O álbum de estreia de Sinistro. Ainda sem a voz de Patrícia Andrade. Negro e luminoso. Opressivo e catártico.
Ouvir a entrada simples e ambiental deste registo começa a fazer despontar uma sensação de imediato reconhecimento ao trabalho sonoro, ao tratamento e solidez do som de guitarras, que, depois, a entrada arrasadora da secção rítmica surge a plenificar. Trabalhos com esta dimensão sonora são algo que qualquer adepto deste género musical desejou, durante muitos anos, ver feito no nosso país.
O único pecado será o som demasiado “digitalizado” de alguns leads de guitarra. De resto, esse sonzão torna-se um factor de maior admiração quando pensamos na inócua pasmaceira de produção em que este mundo moderno da fusão do post, com o doom e o sludge se foi tornando, com peças instrumentais sem a mínima preocupação dinâmica. E se é certo que esta estreia dos Sinistro poderia ter uma compressão menor, com mais espaço, isso é compensado pelas boas estruturas musicais.
O papel da sintetização nunca é de condução melódica. É usada como fiapos de luz que, pontualmente, aliviam o sentido opressivo do álbum.
Num trabalho sem evocações verbais, não deixa de ser significativa a coragem de titular os temas em português. Quem não ouvir o disco poderá considerar que títulos como “Ruas Desertas”, “O Acidente e a Euforia”, “O Dia Depois do Meu Funeral”, “Viagem Atribulada”, “Hóspede Inesperado”, “Fendas”, “A Saudade” ou “A Ira” não sejam mais que um tipo de pretensiosismo cultural, mas a forma como os títulos sugerem ao ouvinte a tradução musical das canções é algo sublime.
Negro e luminoso. Opressivo e catártico. Nada é exuberante individualmente. Nem sequer os apontamentos dos convidados Tó Pica (o solo furioso em “A Ira” talvez seja a exepção na ausência de exuberância) e Gabriel Coutinho. O trunfo do disco são as partes a soar como um todo (mesmo na interligação dos elementos analógicos com os electrónicos). De resto, esse esvaziamento de identidades é explícito no abdicar de nomes próprios. Aqui, os Sinistro são F, P e Y. Numa sociedade sem pudor na exposição cibernética da pessoalidade, o anonimato torna-se a forma mais autêntica de ser pessoa.