John Garcia, A Voz do Deserto
2014-11-25, RCA Club, LisboaConcerto carregado de um groove que transpôs as paredes do RCA e colocou quem lá esteve sentado num Mustang, a percorrer a Route 66.
Há mais de duas décadas que a voz de John Garcia verbaliza o som do deserto californiano. Groove, fuzz, amps torcidos e o escárnio sleazy vocal. Os paradigmas de Kyuss (mais destes) ou Vista Chino são mantidos no trabalho a solo de Garcia e também na setlist, que vai sendo preenchidoacom a clássica banda pré Queens Of The Stone Age e outras referências, como “Rolling Stoned”. O original dos Black Mastiff é bem capaz de ter sido o malhão da noite e aquele que estabeleceu o vibe do concerto. «If you leave me / I will kill you», letra capaz de, por si só, fazer crescer pêlos na peitaça.
Há um groove que não se aprende, nem se consegue imitar
Os temas do homónimo álbum de estreia de Garcia serão mais quadrados, mas não menos balanceados ou preenchidos por um groove que não se aprende e muito menos se consegue copiar. Temas como “Flower” ou “My Mind” apresentam uma expressividade mais roqueira. Exceptuando a nova “5000 Miles”, perdem para mamutes lisérgicos como “El Rodeo” ou “Green Machine”, mas fazem sobressair naturalmente uma colossal secção rítmica, com uma tremenda e incomum precisão e força rítmica nas acentuações de pratos do baterista e um som de baixo gigantesco. Em contraponto, um guitarrista algo duro nunca comprometeu, mas nunca foi capaz de “libertar” mais o flow dos temas.
O concerto, colocando em confronto directo o álbum a solo com os clássicos de Kyuss, afirmou Garcia como compositor por direito próprio.
O disco esteve anos em desenvolvimento, o carisma de Garcia é inigualável. Resumindo, um concertão que não provaria nada sobre a capacidade musical do vocalista, mas que, colocando o seu álbum a solo em confronto com o cânone de Kyuss, destacou a agora descoberta capacidade do músico enquanto compositor. Um feito notável, se pensarmos no dono da sombra que pairava sobre si, nesse aspecto.
Foto gentilmente cedida por Cláudia Andrade e Arte-Factos.net