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Mastodon, 10 Anos de “Crack The Skye”

Mastodon, 10 Anos de “Crack The Skye”

Nero

Troy Sanders, baixista dos poderosos Mastodon, numa entrevista que remonta ao lançamento de “Crack The Skye”. O quarto álbum da banda celebra 10 anos em 2019.

No primeiro dia do festival, na altura, Optimus Alive, em 2009, a Arte Sonora esteve à conversa com Troy Sanders. Uma conversa na qual o baixista dos Mastodon nos falou o quarto álbum do quarteto do estado norte-americano de Geórgia, “Crack The Skye”, que havia sido editado em Março desse ano.

Foi um disco em que a banda trabalhou com o produtor Brendan O’Brien [Stone Temple Pilots, Pearl Jam, Rage Against The Machine, Bruce Springsteen, AC/DC]. Um disco que os Mastodon, na altura, estavam a tocar integralmente ao vivo, algo que não foi possível fazer no curto set de 40 minutos que ocuparam no festival e que a banda pretendia fazer no nosso país ainda nesse ano de 2009 ou logo no início de 2010. Afinal, os Mastodon nunca havia tocado em nome próprio em Portugal. Só o conseguiram em 2012, na digressão de promoção a “Hunter”.

Depois desse concerto, a banda estaria cinco anos sem visitar o nosso país, até ter voltado em 2017, para apresentar o seu mais recente álbum, “Emperor Of Sand”. Uma dose que será repetida no dia 17 de Fevereiro deste ano, na Sala Tejo da Altice Arena.

Voltando a “Crack The Skye”, álbum que agora celebra 10 anos, efeméride que a banda vai celebrar com uma digressão onde o tornará a tocar integralmente em palco, recordamos essa conversa, publicada originalmente na arqueológica AS#11, onde Troy Sanders nos falou ainda na origem e nas motivações que moviam os Mastodon há 10 anos atrás…

ORIGENS

Terem-se conhecido num concerto de High On Fire é uma história autêntica ou faz parte da “lenda”?
É verdade. Bom, o Brent [Hinds] e eu estivemos juntos numa banda durante sete anos, o Bill [Kelliher] e o Brann [Dailor] estiveram durante esse tempo numa outra banda, no estado de Nova Iorque. Quando ambos se mudaram para Atlanta, nós, ambas as “equipas”, conhecemo-nos no tal concerto de High On Fire. Sabíamos quem eles eram e eles justificaram a vinda para Atlanta com a procura por um baixista e um outro guitarrista, para começar algo novo, ao que respondemos «Ok, encontraram, vamos lá». Sinto que houve um pouco algo como o destino envolvido. A “química” mostrou-se excelente e criámos uma amizade profunda.

O som de Mastodon originou-se num certo background de sludge? E parece haver um interesse renovado por este género, achas que isso foi decisivo no desenvolvimento da banda?
Penso que a forma como a banda soa é a combinação de duas coisas: nós os quatro partilhamos um núcleo de bandas que adoramos, como os Melvins, Neurosis, Thin Lizzy; e depois, fora desse núcleo, cada um de nós tem backgrounds muito distintos que alimentam essa “química” comum. Oiço muita música clássica e muito country, o Brann desenvolveu-se a ouvir imenso jazz, o Bill é louco por punk e heavy metal e o Brent cresceu com o bluegrass, por exemplo. Tudo isso conjugado foi lentamente formando o nosso som. Não sei se estarei certo, mas penso que é por aí.

CRACK THE SKYE

Nessa formação lenta do que é o som da banda parece ter havido um sentimento cada vez mais melódico, comparando cronologicamente a discografia. “Crack The Skye” parece ser o que assume mais isso…
Absolutamente.

Não receiam a velha questão que aflige as bandas de metal, em que se associa esse desenvolvimento melódico a um abandono do peso?
Sabes, desde a primeira canção que escrevemos, fizemo-lo sempre para nós próprios – isto parece bem, soa bem, temos uma canção – não mudou nada desde aí. As canções que formam “Crack The Skye” são uma reflexão directa do que se passou nas nossas vidas durante estes últimos dois anos, mesmo as coisas mais desagradáveis, portanto é uma reflexão perfeita de como a música surge autenticamente. Escrevemos música com o “coração” e nunca nos preocupamos se outras pessoas irão gostar, desde que os quatro de nós gostemos, seja uma canção, um riff, uma letra, prosseguimos com a ideia. Se o resto do mundo não gostar, não importa, pois sabemos que significa o mundo para nós. Se crias arte e se sabes que é 100% autêntica, que te veio das entranhas, não importa que as pessoas digam que estás a perder peso ou a vender-te. Nem sei o que isso significa, não estamos a vender nada, percebes? Esperamos apenas que a nossa autenticidade chegue a outras pessoas. Se não gostarem, isso é perfeitamente normal, se gostarem e se interessarem, a ponto de se juntarem nesta viagem, então isso é muito bem-vindo e complementar para nós.

