Jeff Beck: Strats, Teles & Amps
Com seis décadas de carreira, Jeff Beck esteve “em todo o lado”. O músico usou maioritariamente Telecasters e Les Pauls na primeira fase do seu som e acabou por tornar-se um fervoroso apologista da Stratocaster, criando uma das melhores versões de assinatura do icónico design da Fender. Pelo meio foi determinante na ascensão das Jackson. À boleia do seu guitar tech Steve Prior, olhamos as principais guitarras e amps do prodigioso guitarrista.
Nascido no dia 24 de Junho de 1944, Jeff Beck foi um dos melhores guitarristas e, ao mesmo tempo, um dos mais underrated de sempre. Guitarrista de técnica absolutamente singular, deslumbrou o mundo desde ainda antes da explosão do hard rock, há mais de meio século, até à sua morte no passado dia 10 de Janeiro de 2023. Desde o R&B dos The Yardbirds, ao Jeff Beck Group com Ronnie Wood e Rod Stewart, até à obra-prima de jazz/rock instrumental “Blow By Blow”, e um infindável número de aparições como músico convidado (Mick Jagger, Roger Waters, Brian May, Paul Rodgers, Stevie Wonder, Tina Turner, Jon Bon Jovi) e até uma ou outra incursão em blockbusters de Hollywood, Jeff Beck esteve constantemente a explorar e a fazer progredir a sua linguagem musical e a da guitarra eléctrica, mais especificamente da Stratocaster.
Amiúde, refere-se que o som estás nas mãos ou nos dedos. E isso nunca foi tão verdade como no caso de Jeff Beck. Por exemplo, as Stratocasters originais possuíam, de fábrica, 5 molas a segurar a ponte ao corpo. Guitarristas como Jeff Beck removiam 2 dessas molas para permitir uma flutuação maior à ponte, permitindo utilizar a alavanca de vibrato para cima e para baixo de uma forma mais significativa – aliás, o estilo técnico de Jeff Beck tornou-se um baluarte deste tipo de execução. Beck namorou com Les Paul e Telecasters, mas foi com a Strat que sublimou o seu estilo. A forma pura como, sem usar palheta, faz soar a Strat é uma assinatura sonora única, potenciada pela sua mestria no controlo da alavanca de vibrato. O estilo de Beck exige provas constantes da versatilidade da Strat. Velocidade do braço, agressividade e presença nas distorções, suavidade dos single-coil, a resposta dinâmica do instrumento capaz de convergir dedilhados ou solos.
Na verdade, enquanto Hendrix, Eddie Van Halen ou Page são amplamente imitados, há muito menos gente a arriscar trilhar a tão instintiva quanto complexa expressividade sónica de Jeff Beck. Precisamente porque o seu som estava, como em nenhum outro, nas suas mãos e na ponta dos dedos, numa relação profundamente simbiótica com a guitarra.
A forma inovadora como o shredder desenvolveu a sua técnica limpa, sem palhetada, num dinâmico controlo do volume e tone da guitarra e essa inigualável assinatura sónica no uso do vibrato, permanecem sem paralelo. Para o André C. Rodrigues, isso vai permanecer assim durante muito tempo. O guitarrista blues/rocker nacional fala de «um dos mais importantes guitarristas dos últimos 60 anos. De uma categoria à parte, do mais expressivo que alguma vez ouvi». Assinalando que «tão cedo não há-de aparecer quem chegue sequer perto do que fazia. Felizmente, esteve entre nós mais de cinco décadas a mais que o Hendrix».
Na verdade, enquanto Hendrix, Eddie Van Halen ou Page são amplamente imitados, há muito menos gente a arriscar trilhar a tão instintiva quanto complexa expressividade sónica de Jeff Beck. Precisamente porque o seu som estava, como em nenhum outro, nas suas mãos e na ponta dos dedos, numa relação profundamente simbiótica com a guitarra. Agora, isso não significa que Jeff Beck, como qualquer um de nós meros mortais não tenha tido os seus fétiches por amps e pedais e, ao longo das décadas, o seu equipamento não tenha tido um forte peso na sua estética musical.
