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ENTREVISTA | Patrick Watson: O Valor das Palavras, Acústico vs Electrónico e Sintetizadores Modulares

ENTREVISTA | Patrick Watson: O Valor das Palavras, Acústico vs Electrónico e Sintetizadores Modulares

António Maurício

Em conversa sobre o álbum “Wave”, o músico canadiano expressou a sua dedicação na composição de letras, as opções entre equipamentos acústicos entre electrónicos e a sua paixão por sintetizadores modulares.

Patrick Watson apanhava sol num dos espaços exteriores do hotel Florida, em Lisboa, quando o interrompemos para conversar sobre o seu novo álbum. Segurava um cigarro e respondia a mensagens no telemóvel em simultâneo, pedindo desculpas em seguida pelo tempo de espera.

Patrick editou “Wave” no dia 18 de Outubro e regressa a Portugal para dois concertos em Fevereiro de 2020 (Lisboa e Porto). Mostrou-se extremamente disponível para conversar e reflectiu sobre o valor das palavras, da música actual, comparou os mundos acústico e electrónico e mostrou-nos a sua obsessão com sintetizadores modulares. Estava reticente em confessar alguns segredos nos prés e micros, mas no final não se fez rogado. Lê a entrevista com Patrick Watson em baixo.

“Waves” foi editado no dia 18 de Outubro. Qual é o maior motivo de orgulho nesse trabalho?
Já não escrevia música há muito tempo… Neste álbum queria que cada palavra contasse. Existem imensos equipamentos com sons fixes, mas um bom som não significa nada se não tiver um significado. Posso estar a ouvir uma música e pensar «adoro esta sonoridade», mas não vou voltar a ouvi-la. Actualmente, estamos num mundo de produção, o que não é mau, é fantástico. Mas se olhares para todo o panorama musical, existem momentos em que a técnica musical se torna muito interessante e o mundo foca-se numa só técnica. Por exemplo, quando se começaram a cantar duas notas ao mesmo tempo, foi uma grande mudança! O pessoal estava a tentar diferentes técnicas de harmonia e estavam a acontecer muitas coisas fixes. Acontecem muitos acidentes felizes, mas as coisas que perduram no tempo são as que têm significado, o resto são apenas tentativas e erros. Nos últimos 10 anos, especialmente com a evolução do hip-hop, da construção de beats, da produção, etc., podes ter os sons mais fixes do mundo e a tua música não ter significado. Neste álbum fui muito consciente e queria que cada palavra contasse. Quando vi as minhas músicas evoluírem nos últimos 20 anos de carreira, apercebi-me que o valor das palavras é mais importante do que criar sons fantásticos.

Então podemos assumir que o novo álbum é mais focado nas letras do que nos instrumentais?
São ambos importantes, mas se não fores verdadeiro em todas as palavras, porque é que as pessoas devem ouvir? Para ser honesto, se o vocalista não estiver empenhado em transmitir o que está a dizer, se não tiver profundidade, não significa nada. Venho de um background instrumental antes de ser compositor de letras e precisamos de criar coisas novas, mas precisam de contar uma história. Temos o exemplo do Frank Ocean ou o Kendrick Lamar, estas pessoas contam histórias incríveis e a música também tem sonoridades incríveis! Mas eles não vingaram porque a música tem uma sonoridade espectacular, vingaram porque são pessoas poderosas e inspiram os outros. Frequentemente, no mundo da produção, as pessoas esquecem-se do elemento mais importante: o que é ser um músico. É absolutamente aí onde precisas de te focar. O engraçado é que se te concentrares no que estás a dizer, vais ter mais ideias experimentais. Ninguém no mundo tem as mesmas experiências que tu e se traduzires isso para a música, provavelmente, vais fazer algo que ninguém fez antes. Se seguires este método, vais sempre ser mais original. Se pensares «vou fazer o som mais inovador de sempre», vais acabar por copiar alguém. Se pensares «é assim que oiço as coisas e a minha experiência foi esta», tens mais probabilidades de produzir música com uma sonoridade única.

Como funciona o teu processo de composição? Não tens nenhuma referência?
Outra metodologia utilizada por compositores profissionais: estar sempre a escrever. Até quando estou numa entrevista, a falar, guardo informações ou ideias. Estou constantemente a guardar letras de música, em todos os momentos, 24 horas por dia. Não consegues escreves uma música porque paraste para pensar durante uma hora. Escreves uma música durante 6 meses. Não é uma coisa que te sentas a fazer, é um exercício que desempenhas todos os dias, durante todo o ano. É assim que consegues criar boas músicas. Nem sou um liricista assim tão bom, mas trabalho tanto que acaba por ficar bom. Não sou nada talentoso, sou muito melhor em melodia e som.

Há uma foto tua em que estás a segurar um megafone num concerto, para criares efeitos na voz. Qual foi a última técnica não-convencional que utilizaste para efeitos?
Quando comecei a ver cenas desse género, tipo pedais de guitarra não só para guitarras, havia um artista em Montreal que tocava numa banda de acid jazz e utilizava pedais na voz. A banda chamava-se Jazz Pharmacy e nunca foi muito famosa, mas o teclista cantava e utilizava imensos efeitos na voz . Vi-os quando era muito novo e tive sorte. Adorava sons e pensei: «também posso utilizar pedais na voz como instrumentos». Essa tradição de cantar assim surgiu dessa ideia. Ainda utilizo imensos pedais na minha voz. Actualmente, no mundo da música o auto-tune está em tudo! Algumas pessoas utilizam-no de forma muito inovadora. Gosto muito do James Blake, o rapaz do dark R&B, é um génio com o auto-tune. Às vezes, nem consegues perceber se o está a utilizar ou não. É uma das pessoas mais criativas com efeitos de voz.