É curioso usares o termo viagem. Os vossos álbuns apresentam sempre elementos conceptuais?
Sim, todos.

Se crias arte e se sabes que é 100% autêntica, que te veio das entranhas, não importa que as pessoas digam que estás a perder peso ou a vender-te.

Dessa forma, ainda que fazendo música puramente por instinto, é necessário um grande trabalho de ajustamento entre as composições, as estruturas, as melodias, e como se encaixam com as letras, como se ajustam ao assunto narrado?
Demoramos muito tempo a criar a história e depois procuramos, com sensibilidade, encaixar a história, liricamente, com a própria música. Procuramos fazê-lo com bom gosto e com classe, tentando não ser muito excessivos… Basicamente, quando temos a história é como o diálogo num filme e já criámos a música que é a cinematografia para o filme, então procuramos colocar as letras sobre a música, dentro dessa analogia que refiro, como se fosse um filme.

Como foi trabalhar em “Crack The Skye” com dois nomes como Brendan O’Brien na produção e ter o Scott Kelly como convidado? Não tinham receio em sofrer um excesso de respeito pelos nomes e de certa forma abdicarem das vossas ideias para o álbum?
Trabalhar com eles foi… Espantoso! Tínhamos esse receio, mas no que diz respeito ao Scott, é um grande amigo e temos uma ligação tal que podemos colaborar em qualquer coisa e sabemos que isso dará sempre bom resultado. Com o Brendan, encontrámo-nos imensas vezes antes da gravação e ele nunca fez algo à nossa música que não tivesse a nossa permissão, nunca fez nada sem termos consciência disso. Sempre que ele tinha uma ideia mantivemos a mente aberta para a experimentar, algumas vezes funcionou, outras não. Foi a pessoa ideal que sentimos poder capturar sonicamente as nossas intenções com este aglomerado de música. Queríamos ter um som clássico de rock num álbum de Mastodon, se possível, e ele foi perfeito nesse trabalho. Não nos mudou sem a nossa autorização, encaixou-se perfeitamente e de forma democrática, e é um tipo impecável. Escolhemos o Brendan porque nos identificávamos em muitas bases comuns, as suas ideias e as nossas eram exactamente as mesmas. Tornámo-nos amigos e juntámo-nos várias vezes, então decidimos que havia a “química” perfeita com a qual trabalhar. Fomos para um estúdio, na nossa cidade, em Atlanta e foi muito divertido e fácil, nem nos sentíamos a gravar um álbum, parecia que estávamos apenas numa jam.

QUASE UMA JURA

Isso significa que gravaram em live take primeiro e depois adicionaram camadas nos arranjos?
Gravámos tudo ao mesmo tempo até termos a bateria pronta. Depois pegámos nos outros instrumentos e fizemos tudo pedaço por pedaço.

Hoje não vão tocar o álbum completo como têm feito durante esta digressão…
Não, o nosso set tem a duração de quarenta minutos apenas, mas estamos a planear voltar cá em Março ou Abril do próximo ano, para um concerto como headliners, para apresentarmos o “Crack The Skye” na sua totalidade. Estamos com a agenda repleta até Fevereiro, o próximo passo é marcar Março e Abril e tentar vir cá, nunca tivemos cá um concerto em nome próprio… Queremos fazer o set completo de “Crack The Skye” e depois um segundo set de cerca de quarenta e cinco minutos de material mais antigo. Temos uma parede de visuais que se enquadra com um imaginário psicadélico ajustado à música, também um teclista de sessão para replicar as sintetizações que estão no álbum. Enfim, um concerto apropriado de Mastodon, algo que temos tentado durante dez anos aqui e ainda não conseguimos. É quase uma jura que o faremos em Março ou Abril do próximo ano.

[Nota: Apesar das boas intenções, a banda só viria a Portugal em nome próprio, pela primeira vez, em 2012. Já com o álbum “Hunter” no bolso, rebentaram com o Coliseu dos Recreios. No player, em baixo, um bootleg front row com uma qualidade áudio porreirinha de um dos concertos de celebração do álbum.]