos ou os quais ninguém, simplesmente, deseja ouvir. Mas “Infinite”, ao contrário de alguns dos seus antecessores, é realmente um álbum “bem esgalhado” pelos Deep Purple e o novo single “Time For Bedlam”, abriu o concerto com um paradoxo divertido: os músicos podem ter idade para isso, mas estão bem distantes de estarem prontos para serem internados no infame hospício londrino, na verdade, a partir desse tema conseguiram uma sequência digna dos melhores anos de digressão daquela que é a banda “ao vivo” por excelência na história do rock n’ roll.
Os Deep Purple homenageram Jon Lord e Amália Rodrigues!
Sem “deixar cair” os fiapos sonoros do primeiro tema, provocaram uma tremenda explosão na MEO Arena com “Fireball”, um dos maiores clássicos da banda, parte, aliás, do segundo álbum gravado pelo icónico “Mark II”, evocado também em “Bloodsucker” e “Strange Kind Of Woman”. Mais groove, menos velocidade (talvez por isso a ausência de “Speed King”?), mas sempre malhões! Insistentemente hostilizado, o recinto (com o palco a meio) respeitou a tradição da banda e em “Strange Kind Of Woman” já um sonzaço revestia a Arena – com enorme poder de bombo e baixo, teclados demolidores e tremenda definição das guitarras de Steve Morse. O maior arcabouço sónico deu charme ao regresso a “Infinite”, com “Johnny’s Band” e “The Surprising”, temas intermediados pelo substancial “Uncommon Man”, tributo a essa lenda de nome Jon Lord, que nos abandonou em Julho de 2012.
“Lazy” continuou a levar-nos ao tempo de lendas e à história singular de uma banda que é difícil não amar, mesmo que o regresso a “Infinite”, com “Birds Of Prey”, e a “Now What?!”, com “Hell To Pay”, começassem a provocar a paciência perante a evidência da escassez de clássicos. Mas a plateia manteve uma estóica boa educação e acabou premiada no solo de teclado de Don Airey. Com o emparelhamento de um Hammond A100 e um MOOG Voyager, começou por evocar a sua melodia mais icónica, a introdução de “Mr. Crowley”, e passando por vibrante pianada (com um Kurzweil PC3K8), ofereceu-nos uma rendição de “Cheira a Lisboa”, encerrada, entre uma ovação ensurdecedora, pela melodia principal de “Coimbra”. Os Deep Purple vivem, Jon Lord vive, Amália vive!
A apoteose aqui atingida manteve-se com “Perfect Strangers”. Impressionante riff de Blackmore – nas palavras de Steve Morse, «os acordes com uma confiança plena, quase arrogante, tocados de forma simples e deixados a soar, e depois aquela parte sincopada pesada». Peso mantido com “Space Truckin’” e apoteose elevada aos píncaros com “Smoke On The Water”.
O que ninguém queria acreditar era que o encore apenas traria “Hush” e “Black Night”. Mas afinal somos todos finitos, mesmo os que parecem infinitos…
SETLIST
- Time for Bedlam
Fireball
Bloodsucker
Strange Kind of Woman
Johnny’s Band
Uncommon Man
The Surprising
Lazy
Birds of Prey
Hell to Pay
Perfect Strangers
Space Truckin’
Smoke on the Water - Hush
Black Night