ENTREVISTA: O crescimento efervescente do Capote Fest em Évora
O festival continua a apostar em nova música portuguesa e vai realizar a sua 5º edição em Março de 2020. A organização afirma que pretende continuar o trabalho, detalha as técnicas de selecção, a descentralização musical e cultural e os maiores desafios.
O festival Capote Fest celebra a sua 5º edição em 2020 e já anunciou o cartaz completo: Miss Lava, Marvel Lima ou Baleia Baleia Baleia estão confirmados. O evento foca a sua energia na apresentação de projectos portugueses emergentes e na criação artística local e regional. Este critério valoriza a criatividade e o talento na música, não esquecendo artistas já estabelecidos, criando uma mistura saudável e ecléctica na programação.
A festa acontece na cidade de Évora entre os dias 5 e 7 de Março e, em antecipação, conversámos com a organização do festival sobre o passado e o futuro, os critérios de selecção, a descentralização musical e cultural em Portugal ou os maiores desafios até ao momento. Lê a entrevista completa abaixo.
Como surgiu a ideia e a motivação para o Capote?
A Capote Música nasce em Évora em 2011. Começou por ser uma editora e produtora responsável pela edição de vários artistas como Awaiting the Vultures, Daniel Catarino, Gesso, Pablo Vidal, Prana e Uaninauei. Pela atenção à efervescência criativa musical que existe em Portugal, em 2016, surgiu a vontade de organizar um festival em Évora. Um festival que promovesse a nova música portuguesa, dando visibilidade a novas bandas com a tónica de apoiar artistas/projectos de impacto regional a terem impacto nacional e a colocar Évora no roteiro dos festivais de música. E este ano vai para a 5ª edição! Pelo Capote Fest já passaram bandas como TV Rural, The Quartet of Woah, Bicho do Mato, Madrepaz, Cassete Pirata, Sequin, Anarchicks, Dapunksportif, entre outros projectos que tiveram a sua estreia no Capote Fest e que ainda hoje continuam no circuito musical nacional. E é essa a nossa motivação, a de continuidade.
Quais são os critérios da organização para a escolha do cartaz? Pensam em quais são as melhores bandas ao vivo? As bandas com mais “buzz” no momento? As bandas que mais gostam de ouvir?
A escolha da linha programática recai sempre numa lógica de aproximação, cruzamento e de provocar encontros com artistas e projectos musicais de âmbito local, regional e nacional, entre o emergente e o mais estabelecido. Temos sempre presente a criação local, o que se faz na região mas também uma escuta apurada e atenta ao que se faz fora. O cerne do trabalho da Capote Música reside num trabalho criterioso de pesquisa e de observação de inúmeros projectos em fase inicial de carreira, através da ida a concertos, festivais alternativos, concursos ou de abertura de convocatórias, escrutinando os que reúnem os elementos essenciais para serem as novas bandas a singrar no futuro. Assim asseguramos a descoberta e recepção de muitos projectos que de outra forma não teríamos conhecimento deles pois estão fora do circuito, seja da rádio ou dos grandes festivais. A Capote vai ao encontro dessas bandas e grupos, desafiando-as a mostrar o seu trabalho, proporcionando-lhes condições, visibilidade e um forte enquadramento com a criação de uma programação musical criativa, original e de qualidade.
Trata-se de um projecto com um forte orgulho nas suas raízes alentejanas, motivado em romper com o cerco que centraliza a cultura nas grandes metrópoles e chamando até ao interior a força criativa musical.
O facto do cartaz ser apenas composto por músicos portugueses é uma caracterização ou uma limitação?
A Capote Música quer valorizar a criação nacional, o nosso produto interno, seja através da estimulação ao surgimento de novos projectos, seja pela forma de dar visibilidade a bandas que nem sempre têm a oportunidade de apresentar os seus trabalhos no chamado circuito mainstream independentemente da sua qualidade. O sentido orientador do Festival é a música e a partilha de dinâmicas criativas e aí não há limitações. Música Portuguesa sim, pois é o nosso território, a nossa cultura, o nosso ADN e é deles que nos temos de apropriar, trabalhar, valorizar e potenciar. Como o próprio nome do festival sugere, trata-se de um projecto com um forte orgulho nas suas raízes alentejanas, motivado em romper com o cerco que centraliza a cultura nas grandes metrópoles e chamando até ao interior a força criativa musical. Acreditamos que este Festival reúne os elementos necessários para ser uma plataforma de descoberta de projectos musicais portugueses, de motivação para a criação de novos e de apoio à promoção e à continuidade dos mesmos.
O que ganhou Évora com o Capote?
Évora é uma cidade que fervilha de oferta cultural. O Capote Fest veio ocupar um lugar que, acreditamos, veio complementar de forma construtiva essa oferta. A programação da Capote Música vai além do Capote Fest. Conta com uma programação anual na cidade com outras iniciativas e programação – Capote à Sombra, Noite na Feira de S. João, Noites na SHE e os Musicálogos (encontros criativos e improváveis entre músicos).A relação com a cidade tem vindo a crescer desde há 5 anos, ou seja, já existe uma continuidade e envolvência temporal, espacial e afectiva com as pessoas da cidade. Para além de uma ligação intergeracional, onde jovens e adultos com os mais diversos laços familiares, se juntam no espaço do festival e nos das outras iniciativas, pois vão ver os filhos, sobrinhos ou netos tocar. O Capote tem ainda promovido a vinda de pessoas pela primeira vez a Évora, como tem sido o caso de várias bandas que fazem a sua estreia no festival, a vinda de jornalistas, de agentes e de alguns programadores que vêm viver a cidade. O maior ganho, pensamos, têm sido as relações e partilha de momentos que acreditamos serem únicos. São várias as constelações de relações que temos vindo a criar com as pessoas, amigos, músicos, público, parceiros, entidades, agentes culturais, grupos formais e informais da cidade… que, como nós, acreditam no potencial do Capote Fest e nos ajudam a levá-lo pelo bom caminho! O facto de este ano o festival integrar o Mês da Juventude é prova da legitimação e confiança que temos vindo a conquistar e é, sem dúvida, um ganho partilhado!
