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Depeche Mode na MEO Arena, Do Sofrimento à Catarse

Depeche Mode na MEO Arena, Do Sofrimento à Catarse

2024-03-19, MEO Arena, Lisboa
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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Ainda a enfrentarem o luto pela morte inesperada do teclista Andy Fletcher, os Depeche Mode regressaram a Portugal para prestar homenagem ao seu eterno parceiro com a apresentação do seu mais recente álbum, “Memento Mori”. Com um jogo de luzes e de projeções deslumbrante, um Martin L. Gore inspirado e profundamente emotivo nos momentos a solo e um Dave Gahan sempre gingão e com a sua voz barítono intocável, ficou demonstrado que enquanto houver palcos para pisar os Depeche Mode vão continuar.

Quando a 26 de Maio de 2022 surgiu a notícia de que Andy Fletcher tinha falecido inesperadamente devido a um problema cardiovascular, foram muitos os que questionaram o futuro dos Depeche Mode. Afinal de contas, Fletcher era o eterno teclista da banda e, juntamente com Martin Gore e Vince Clarke, um dos fundadores. O seu papel enquanto compositor e membro activo sempre foi alvo de escrutínio, porém, é inegável que Fletcher era o terceiro vértice de um triângulo composto por dois grandes egos: Gore e Gahan. Descrito como o elemento de desempate, Fletcher sempre foi visto como o membro que dava coesão e estabilidade à banda em momentos de maior tensão. Por outro lado, o músico nunca escondeu o seu interesse pela indústria/negócio da música e ao longo dos anos ajudou a banda com questões burocráticas relacionadas com negócios e contractos e como publicista no anúncio de álbuns e tours.

Se por ventura alguém se tivesse esquecido do nome do álbum que os Depeche Mode estariam prestes a apresentar no concerto, um grande M, a preencher grande parte da tela de fundo, rapidamente dissipou esses equívocos. “Memento Mori”, editado em Março de 2023, foi possivelmente o álbum mais difícil da carreira da banda. Apesar de terem começado o processo de composição e de captação de demos ainda com Andy Fletcher, tudo se limitou a um esboço. Aliás, uma boa parte das malhas de “Memento Mori”, quatro para ser mais preciso, foram compostas numa colaboração entre Martin Gore e Richard Butler, o vocalista dos Psychedelic Furs, durante a pandemia, e retratam a morte, algo que se revelaria de certa forma profético com a partida de Fletcher.

Na MEO Arena, e em toda a tour de “Memento Mori”, Peter Gordeno, músico de tour dos Depeche Mode desde 1998, foi o responsável por preencher o vazio sonoro deixado por Fletcher.

A noite começou com o regresso da voz ríspida e poderosa de Suzie Stapleton, que relembrou que esteve em Portugal, há uns anos atrás, para tocar num pequeno bar, mais precisamente em 2016, onde a conhecemos numa viagem de comboio a convite do Westway Lab. Vão ouvir com mais atenção, vai valer a pena.

 

A abertura do concerto que todos esperavam deu-se ao som do instrumental “Speak To Me”, uma peça que parece ter saído diretamente da banda sonora de um filme de ficção cientifica. Já com todos os membros nos seus postos foi com a novidade “My Cosmo Is Mine” que a actuação arrancou. O começo foi com um ritmo algo morno, mas, à segunda música, “Wagging Tongue” já ninguém conseguia ficar pregado à cadeira pois a vontade de dançar falava mais alto.

O começo foi com um ritmo algo morno, mas, há segunda música, “Wagging Tongue” já ninguém conseguia ficar pregado à cadeira pois a vontade dançar falava mais alto.