Por exemplo, o guitarrista afeiçoou-se a um pedal quase tão lendário como ele, um Klon Centaur. Mas vamos por partes. Foi no início da década de 90 que a Fender, finalmente, reconheceu a importância de Jeff Beck na imposição da Stratocaster como um dos maiores designs (para muitos o maior) na história da guitarra eléctrica. Assim, em 1991 surgiu a primeira versão da sua Strat de assinatura. Na verdade, há uma história anterior para contar…
SOLOIST
A chegada dos 80s foi a chegada do futuro! Sempre vanguardista, Jeff Beck decidiu contactar o luthier Grover Jackson e pedir-lhe um modelo Jackson Soloist por medida. Imaginem lá quantos mais dos guitarristas oriundos da explosão do blues/rock britânico usaram Jacksons. Se não querem estar nessa tarefa impossível, adiante! Os specs da Jackson Soloist “Tina” variam bastante dos parâmetros padronizados. Desde logo, esta guitarra não possui pickguard (como se usava nestes modelos à época); depois destaca-se a ponte Kahler, com floating tremolo; o conjunto de três single-coils, em vez da configuração HSS dessa era. Hoje em dia é simples constatar que os reissues de anos mais recentes dos modelos SL1 e SL4 se inspiram neste instrumento.
Os solos de “People Get Ready”, versão do original de Curtis Mayfield e um dos maiores sucessos de toda a sua carreira, foram gravados gravado com esta guitarra. Estávamos em 1985. Um ano antes, Beck subiu a palco como convidado num concerto de Tina Turner. Não pediu qualquer cachet, apenas que a Rainha da Soul lhe autografasse a guitarra. Tina empenhou-se na tarefa, usando um verniz para as unhas de cor verde perlado. Assim, a guitarra ganhou a sua alcunha.
A “Bloody Good” surgiu para substituir “Tina”. Ou porque o guitarrista queria preservar a guitarra depois do famoso autógrafo ou porque queria melhorar a primeira abordagem com Grover Jackson, não se sabe. Uma coisa é certa, estas Jacksons surgiram numa época em que o músico procurava reinventar-se e nada melhor que estas Soloist que Grover Jackson criou inspiradas nos Tele Bass dos anos 70. Portanto, o template permitia novas dimensões sónicas. Tal como a “Tina”, trata-se de uma SSS, desta feita com o pickguard como os modelos de produção regular. Mais tarde, a Jackson criou um reissue deste modelo, a SL4X.
STRATS
Então no final dos anos 80, Beck encomendou um modelo custom aos Master Builders da Fender, pedindo que o acabamento fosse semelhante à pintura do icónico Ford Coupe do filme “American Graffiti”, o sucesso pré-Star Wars de George Lucas. A marca californiana construiu a guitarra, mas o guitarrista roeu a corda e então, a empresa colocou no mercado a Strat Plus. Em 1991 surgiu a Strat de assinatura de Jeff Beck. O ponto de partida, naturalmente, foi a Strat Plus. Também entraram na equação algumas características de um modelo dos anos 60 do guitarrista. O amarelo explosivo é que foi posto de lado.
A Jeff Beck Stratocaster surgiu nas cores Vintage White, Midnight Purple e Surf Green. O que realmente faz esta guitarra sobressair são os mods ao estilo boutique. A primeira série apresentava um braço de maple com o perfil “U” dos anos 50 e a escala em rosewood; pickups Gold Lace Sensor assombrosamente silenciosos e o circuito TBX no tone. A jóia da coroa é a pestana LSR Roller Nut que permite aquela capacidade lendária de Beck manter a afinação mesmo com tanto trabalho de tremolo e vibrato. Actualmente, os modelos são vendidos com outros specs. O corpo em alder possui acabamento em uretano. O braço de maple tem perfil “C”. A escala em rosewood; com raio de 9.5’’ e 25.5’’ de comprimento, com 22 trastes médio-jumbo. Largura do Nut: 1.6875’’. Pickups: 3 Dual-Coil Ceramic Noiseless com controlos Master Volume, Tone (braço), Tone (ponte/meio) e switch de 5 posições.
