A banda sonora de “Loin Des Hommes” é mais uma evidência de que, para lá de Grinderman ou Bad Seeds, o mojo de Cave e Ellis mantém-se como um dos maiores tesouros da música actual.
Desde que Nick Cave escreveu a história brutal de “The Proposition”, que o próprio Cave e a sua alma gémea, Warren Ellis, passaram a desenvolver uma outra forma de música. Algo tão específico como bandas sonoras cinematográficas. Depois dessa primeira e de outra memorável, “The Assassination Of Jesse James By The Coward Robert Redford”, bem como de outras mais pro forma, como a de “The Road”, a dupla tem conseguido o mérito de não descaracterizar a sua marca sonora, nem destruir o ambiente dos filmes que a mesma tem sido chamada a servir.
“Loin Des Hommes” recupera muito do que mais distingue os músicos, neste tipo de contexto, uma estética exótica e crua, a forma como os sons estranhos de violino de Ellis, por mais processados que possam surgir, soam sempre primitivos e tão melancólicos e doces quanto inóspitos e rudes. Talvez seja essa aparente aridez que, juntamente com o trabalho deste tipo mais experimental da dupla, torna cativante o som do álbum.
O backdrop de uma história passada numa Argélia (inspirada num conto de Albert Camus), mesmo no seu interior rural, mergulhada numa escalada de tensão e violência potencia o recurso de motivos arabescos. Mas Cave e Ellis não se deixam armadilhar por esses motivos musicais que podem ser tão melodicamente viciantes. Mais que submergir, de forma indulgente, nessa geografia musical, a dupla consegue apenas sugeri-la com mestria composicional, mantendo densidade e pertinência.
«Muitas vezes pode surgir uma tensão entre a música e imagens que deve muito ao acaso e ao desconhecimento, o que pode ser verdadeiramente espantoso. Ao juntar duas coisas que foram criadas de forma isolada, música e filme, de repente pode acontecer algo mágico», afirmou Nick Cave sobre estas composições. A banda sonora é largamente inspirada numa colecção de loops de violino, gravados por Ellis, que Cave comenta: «Foi uma óptima forma de compor, pois não tivemos que fazer as coisas do nada. O Warren disparava um loop que, instantaneamente, criava uma atmosfera sobre a qual podíamos trabalhar. Sentar a um piano, colocar acordes num loop linear e extrair algo daí é uma forma fácil e agradável de trabalhar».
De resto, Cave e Ellis dão, em “Loin Des Hommes”, mais uma lição de como peso e tensão musical podem ser elevados a uma dimensão que vive para lá de afinações graves ou distorção eléctrica. Desde a abertura, acompanhada por voz, passando pelo drone sonoro que conduz atmosfericamente o disco e a dimensão da sintetização, aos esparsos pianos de Cave, a música construída pela dupla é tão opressiva quanto libertadora.
Com uma dinâmica interligada e a valer como um todo, até pela curta duração dos temas, peças como “Setting Out”, “Mountain Scramble” ou a versão alternativa de “Far From Men”, que encerra o disco, são a evidência de que, para lá de Grinderman ou Bad Seeds, o mojo de Cave e Ellis mantém-se como um dos maiores tesouros da música actual.