Nesta edição dos 5 anos existem mudanças e/ou novidades em termos de infraestrutura?
As mudanças vão se somando a uma base que se quer realística e forte, que permita criar pontes com visão de futuro e crescimento! A estrutura organizacional e logística mantém-se com o apoio fundamental da Câmara Municipal de Évora e dos parceiros , o desenvolvimento de públicos tende a expandir, integrando a camada jovem e académica da cidade de forma mais participativa, assim como a comunicação e promoção que tenta ser o mais abrangente e com o maior poder de alcance possível, indo além Évora e arredores para dar a conhecer o Festival a nível nacional. A visão curatorial, de incubadora e “porta de entrada” de artistas/projectos emergentes que terão uma preponderância exponencial num futuro próximo, assim como o investimento num intercâmbio de igual para igual com o que melhor se faz pelo país fora, cruzando projectos em início de carreira com projectos já com um percurso reconhecido, mantém-se. A tónica na descentralização musical e cultural também, ou seja, acreditamos que trazer artistas das grandes metrópoles para o interior não basta, é preciso sobretudo apoiar artistas de impacto regional a terem impacto nacional, promovendo a nova música portuguesa. A novidade assenta naquilo que torna algo singular e esperamos continuar a proporcionar nesta 5ª edição momentos únicos de partilha e de descoberta de novos projectos, uns em estreia, outros ainda desconhecidos pela maioria e outros que encontram no Capote Fest um palco de celebração do seu percurso.
O que diferencia este Festival do dos seus pares é essa aposta na criatividade endémica, na promoção de artistas e projectos locais.
Como imaginas o Capote daqui a 5 anos? Já há planos para o futuro?
Falando do Capote Fest, é nossa intenção mantê-lo em crescente na cidade de Évora, ano após ano, para também crescer a abertura à participação de novos projectos musicais. Queremos sedimentar o tal circuito alternativo na cidade. Numa outra fase de maturação, o objectivo é levá-lo por esse Portugal adentro e afora! Indo ao encontro das regiões e das suas gentes. Criar circuitos alternativos, palcos de apresentação e promoção de novos projectos/artistas. Celebrar em simultâneo a descoberta e usufruto musical e oferta cultural e patrimonial das regiões acolhedoras. O que diferencia este Festival do dos seus pares é essa aposta na criatividade endémica, na promoção de artistas e projectos locais. No caso de ser apresentado noutras regiões a mesma lógica repetir-se-á. Partimos sempre do princípio direccional – de dentro para fora (criativa e geograficamente falando). Imaginamos também a criação de sinergias com outros festivais e produtoras e redes com espaços de acolhimento de forma a podermos ficar mais fortes e conseguir apoiar tanto as bandas que agenciamos como Baleia Piloto, Daniel Catarino, Noves Fora Nada, Uaninauei, como as que passam pelo Capote Fest.
No geral, quais são as maiores dificuldades durante a organização?
Existem alguns desafios mas como somos pessoas criativas damos-lhe a volta! O maior desafio é a escolha da programação, garantir que apresentamos um bom cartaz que represente bem aquilo que queremos dar a conhecer, promover e apoiar, a nova música portuguesa que se está a criar, a pulsar a emergir. Dar palco a novos projectos, novas sonoridades, a novos artistas. Depois é olear a máquina de produção, comunicação, logística e para isso contamos com a equipa da Capote e com a imprescindível co-organização da Câmara Municipal de Évora, com os espaços de programação, a SOIR – Joaquim António de Aguiar, a SHE – Sociedade Harmonia Eborense e o Praxis Club; com parceiros de comunicação, de hotelaria, com o jantares confeccionados pela D. Alzira Silva e com uma série de pessoas, amigos, técnicos, parceiros, grupos formais e informais da cidade que, connosco, formam uma super equipa.
Como convences alguém que nunca foi ao Capote a ir?
É nossa intenção atrair cada vez mais pessoas fora de Évora a ir ao Capote Fest. E bons motivos não faltam! Queremos criar memórias partilhadas! Se te interessas por música, por descobrir projectos em estado embrionário e por sentir aquele pulsar que ressoa no espírito dos festivais de música alternativos mais intimistas e comunitários, o Capote Fest é o teu lugar! Para além de que alavancado ao festival está toda a oferta cultural, patrimonial, natural e paisagística da cidade de Évora e região do Alentejo. Ir ao Festival é ser abraçado pela energia da cidade e das suas gentes; da sua história, gastronomia, património edificado, ambiente e vivências. Não são precisas desculpas para ir a Évora, mas neste caso o Festival encarna bem essa função! O repto que vos lançamos é: “Venham ser felizes em Évora, no Capote”.