Depois dos modelos de assinatura “normais”, por 1993, surgiu a Fender Jeff Beck Custom Shop Stratocaster. Um modelo ainda mais elitista que conjuga pickups bobinados pelo próprio John Suhr, a escala em rosewood com trastes Dunlop 6150 e o roller nut SPLIT da Wilkinson. O corpo, em basswood, foi construído pelo Master Builder (um dos originais) J. W. Black que lhe juntou o braço de uma guitarra mais antiga que também construíra. Com a cabeça CBS invertida e o deslumbrante acabamento Olympic White, a guitarra é um assombro.
Desde que as criou, passou a ser raro ver o músico sem uma destas guitarras. Um dos modelos originais subiu notoriamente a palco com Stevie Wonder nas celebrações do 25º aniversário do Rock and Roll Hall of Fame (vídeo em cima). Mas e a 60s Strat que as inspirou?
O PRESENTE DE MCLAUGHLIN
Estávamos em 1975. Jeff Beck e John McLaughlin eram companheiros de label (na Columbia Records) e já estabelecidos como dois dos maiores pioneiros da guitarra eléctrica e do papel pivotal do instrumento na fusão entre o rock e o jazz. Fizeram-se à estrada numa digressão conjunta. Por essa altura, Beck usava principalmente modelos Telecaster ou Les Paul. McLaughlin comprou uma Strat dos anos 60 já durante a tour e, nos bastidores de uma das datas, mostrou-a a Jeff. Quando percebeu que o colega ficou imediatamente apaixonado pela guitarra, ofereceu-lha.
Os três single-coils continham a promessa de maior versatilidade e recursos sónicos. Beck nunca explicou realmente aquilo que tanto o atraiu na guitarra que não existisse noutras. Contudo, as pistas estão nos modelos JB que esta “CBS” inspirou. Beck gravou o álbum “Wired” com esta guitarra e jamais a largou, usando-a em todas as suas digressões até ter os seus próprios modelos de assinatura. Desde aí, passou a guardar esta guitarra como um dos seus maiores tesouros.
TELES
Antes de tudo isto, Jeff Beck, como já referimos, alternava entre Les Pauls e Telecasters. Aqui vamo-nos focar na guitarra que Leo Fender criou na viragem dos anos 40/50. Uma das mais famosas é a Tele de 1958 que Jeff comprou a John Owen, em ’64 ou ’65. A notoriedade da guitarra, todavia, vai além de Beck. Afinal, este instrumento forjou uma lenda totalmente sua. Em 1965, Beck passou a ter Jimmy Page (seu amigo de infância) como companheiro nos Yardbirds. Essa parelha durou pouco tempo. Em Outubro desse ano, Beck foi convidado a sair da histórica banda, fruto do seu comportamento exageradamente boémio. O músico ofereceu entãoa guitarra a Page e este usou-a até ao final do seu percurso nos Yardbirds e depois no primeiro álbum dos Led Zeppelin e até no solo de “Stairway To Heaven”. A guitarra foi recentemente alvo de réplicas na Fender, para assinalar o 50º aniversário dos Led Zeppelin.
De modo similar, quando começou a tocar nos Yardbirds, Jeff não possuía uma guitarra e, nesse período usou a Tele que Eric Clapton usara antes de si. Então, John Walker (cuja banda estava em tour com os ‘Birds) ofereceu uma 1954 Fender Esquire a Beck. O guitarrista passou a levá-la para todo o lado e foi esta guitarra que gravou malhas como “I’m a Man” e “Over Under Sideways Down”.
