Marissa Nadler: A Alma Importa Mais que a Mecânica
A conversa que mantivemos com Marissa Nadler, após o seu concerto no Super Bock em Stock 2019, deu asas a temas como a importância do equipamento na música, o amor por reverb na voz ou as inspirações pessoais que utilizar para compor.
Criada numa pequena cidade em Massachusetts, nos EUA, Marissa Nadler começou por se apaixonar pela pintura. A música chegaria um pouco mais tarde, mas ainda a tempo de disputar o seu coração. Começou a escrever as primeiras canções e lançou-se ao desafio do estúdio, com a edição do primeiro disco em 2004, “Ballads of Living and Dying”. O segundo disco, “The Saga of Mayflower May”, foi editado um ano depois. Eram registos despidos de produção, num formato acústico e reduzido ao essencial.
O som de Marissa Nadler cresceu definitivamente em “Little Hells”, disco editado em 2009 e mais abrasivo que os anteriores. Em “July”, produzido por Randall Dunn, em Fevereiro de 2014, voltou a a focar-se no seu registo folk intimista. Esse disco haveria de o apresentar no Amplifest, no Porto, no mesmo ano. Quando se fala em crescimento, no caso de Marissa, fala-se da utilização de recursos que estão sempre ao serviço daquilo que é mais importante: as canções. Estes últimos trabalhos, “For My Crimes” e “Droneflower” (com a colaboração de Stephen Brodsky), meditam sobre a dificuldade de levar uma relação por diante, mesmo quando o amor está lá.
Uma hora após o seu concerto no Super Bock em Stock 2019 [temos a review aqui!], Marissa Nadler juntou-se-nos para conversar sobre a sua música. Pediu desculpa por não ser imediatamente após o concerto, justificando-se com a necessidade de tempo para descansar. Não pedimos qualquer esclarecimento, mas Marissa foi simpática o suficiente para o fazer.
Conversamos sobre a importância do equipamento na música, a sua “abusiva” utilização de reverb, o começo/aprendizagem na música e as inspirações para a criação musical.
Em primeiro lugar, excelente concerto! Porque tocaste com uma banda em Lisboa? Costumas tocar a solo…
Tocar sozinha em palco começou a ser um desafio emocional, muita pressão. Além disso, depois dos espectáculos as pessoas diziam-me frequentemente «porque é que não tocas com uma banda?» e quando toco com uma banda as pessoas perguntam «porque é que não tocas a solo?». Não dá para satisfazer todas as pessoas. Mas, no momento em que estou musicalmente, no fim de um ciclo de álbum, estou interessada em reinventar algumas das minhas músicas antigas e dar-lhes uma nova vida para não ficar aborrecida. Felizmente, esta banda é muito subtil. O Ben [McConnell] é um excelente baterista e já tocamos juntos há muitos anos.
Onde vais buscar a inspiração para as músicas?
É tudo real. Tenho duas carreiras. Tenho 5 álbuns na fase inicial da minha vida, porque comecei a lançar álbuns quando tinha 21 anos e agora tenho 38. Tenho praticamente 10 álbuns e os primeiro eram compostos por histórias na terceira pessoa, sobre outras pessoas. Depois comecei a entrar em caminhos mais profundos e a escrever na primeira pessoa. Agora escrevo sobre a vida real, porque é um processo que cura e é catártico.
A tua música transmite imensa melancolia. A compor, partes do principio que vais criar uma música melancólica ou escreves as letras, seleccionas os sons e crias melodias e a música acaba por ter este tipo de sonoridade?
É um processo muito orgânico e intuitivo. Não digo «vou escrever uma música triste», as músicas acontecem e acho que sou atraída por música melancólica. Sinto mais emoção quando escrevo este tipo de músicas, com temas que são universais para todas as pessoas. Começo com a melodia e deixo as letras para o final. É sempre assim. Agarro numa guitarra, penso numa melodia e numa estrutura. Gosto muitos de estruturas de canções. Não penso muito, é muito orgânico, mas a melodia surge sempre primeiro.
O meu maior “hit” tem 25 milhões de reproduções no Spotify e foi gravado com o microfone interno de um MacBook.
Utilizas diferentes guitarras ou tens uma favorita para essa etapa especifica?
A minha guitarra favorita é uma dreadnought de doze cordas da Martin, mas não a posso utilizar nas digressões porque o braço já se partiu demasiadas vezes. Tenho uma PRS e adoro-a. Nos últimos quatro anos comecei a tocar guitarra eléctrica depois de tocar 15/20 anos com acústica. E agora estou a adorar explorar pedais. O meu equipamento favorito é, provavelmente, o TC-Helicon, porque adoro reverb. Nos primeiros tempos de carreira, as pessoas diziam-me «não devias usar tanto reverb na tua voz!», mas eu adorava e fico feliz por ter seguido o meu gosto. O TC-Helicon VoiceTone Create é um módulo antigo, mas os reverbs aí dentro são naturais e não são exagerados, ainda consegues ouvir o ataque.
Como estamos a falar de gear, posso perguntar qual é o restante material em palco?
O gear era duma empresa de backline, mas o Ben toca pratos Zildjian… Mas sabes que mais? Pessoalmente, venho de uma linha de pensamento de que o equipamento que estás a utilizar não interessa. As músicas, a composição, a intenção, a qualidade das vozes e da canção em si trunfam sobre o equipamento. Até porque o meu maior “hit” tem uma história engraçada. Tem 25 milhões de reproduções no Spotify e foi gravado com o microfone interno de um MacBook. Era uma demo. E tenho 10 álbuns em que gravei profissionalmente, com microfones binaurais, micros da Neumann… Acredito profundamente que não é o som, pelo menos no meu tipo de música, é a música e a voz. Elliott Smith é dos meus músicos favoritos e gosto mais das cenas lo-fi dele.
Aprendeste música numa escola ou foste autodidacta?
Estudei pintura, mas na música aprendi tudo sozinha. Participei em algumas aulas de guitarra na escola secundária, mas o meu irmão mais velho é que era o músico da família. Estava numa banda jam e eu tinha um pouco inveja, porque ele já tinha fãs! Por outro lado, toco com a mão esquerda e tinha que tocar com guitarras para destros, porque os meus pais não me queriam dar uma guitarra só para mim. Diziam-me sempre, «não és artista de música!».