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Super Bock em Stock’18: Capitão Marr & Outros Destaques

Super Bock em Stock’18: Capitão Marr & Outros Destaques

2018-11-23, Super Bock em Stock
António Maurício
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Conan Osiris, Masego, Capitão Fausto, Public Access TV e Johnny Marr marcaram o primeiro dia do festival Super Bock em Stock.

Anteriormente intitulado Vodafone Mexefest, o último festival mainstream de 2018 a acontecer em Lisboa regressou ao seu nome original e o conceito permanece o mesmo: música distribuída por mais de 10 salas. As caminhadas apressadas pela Avenida da Liberdade são inevitáveis, queremos ver um pouco de tudo e para isso dividimos o nosso tempo entre os vários palcos disponíveis. Entre o Coliseu dos Recreios, o majestoso Teatro Tivoli ou o acolhedor Capitólio, o Super Bock em Stock aposta em quantidade. Eis os concertos que vimos com maior atenção.

PUBLIC ACCESS TV | No cinema São Jorge (Sala Manuel de Oliveira), directamente de Nova Iorque, com “pinta” e simplicidade, os Public Access TV mostraram um indie rock que anda em rotação por festivais e concertos há já mais de uma década. “Evil Disco” foi a primeira canção apresentada, construída com riffs que roubam a atenção dos restantes instrumentos e com uma letra pueril que nos faz viajar até à rebeldia e inquietude da adolescência. A instrumentalização não é exuberante, no entanto, neste caso, menos é mais. Ou seja, a sonoridade sai bem, está composto e segue aquele conceito de “não dar notas a mais”.

Na terceira música, “Your God and Mine”, retirada do recente álbum “Street Safari”, evocaram um espírito progressivo e criaram um ambiente instrumental introdutório à volta dos dois minutos, antes de entrarem num dos melhores refrães da setlist«She sees the good in people / I swear I’m good, bad, evil». O rock foi tornando-se cada vez mais roll e em “Wait it Out” fomos atingidos por mais uma melodia de guitarra cativante e uma bateria assertiva, com um final que prometia punkalhada acelerada, mas terminou antes de o ser. O ponto mais baixo verificou-se em “Shell No. 2”, fruto de um trabalho vocal mais desleixado, mas os pontos positivos claramente se sobrepõem a uma momento de menor perfeição. Na recta final, presentearam o público com uma faixa inédita, nunca antes tocada ao vivo e actualmente indisponível em formato físico ou em streaming.

CONAN OSIRIS | O teatro Tivoli BBVA encheu a plateia inferior e superior com a performance do português Conan Osiris. O excêntrico fadista experimental executou uma entrada misteriosa, com um acapella de luzes apagadas em que mencionava o desejo de «ter uma Playstation». Não sabemos se o desejo já foi concretizado, mas após a popularidade adquirida no panorama português, conseguiu obter uma enorme ovação mesmo antes do “verdadeiro” início do concerto.

A música de Conan à flor da pele revela-se pouco séria e baseada em piadas, mas no fundo todas têm um pingo de verdade. Em “100 Paciência” canta uma hipotética conversa entre um paciente e um doutor – sempre com uma voz de fado, em que a emoção vocal é altamente dramática e amplificada. Em contraste, a instrumentalização é contemporânea: os bombos, tarolas e pratos são facilmente associados a sonoridades hip-hop, mais especificamente, dentro do sub-género do trap, enquanto que a melodia nos remete para genéricos arabescos. A interacção com o público é sempre privilegiada entre cada música, com piadas, perguntas e desabafos. Antes da performance de uma faixa não-editada, mas não-exclusiva (já foi apresentada ao vivo em outros concertos, como no Vodafone Paredes de Coura, por exemplo) ofereceu uma pequena lição sobre o refrão, para que ninguém ficasse indiferente à participação colectiva. O resultado foi visivelmente bem sucedido e a nova faixa foi dominada por sons sintetizados e um ritmo de bateria veloz fortemente acompanhados pela plateia.

As influências musicais também passam por afro-house, sons asiáticos e electrónica dançável e conjugam-se entre todo o concerto, evitando a repetição e o aborrecimento daí consequente. Além do dançarino que o acompanha em todos os espectáculos e transmite de forma visual as palavras proferidas, o palco contou também com a presença de um flautista que criou um ambiente tenso e delicado já em onda de despedida. Mas o público queria mais. Além de músico, Conan é um excelente entertainer, com o dom de conseguir cativar um Tivoli inteiro.

