SBSR’19: Janelle Monáe e Migos, Realeza Contemporânea
2019-07-20, Super Bock Super Rock 2019O último dia no Meco foi protagonizado por concertos eruptivos no palco principal, com a pop híbrida de Janelle e o hip-hop de Migos.
O terceiro dia do Super Bock Super Rock 2019 sentiu-se bem composto. Depois de um segundo dia leve em termos de presença humana, principalmente se compararmos ao primeiro, com Lana Del Rey (Review Aqui), o terceiro voltou a aumentar o número de festivaleiros. O maior fluxo populacional foi facilmente verificado mesmo antes da hora de jantar. Seriam os Migos, o “maior” nome deste ano (em termos de popularidade), a razão da enchente?
JANELLE MONÁE
Mas antes do hip-hop, Janelle Monáe foi a estrela pop do dia. Antes de entrar em palco e com as luzes apagadas, ouvimos uma introdução épica através de “Also Spach Zarathustra” de Richard Strauss, preparando-nos para um espectáculo ecléctico que misturaria as sonoridades pop, com R&B e hip-hop.
A verdadeira entrada aconteceu com “Crazy, Classic, Life”, faixa retirada do seu mais recente álbum “Dirty Computer” e a performance vocal, bem mais orgânica, sem os efeitos da tecnologia, espelhava-se com distinção entre a bateria, guitarra, baixo e sintetizadores. A faixa essencialmente pop, com aragem fresca e descontraída, também serviu para apresentar as 4 bailarinas que acompanharam as aventuras vocais de Janelle durante a performance. O registo vocal não sai muito fora do género predefinido, mas navega entre estilos. Em “Django Jane”, assumiu a face do hip-hop largando rimas rápidas enquanto se sentava no torno colocado na parte mais superior do palco. Atitude autoritária, movimentos mais assertivos e uma mensagem feminista que se ouviu bem mais potente ao registo no disco.
E se já vimos estas duas facetas distintas, será que é possível misturá-las? Janelle diz que sim em “Q.U.E.E.N.”. Com a guitarra de Kellindo Parker a marcar o ritmo inicial da faixa com um riff firme, a faixa pop/soul que defende as minorias sociais proporcionou a base para uma excelente performance vocal, que incluiu gritos extra para que a mensagem seja bem percebida. Ainda dentro do mesmo instrumental, alterado pela sintetização e com percussão mais seca, terminou-se com mais rimas directamente retiradas do universo hip-hop. Sempre sem perder o fôlego ou parar de dançar. Sem descansar, mostrou o seu nível de stamina ao entrar directamente em “Electric Lady”, que colocou a plateia frontal a cantar. Aqui, estrearam-se os trompetes, que ao vivo ganharam o protagonismo na mistura e estimularam o trabalho musical com um novo instrumental em palco.
“PrimeTime”, ecoou um momento mais sossegado, em forma de balada e com os telemóveis a balançar entre as cabeças. No entanto, o solo de guitarra, no final, pareceu alto demais e desenquadrado com a faixa, até por não ser nada por aí além em termos criativos. Neste formato, a “Cold War” foi superior, com vozes bem mais desafiantes ao vivo, apesar de ser mais rápida.
As mensagens socais e politicas estiveram sempre presentes, mas a frase «temos que tirar o Donald Trump da presidência!» foi a mais aclamada. Até porque foi pronunciada fora das músicas. A atitude descontraída de Janelle também faz parte do seu sucesso e tudo indica que gostou do festival, porque mais tarde foi avistada no recinto a dançar ao som de Migos.
MIGOS
O dia de hip-hop já começa a ser tradição no SBSR. Comunhão que começou a ganhar forma com a sequência de Kendrick Lamar, Future, Travis Scott e agora Migos. O formato do trio americano não fugiu ao expectável: rápida sucessão entre faixas, auto-tune nas vozes e faixas de acompanhamento. Este último ponto é o maior problema de Migos, por vezes as vozes de estúdio são reproduzidas com o volume tão alto que quase não ouvimos a voz ao vivo. Cria-se uma mistura confusa entre a voz originalmente gravada para os álbuns a verdadeira voz – idealmente, gostaríamos de ouvir somente a voz ao vivo. Muitas luzes, fogo e fumo a velocidades velozes, para uma festa criada também a ritmos rápidos.
Por norma, os refrões eram abafados nas frequências graves para que o público se fizesse ouvir e nas linhas da frente, os pulmões estavam a funcionar a todo o gaz. “T-Shirt”, “Bad and Boujee” e “Walk It Talk It” criaram as maiores explosões de energia, com cabeças a saltar de um lado para o outro na linha da frente, e até alguns mosh pits, embora desorganizados e sem o timing correto. Quavo, afirmou-se o mais comunicativo, Offset o mais conspícuo, concentrado na sua performance (que normalmente é a mais técnica) e Takeoff o mais sossegado e pacato. Dos seus trabalhos a solo, “Ric Flair Drip” e “Clout”, ambos de Offset, foram uma boa inclusão na setlist, a primeira com produção de Metro Boomin, que testou os graves do sistema de som ao limite, através dos longos e destrutivos 808s.
Cumpriram os seus papeis apresentados pela internet mas, não exibiram nada exclusivo para um concerto ao vivo, nem alterações significativas nas faixas para reacções inesperadas. Aliás, o mais inesperado foi mesmo a saída – sem nenhum sinal de “adeus”, caminharam normalmente para fora do palco enquanto o instrumental de “Pure Water” terminava. DJ Durel, o homem por trás do controlo das máquinas ficará no palco, para disparar mais duas música e sair posteriormente…
Alguns acharam desapropriado e injusto para o público enquanto outros justificavam: «são rockstars».
Enquanto Janelle se divertia ao pé da régie, também a onda de juventude saltava e gritava com a presença de um grande nome internacional do hip-hop em território português. Em modo de conclusão, as dúvidas sobre o hip-hop no Super Bock Super Rock (ou em Portugal) parecem estar limpas – o género já coloca plateias inteiras a mexer no festival desde 2016.