Vodafone Mexefest’17: IAMDDB, Oddisee, Valete, Orelha Negra e Allen Halloween
2017-11-24, Vários Locais, LisboaReis, Damas e Valetes, um naipe de hip-hop que dependeu de tudo menos da sorte. O Capitólio foi o ponto de encontro para todos menos para Orelha Negra, que se apresentaram no icónico Coliseu dos Recreios.
A entrada em cena de IAMDDB talvez tenha surpreendido algumas pessoas. Isto porque a artista oriunda de Manchester começou a falar em português mal entrou em palco. A euforia por parte do público foi significativa e justificada – para quem não sabia foi certamente uma boa surpresa. A Diana de Brito ou IAMDDB, rapidamente explicou que nasceu em Cascais, mas que se mudou para Inglaterra ainda muito jovem, mantendo ainda hoje o contacto com os familiares portugueses e daí conseguir falar a nossa língua. A sonoridade no Cine-Teatro Capitólio esteve bem à altura de músicas como “Ooo” ou “Childsplay“, que precisavam de destaque nos tons baixos e entre o volume do instrumental e da voz da artista. As próprias vocais também estiveram sempre dentro de tempo e com a afinação esperada e desejada para o estilo que é maioritariamente trap nos instrumentais, mas bem pulverizado com jazz ou soul. Houve muita descontracção em palco entre as músicas, com conversa, piadas, presentes (um fã insistiu em oferecer à artista substâncias ilícitas “pré-enroladas”) – um “à vontade”, no geral, derivado da ligação a Portugal. “Shade” foi a penúltima música do set e sem dúvida a mais esperada pelo público. IAMDDB convidou cinco dos presentes ao palco para participarem na performance do hit e a multidão não guardou barulho e aplausos no final. “Trophy” finalizou um concerto que abriu em grande o palco principal do capitólio e aprovou o “regresso” desta filha pródiga.
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Oddisee chegou com a energia de quem tem muito para provar. Não tomou o público como garantido e concentrou-se em passar “sem espinhas” as suas ideias e princípios. O público deu-lhe crédito desde início e acompanhou as profecias do artista de faixa em faixa. A interacção foi evidente com muitas mãos no ar e aplausos no final de cada performance em que Oddisee saltava de um lado para o outro sem nunca falhar as rimas que cuspia sem remorsos. O desagrado e a crítica ao actual mundo do hip-hop genérico e sem mensagem transpareceu com dicas direccionadas ao trap e o artista ainda provou que o género não é desafiante, ao fazer um remix trap de uma das suas próprias músicas. Contundo, referenciou a “Alright” do Kendrick Lamar e pediu ao público que desse os parabéns à sua mãe, que fazia anos nesse mesmo dia. Para devolver a energia oferecida, os presentes decidiram cantar os “Parabéns” na sua totalidade. Um momento surpreendente para o artista seguido de felicidade e agradecimento genuínos quando percebeu o que realmente tinha acontecido. O hip-hop de Oddisee é consciente, maturo, e as batidas complementam perfeitamente o seu estilo. Apresentando faixas do mais recente trabalho “The Iceberg”, tal como músicas mais antigas, o espectáculo apresentou mensagens e histórias de alguém que tem muito para dizer. O DJ não aguentou estar sempre atrás da workstation e trocou de posto para cantar o verso colaborativo presente na faixa “NNGE“. Limpo e energético, tal como toda uma performance na qual “Like Really” foi o grande destaque. Oddisse sabia que era a faixa mais conhecida e executou-a já com poucos minutos restantes para ressuscitar os mais cansados, embora aparentassem ser poucos nesta condição.
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Valete abriu a sua performance com “Poder”, uma das faixas mais recentes, mas o restante concerto foi completado com músicas já bem conhecidas pelo público. “Johnny Walker“ foi uma excepção, visto que ainda nem foi lançada oficialmente, mas o rapper da Damaia já a tem exposto em actuações anteriores. A setlist, no início, foi principalmente executada com transições rápidas, passando de faixa em faixa sem dó nem piedade, e com um background visual que se relacionava sempre com a mensagem que se pretendia transmitir. Valete homenageou alguns nomes do hip-hop português que considera essenciais à evolução do mesmo, apresentado no ecrã do palco nomes como Chullage, Xeg, Mind Da Gap, Dillaz, Capicua, Slow J, entre outros. A “equipa” de Valete esteve sempre presente em palco e ajudou a consolidar a energia, com destaque para Bonus, o amigo e colaborador de longa data. Apesar de, tecnicamente, a execução das músicas ter sido o que se esperava, Valete apresentou uma previsibilidade que poderia ser combatida com a execução de novo material. As mensagens continuam actuais, sim, mas para quem já acompanha o seu percurso desde o início não houve muito de extraordinário a apontar.
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O capitólio, durante a performance de Allen Halloween, esteve cheio em duas frentes: no público e no palco. Dois membros a complementar a performance vocal e mais três atrás da mesa de DJ. O público recebeu desde inicio, faixas como “Drunfos“, “Zé Maluco” ou “Rap de Rua” com uma força que se ressentia pela projecção das letras. Allen Halloween esteve sempre de capuz na cabeça, alimentando a aura sombria que caracteriza o seu hip-hop desde sempre e largou as rimas sem tréguas e sem falhas. O álbum “Unplugueto” ainda não foi editado, nem tem data de lançamento, mas alguns dos singles que já estão cá fora, como “O Primeiro Dia” (Cover de Sérgio Godinho), foram tocados com a ajuda de um guitarrista e a icónica linha «Quem não arrisca não petisca, ya é verdade… mas não há melhor petisco do que a liberdade» de “Bandido Velho” foi completamente cantada pela multidão e complementada por um enorme aplauso. Depois do momento acústico voltaram as faixas clássicas, como “Killa Me” ou “Fly Nigga“, que encerraram um concerto marcado por uma linguagem muito própria e uma reflexão da música cortante e da própria vida de Allen Halloween.
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O concerto dos Orelha Negra começou literalmente com uma viagem no espaço. A surpresa visual executada por Rui Vieira, consistia numa tela gigante, meio transparente, que permitia ver os músicos em palco mas ao mesmo tempo passava visuais que se misturavam com o real. Os instrumentais de Orelha Negra entravam pelos ouvidos enquanto a beleza dos visuais enchiam a visão. No início eram projectadas estrelas e um fundo que se parecia movimentar, com palavras como “Coliseu” ou “Lisboa” a aparecerem sorrateiramente, passando depois para luzes mais psicadélicas, e ao final de 20 minutos, o véu foi levantado e conseguimos ver os protagonistas sem filtros. O som do Coliseu dos Recreios estava fantástico e cada instrumento estava bem definido e devidamente organizado harmonicamente e na escala de volumes. Como antecipado, foi realizado um medley que incluiu faixas clássicas do hip-hop, mas também criações recentes, destacando a sample fantástica de “Numbers On The Boards” lá pelo meio. Apresentando maioritariamente faixas do novo trabalho (review aqui), os Orelha Negra também passaram por músicas que tiveram um grande impacto, como “M.I.R.I.AM“, que despertou uma enorme reacção do público depois das primeiras notas, ou “Throwback“. O Coliseu estava apinhado e “A Sombra” arrasou com todos os presentes. As luzes acompanharam a frenética performance enquanto muitas cabeças e pés se mexiam. Sem dúvida, os reis do primeiro dia com um concerto que se destacou no festival.
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