“Walking In My Shoes” foi o primeiro hino da noite, e abriu as portas para um espectáculo que daí até ao fim foi praticamente composto exclusivamente de clássicos. Seguiram-se “It’s No Good” e “Policy of Truth”, com as vozes do público a elevarem-se e a ecoarem pela arena. Dave Gahan mais aperaltado do que é habitual, já esvoaçava pelo palco com os seus famosos rodopios e mãozinhas a puxar o cabelo para atrás. Charme e jogo de ancas é coisa que não podemos acusar Gahan de não ter e que na verdade sempre foi a sua imagem de marca. A certa altura este lança um «Está aí alguém?». A resposta foi efusiva, mas seria, à parte de uns quantos obrigados, uma das poucas intervenções da noite. Aspecto deveras decepcionante, pois ao tratar-se de um concerto em nome próprio gostaríamos que tivesse existido uma maior interação verbal entre banda e público. Histórias de quando vieram a Portugal gravar o vídeo de “Enjoy The Silence” ou de momentos passados com Andy Fletcher teriam certamente enriquecido o espetáculo. Não havia tempo para conversas, com tantos clássicos para tocar.

“In Your Room” surgiu na sua Zephyr Mix, mas acabaria por ficar completamente abafada por “Everything Counts”, faixa que viu Gahan a percorrer pela primeira vez a pequena passadeira situada na frente do palco. “Precious” e “Before We Drown” anteciparam um dos momentos mais emotivos da noite, a passagem de testemunho de GahanGore. Já sem a sua Gretsch Double Anniversary “Green Knight”, Gore aproximou-se do público para interpretar “Strangelove” e “Somebody”. «A voz bonita e angélica de Martin Gore», sublinhou Gahan quando regressou a palco.

“Ghosts Again”, o primeiro single de “Memento Mori”, foi recebida como um clássico desta nova era dos Depeche Mode. Seguiram-se “I Feel You” e “A Pain That I’m Used To”, esta última com Peter Gordeno a largar por instantes a teclas para dedilhar um baixo. “Behind the Wheel” foi o momento de homenagem a Fletcher. Apesar da intenção, a mera referência ao falecido elemento dos Depeche Mode já no final da música com a projeção da sua fotografia pareceu algo escassa e em jeito de cumprimento do alinhamento extremamente bem rodado.

“Black Celebration” descreveu na perfeição a experiência que se sente num concerto dos Depeche Mode. Por sua vez, “Stripped”, foi apenas a ponte utilizada para chegar a uma das maiores malhas da banda, “Enjoy The Silence”. O seu riff de guitarra extremamente pegajoso, o refrão, «All I ever wanted/All I ever needed/ Is here in my arms/ Words are very unnecessary/They can only do harm» a elevar um coro de milhares, os fills de bateria de Christian Eigner e os rodopios característicos de Gahan aproximaram o concerto do seu climax.

Feitas as primeiras despedidas, a banda ausentou-se de palco. Assobios e luzinhas de telemóveis, foi assim que Dave Gahan e Martin Gore foram recebidos antes de interpretarem uma versão despida de “Waiting for the Night”. Seguiu-se a melodia futebolística de “Just Can’t Get Enough” que colocou todos aos saltos, e “Never Let Me Down Again”, que antecipou o hino “Personal Jesus”. Estava assim encerrada uma noite que levou muitos dos presentes até aos seus anos de adolescência. Em excelente forma, os Depeche Mode ainda têm muito para dar.

SETLIST

  • My Cosmos Is Mine
    Wagging Tongue
    Walking in My Shoes
    It’s No Good
    Policy of Truth
    In Your Room (Zephyr Mix)
    Everything Counts
    Precious
    Before We Drown
    Strangelove (Acústico; Cantada por Martin L. Gore)
    Somebody
    Ghosts Again
    I Feel You
    A Pain That I’m Used To (Jacques Lu Cont Remix)
    Behind the Wheel (Dedicada a Andy Fletcher)
    Black Celebration
    Stripped
    Enjoy the Silence
    Waiting for the Night
    Just Can’t Get Enough
    Never Let Me Down Again
    Personal Jesus