Milhões de Festa (1º Dia)
2013-07-25, BarcelosDia 25 (Recepção ao campista)
Muita juventude pelas ruas e pelos bares, um movimento invulgar na cidade de Barcelos e a zona de campismo a transbordar denotam que a edição de 2013 do Milhões de Festa cumpre com o crescimento que o festival tem registado desde o primeiro ano. Ouve-se dizer que o parque de campismo já estava praticamente lotado ao início da tarde, questões logísticas que começam a dar dores de cabeça a organização, e que, mais cedo ou mais tarde, vão se tornar um problema sério caso não se tomem as devidas previdências. Ainda é cedo para relativizar quantidades, mas pelo que já é possível ver neste dia de recepção do campista, a fauna é muita e muito variada.
A zona do palco Taina, onde os concertos começaram pelo final da tarde, está ao barrote no momento da nossa chegada, era meia noite e tal. Em conversa com algumas pessoas, fui posto a par do que se havia passado durante o início da noite. Tamar Aphek ofereceu a sua voz e o som da sua guitarra acústica para a abertura dos concertos e o alinhamento do cartaz cumpriu-se sem situações inesperadas: Phase, Canzana, Cangarra, Killing Frost, Spacin’ e Holocausto Canibal. Só nos foi possível chegar já os Claiana estavam em palco a espalhar um afro-soul-com-solos-rockeiros sobre a massa de corpos que se agitavam no recinto. Em Claiana canta o Gui, assim “fininho”, num falsete virilizado, sob a influência, segundo a própria banda, de Michael Jackson, Bruce Lee e o estilo Zouk. Os Sabre entram de seguida em palco para continuar a festa que se vive para os lados de Barcelos. O duo lisboeta distribui tropicalidade em plataforma electrónica e a malta dança, pelos vistos, o deep house continua a bater. Para que não se arrefeçam os corpos, entram logo de seguida os DJ’s responsáveis por animar o resto da noite: Dj’s Lynce, Pedro Beça, Dj Quesadilha e Tofu, dos quais, após uma longa viagem de carro, só tive estofo para ouvir as primeiras batidas. Cama com ele, que amanhã o dia é longo.
Dia 26
O Milhões de Festa é maroto no que toca à tarefa árdua de decidir que concertos ver, pelo menos durante a tarde, onde estão a acontecer concertos intercalados mas quase simultaneamente em palcos diferentes. Como o sol brilhava decidimos espreitar como estaria a piscina do MdF este ano. Não chegarei ao extremo de dizer que se trata de “uma piscina que tem um festival agregado” mas a verdade é que este é um grande plus neste festival; é que poder estar a curtir boa música, num ambiente de festa, à beira de uma piscina, com cerveja, caipirinhas e outros refrescos disponíveis não é mesmo para todos. Lá foi possível montar o estaminé num dos poucos espaços vazios que ainda havia, não restando dúvidas de que a piscina continua a ser o espaço de eleição durante a tarde. Ao contrário do que estava à espera, talvez pelas ocasionais encobertas que se debatiam no céu, a piscina estava perfeitamente nadável.
Ponto alto da tarde foram os Adorno, que quase também são os Papaya, e Dam Mantle. Os Adorno são portugueses e tocam um screamo/post-hardcore honesto; Ricardo Martins na bateria, que tocou com Cangarra no primeiro dia, ataca o set com destreza e alguma complexidade digna de um post-qualquer-coisa, a ele juntam-se três guitarras, Diogo Oliveira, João Pinheiro e Óscar Silva (nome por trás de Jibóia, que toca no último dia do festival), e um baixo por Bráulio Amado, que assume também uma presença vocal ao estilo de um Ian MacKaye dos Fugazi. O palco, que fica de frente para a piscina, estava com um pit bem composto e animado. Para dar lugar a Papaya, saiem apenas dois membros de Adorno, e o som viaja para algo mais tropical e dançável, diria que há ali qualquer coisa de uns Devo mais punk e com mais distorção. Dam Mantle entra de seguida com a sua electrónica para um final de tarde mais chill. A zona da piscina começa a ficar mais vazia, o tempo esfria e Dam Mantle vai tocar também no segundo dia no palco Vice, por isso, opta-se por ir tomar banho, jantar e preparar o espírito para a noite que se auspicia ser prometedora.