A guitarra foi roubada num dos concertos dos Yardbirds e, quando a recuperou, o guitarrista foi forçado a trocar o braço que estava partido. Isto foi já nos anos 70. Pouco depois de a restaurar, Seymour Duncan convenceu-o a dar-lhe a guitarra em troca de uma mais “evoluída”. Uma guitarra que Duncan tinha encontrado numa anónima loja de instrumentos musicais. Beck aceitou e recebeu a 1959 Fender Telecaster “Tele-Gib”. Como o nome indica, esta guitarra é um híbrido. O corpo retalhado é o de uma ’59 Tele, cuja escala original era em rosewood. Seymour Duncan instalou-lhe um par de PAFs, que retirara de uma ’59 Flying V (diz-se que pertenceu a Lonnie Mack). Beck usou imenso a guitarra no icónico álbum “Blow By Blow”.
AMPS
Beck usou imenso amps Marshall (algo que a marca assinalou nestes dias) toda a sua carreira. Como não podia deixar de ser, sendo guitarrista, rocker e britânico. E também namorou outros amps. Tinha uma preferência por amps de potência reduzida em estúdio e ao vivo, mas os mais famosos talvez sejam bestas de elevada potência. A verdade é que, depois de seis décadas a gravar, Jeff Beck usou de tudo…
Na época dos Yardbirds, o guitarrista amplificava a sua Esquire com um par de Vox AC30. Clássico. Beck ligava-os em série. Quando saiu da banda e se lançou a solo, procurava um som mais explosivo e então passou a usar o Marshall JTM45 Plexi. Quando, depois de explorações sónicas, principalmente na década de 80 e 90, decidiu voltar ao seu som original, este amp foi recuperado para o seu rig. Talvez porque tenha um headroom e um som mais limpo que o DSL, o amp que o conquistou de permeio.
Portanto um Plexi ou um JCM, no caso o JCM 2000 DSL50. Quem nunca? Foi precisamente na década de 90 que Beck se rendeu ao DSL. Dependendo do som que procura, este amp ou o Plexi são sempre as soluções. Por vezes o JCM 2000 pode ver-se ligado apenas a um Klon Centaur e, numa ou noutra ocasião, apenas a um Rat. Uma coisa é certa, desde os anos 90 que ou usa um amp ou o outro.
Foi principalmente na década de 80 que explorou mais amps da Fender. Mas foi já ali por 2010 que passou a integrar amiúde um Vibro King no seu rig. Talvez porque é um amp com uma sensibilidade particular para um som bluesy, cujo potente transformador e configuração de três altifalantes 10” permitem uma exemplar resposta dinâmica – ideal para a forma como o músico passou a controlar os pots de volume e tone na guitarra. Das poucas vezes em que abdicou de amps Marshall foi nas sessões do álbum “Guitar Shop” (1989). Então optou por um Princeton Reverb II e por um Twin Reverb. Presumivelmente, o Princeton para obter aquela distorção clássica de médios.
Quanto aos Twin, são dos amps com o som limpo mais cristalino de sempre e conjugam muito bem com pedais de efeitos, ainda que lhes falte algum “estalo”. É o seu guitar tech, Steve Prior, que recorda que o Twin não chegava para o trabalho todo nessa época: «O Jeff tentou gravar apenas com o Twin, mas o som não furava».
Entre esse período e a descoberta do JCM, Beck fidelizou-se durante uns tempos aos Fender Bassman. Foi em 1990 que a Fender produziu os reissues do 5F6-A Bassman. A primeira vaga foi construída em Corona, Califórnia, e possuía uma unidade rectifier solid-state. A coluna deste combo era a milagrosa configuração de quatro altifalantes alnico da Eminence de 10”. Quando a produção passou para a fábrica mexicana da Fender, o amp passou a ter a designação “59 Bassman LTD”.