MASEGO | A sua entrada foi sublinhada por surpresa. Normalmente, os artistas gostam de guardar o seu maior sucesso para o final do espectáculo – um táctica que permite salvaguardar o público que só quer ouvir “aquela malha”. Mas o músico de 25 anos tirou “Tadow” da cartola logo na entrada. A deliciosa melodia de saxofone, tocada pelo próprio, foi notavelmente acompanhada pelas teclas, bateria, baixo e vozes femininas de suporte, que continuaram em desempenho excepcional durante todas as outras canções. Masego quis provar que não é homem de um só hit, mostrando-se versátil e até confortável o suficiente para tocar bateria e teclado durante uns minutos. Existiram ainda momentos a solo para cada um dos instrumentos e até um duelo vocal entre as vozes de acompanhamento. Em “Queen Tings” ou “Old Age”, Masego explora o seu carácter de sedutor romântico, entre instrumentais que complementam e correm em perfeita sincronia com o flow utilizado, na primeira mais lento e na segunda mais vertiginoso.

A felicidade em tocar ao vivo e a química entre todo grupo não passou despercebida. É algo genuíno e fácil de detectar, que, consequentemente, motiva e desenvolve um ambiente festivo com o público – facilitando corpos soltos ao som da música. Além de que existem várias adaptações, breaks e repetições para que o público possa cantar em simultâneo. Foi a primeira vez que a combinação de R&B, jazz e soul de Masego passou por Portugal, mas avaliando o convidativo ambiente interior e a enorme fila que se avistava no exterior do Capitólio, não deverá ser a última…

JOHNNY MARR | É sempre bom viajar até aos sons de Manchester. E fazê-lo, especialmente, na companhia de Johnny Marr, é aquela viagem que recordamos durante muito tempo. O Coliseu, segundo a app do festival estava a 80% da sua capacidade. Poderemos dizer que Marr era, quiçá, um dos nomes mais deslocados do cartaz, mas a matriz do festival é essa: a diversidade. No entanto, os fãs dos The Smiths atenderam à chamada, sedentos de cantar os hits que fizeram deles uma das grandes bandas de Manchester. Em Lisboa, ouviu-se “Bigmouth Strikes Again”,  “There Is a Light That Never Goes Out” e “How Soon Is Now?”. Mas Marr veio a Portugal mostrar o seu mais recente álbum “Call The Comet” para um público participativo, mas pouco à vontade com os novos temas. “Day In Day Out”, “New Dominions” e “Walk Into the Sea” são boas malhas e que ao vivo soam ainda melhor.

Nas mãos de Johnny Marr a Jaguar soa sempre fantástica. Há muitos guitarristas que, com a idade, vão ficando mais desleixados e tornam a sua técnica refém disso, com o nativo de Manchester [chegou a ser chamado à equipa de reservas do City, sabiam?] isso não acontece, aliás, parece acontecer precisamente o contrário – que energia nos leads ou no preenchimento harmónico dos dedilhados. Extraordinário!

CAPITÃO FAUSTO | Com o início de concerto marcado por duas exemplares transições perfeitamente executadas – a primeira de “Verdade” para “Célebre Batalha de Formariz” e a segunda de “Santa Ana” para “Amanhã Tou Melhor” – a banda portuguesa prometia uma performance minuciosamente projectada para um concerto ao vivo. Mas apesar da perfeição nas transições, o restante desempenho ao vivo não primou pela mesma qualidade. As camadas instrumentais que se ouvem nas gravações de estúdio não foram tão incisivas como deveriam e a voz de Tomás Wallenstein sofreu alguns picos de intensidade menos agradáveis.

Em “Maneiras Más”, a banda encontrou um dos tiros mais certeiros até ao momento, mas no geral o novo rumo da banda retirou alguma da criatividade e pujança observada em tempos passados. O som já não está tão psicadélico, em substituição, abre páginas ao portefólio do pop português. A pequena balada ao piano em “Amor, a Nossa Vida”, uma da faixas que estará presente no novo álbum a ser editado (“A Invenção do Dia Claro”), revelou um lado lírico mais introspectivo em forma de balada, com a presença surpresa de um coro feminino que permaneceu em palco até ao final.

A resposta calorosa por parte do público voltou a surgir em “Teresa”, música produzida em 2011 no álbum “Gazela”, e que originou os movimentos mais irrequietos da noite na linha frontal. Aqui sim, o rock energético mostrou toda a sua potência. O novo rumo dos Capitão Fausto parece incerto, talvez caminhem lentamente para se tornarem um grupo pop. Não é por si uma transformação negativa, mas é necessário afinar todas as arestas antes de o fazer.