A noite está amena à hora de Mikal Cronin subir ao palco Vice. O artista norte-americano, que se fez acompanhar de uma banda de guedelhudos a agitarem-se nos seus instrumentos, trouxe consigo um garage rock feito ao melhor estilo; era um dos nomes em destaque no cartaz e foi ao encontro das expectativas dos que ali estavam. Depois disso, precedendo um dos grandes concertos da noite, foi a vez de Jacco Gardner, que lançou “Cabinet of Curiosities” recentemente, subir a palco para mostrar o seu auto-denominado pop barroco.
O palco Vice, de seguida, encheu para que a todos os pares de ouvidos e olhos daquele recinto chegasse algo inédito e, no que foi um dos concertos com “C” grande da noite, se presenciasse à intersecção dos Black Bombaim com os La La La Ressonance. Ambas as bandas barcelenses têm dado muitas cartas no panorama da música nacional e este concerto foi uma experiência e pêras. Rebentou com grande pujança para que toda a gente nas redondezas tivesse a certeza que aquilo já estava a começar. Depois, a viagem instrumental foi se fazendo música a música sempre com duas baterias em palco e duas guitarras: uma Fender Jaguar de um lado e uma Les Paul do outro, a alimentar os sobejamente conhecidos Orange. Em palco ora estavam os baixos das duas bandas a cimentar aquela parede sonora, ora estava o baixo de La La La Ressonance e umas percussões assumidas pelo baixista de Black Bombaim. Um saxofone irrompia pela psicadélia como um grito fértil na massa de sons brutos, a devolver um tom de jazz pós-apocalíptico, a bater de razia nas muitas cabeças que se abanavam em frente ao palco. Um dos concertos da noite, sem dúvida.
Austra, apesar de ser uma das bandas com destaque no cartaz, não tiveram muita adesão. Os canadianos, com a sua electrónica a cheirar a Depeche Mode com voz feminina, agradaram às pessoas que estavam claramente ali para os ver; o resto andava só à curiosidade. Surpresa da noite foram os Camera, uma troika alemã a fazer uma canoa com três pauzinhos. Quando muitas vezes a bateria se esconde lá atrás, aqui, diria que era a peça central. Pelo menos foi onde a atenção se centrava mais, dada a energia de Michael a tocar. Bateria (mais bem dito: timbalão, tarola e prato crash), guitarra e sintetizador a navegar alto nas camadas post-rock (termo preguiçoso, bem sabemos) com explorações krautrock. Deram um concerto denso, marcado pelo ritmo crescente de bateria que, mesmo sem bombo, preenchia na perfeição as construções da guitarra e do synth.
Mal os Camera acabam começa a ouvir-se uns sons espaciais vindos do palco Milhões. Não há cá tempo para descanso, a viagem continua num dos outros grandes concertos da noite: Ufomammut. Há então uma introdução cósmica de sons para que os espíritos se elevem ao patamar a que os italianos Ufomammut nos querem levar. Mais um trio em palco numa composição: bateria, baixo Rickenbacker e guitarra SG. Os amplificadores Green, envergados também pelos gigantes do stoner, os Sleep, dão aquele som denso, tão característico e próprio neste tipo de bandas. Os Ufomammut tocaram para um recinto praticamente cheio, onde a sua massa sonora impregnada de psicadelismo fez arejar cabelos pelo headbanging e convidou os presentes para uma viagem cósmica pelos recantos da psique humana. O som é ácido, psiconáutico e denso. Tão denso que isso por vezes se fazia sentir no PA, o som ficava demasiado saturado, perdendo-se a definição e abafando um pouco a bateria. De resto, foi um concerto limpo, parco em palavras mas rico na presença em palco e nos gestos de agradecimento. A banda ficou feliz, e nós também.
Já era tarde, mas ainda (ou)vi a esquizofrenia electrónica de Otto Von Schirach. Breakcore para a cérebro e para libertar energias em danças frenéticas. Otto, em palco é uma espécie de “zorro” dos ácidos, fala espanhol e diz coisas estranhas como “chupa-me la cabra”. Deu um concerto que envolveu muitos gritos com efeitos estranhos, refrões em espanhol, saltos e largos goles de uma garrafa de vinho tinto. Muitas vezes, sendo difícil acompanhar os bmp’s que saiam do PA, o público ajeitava-se a dançar sem ritmo concreto. Esquizofrenia electrónica.
O Dj set de White Haus ficou para os mais rijos que não gastaram todas as energias no concerto de Otto Von Schirach. Amanhã há mais.
FOTO: Hugo Agualusa © Milhões de Festa