Se utilizar algo electrónico como um bombo 808, não está na sala, sai directamente das colunas.

Qual foi o equipamento utilizado em “Wave”?
Há uma enorme conversa que podemos ter… O acústico contra o electrónico. As razões para utilizar o acústico ou o electrónico são muito diferentes. Podemos falar de equipamento o dia todo, mas há uma ideia lírica antes disso. Por exemplo, se gravar um piano, gravo numa sala. Essa sala faz parte da minha gravação. Se utilizar algo electrónico como um bombo 808, não está na sala, sai directamente das colunas. O ouvinte está directamente na sala onde o som está a acontecer. Antes disto, as pessoas ouviam a sala onde estava a acontecer, agora o som está a acontecer dentro da tua cabeça. As músicas electrónicas como o hip-hop ou algo nesse género, que acontecem num vácuo, dão-te a impressão que estão a acontecer na tua cabeça e no teu quarto. É um sentimento muito diferente na música. Se és um bom mixer e sabes trabalhar com as perspectivas, podes ter a pior caixa de ritmos do mundo e ter um bom som. Tens que pensar muito na mistura. Se tens a voz muito pesada na linha frontal e tens instrumentos nos lados, vais ter um determinado sentimento na mistura.

Também fazes todo o trabalho de mistura. Quais são as tuas técnicas ? Imaginas a tua música num carro, no quarto, etc.?
Se falares com qualquer mixer no mundo, vão todos dizer-te a mesma coisa. Tens que fazer a mistura para a própria música. Podes querer os graves a rebentar os altifalantes de um carro mas, um bom mixer mistura a música. Não pensa se vai ficar bem no carro. A não ser que seja uma mistura para discotecas. Nesse caso em especial, sabes que vai ter mais subs, a faixa vai ser utilizada numa pista de dança e também podes carregar mais nos graves. Isso é relevante, mas normalmente só misturas a música. [Neste momento, Patrick abre a galeria de fotografias no seu telemóvel] Quero mostrar-te os meus sintetizadores modulares. Vão mudar o jogo, vão começar a dominar tudo o que seja electrónico porque têm um som fantástico. Compras peça por peça e vais construindo. Nada soa melhor do que isto.

O público só quer que estejas a correr riscos em cima do palco.

Podes criar qualquer tipo de som, certo?
Sim, só não podes criar o mesmo som duas vezes. Podes fazer o patch de tantas maneiras diferentes…

Mas este tipo de equipamento é um desafio para concertos ao vivo…
É muito problemático. É equipamento para estúdio.

Como é que fazes para recriares os sons que crias nos sintetizadores modulares?
Se for percussão, envio o som para o Roland SPD-S. Se for algo melódico, meto no sampler em teclado, faço sample a cada nota, e acabo por construir um instrumento para a vida inteira. Mas também não faço espectáculos ao vivo para soar exactamente igual ao álbum. Nos espectáculos ao vivo tens que apresentar-te naturalmente e com sinceridade, quer seja para te mostrares em festa ou para seres quem és. É só isso que interessa ao vivo. Para ser honesto, posso fazer um concerto com um microfone ou com os melhores equipamentos disponíveis e não muda a percepção do público. Já fiz os dois e é muito frustrante não fazer diferença. Na realidade, o público só quer que estejas a correr riscos em cima do palco.

Vi-te a utilizar um OP-1 num vídeo do YouTube, em 2017. Ainda o utilizas?
O OP-1 é mais para jam. Já não o fazem e é um excelente equipamento, porque podes fazes imensas coisas. Continuo a acreditar que a caixa de ritmos do OP-1 tem o melhor pocket de sempre. Já comprei mais de 10 caixas de ritmos diferentes e o sequenciador no OP-1 dá uma tareia em todos os outros.

Não gosto de ter nada demasiado específico. Se pensas demasiado nos microfones perdes o take.

Deixa-me insistir. Consegues sumarizar o equipamento principal utilizado no álbum?
É uma palete muito simples de sons. Os sons mais loucos vêm todos do sintetizador modular que referi. Os samples de voz que aparecem modificados e cortados vêm do Nebula, que é um sampler com controlo de tempo e pitch. Depois adicionas um LFO louco, colocas as mãos no ar e o aparelho vai criar sons absurdos durante uma hora. Gravas durante essa hora e depois seleccionas os teus momentos favoritos. Todos os sons graves vêm do Verbos no modulador. Os músicos que me acompanham são extremamente bons. Podes literalmente colocar um microfone dos mais baratos à frente deles e continuam a soar bem. Os meus preamps são muito simples, existem muitos Neve Remix ou Remix de preamps e nunca compro nada disso. Tenho poucos, mas tenho os melhores. Tenho dois Neve, um API de oito canais e um Millenia de oito canais. Esses são os três clássicos para preamps. O API para potência, Neve para dar cor e o Millenia para ser certinho. Todo o meu equipamento é muito prático e pode ser utilizado em diferentes situações. Não gosto de ter nada demasiado específico. Se pensas demasiado nos microfones perdes o take. A minha configuração é mais “plug and play”, se me lembrar de algo só tenho que carregar em gravar. Nos microfones é a mesma mentalidade, utilizo AKG 414. Os velhos. Os novos têm um péssimo som e ninguém deveria comprar esses microfones. Utilizo Coles Ribbon na bateria, são clássicos e os sons agudos não chateiam. Se quiseres um break, não tens ruído. Na voz, tenho um microfone muito estranho que teoricamente não devia funcionar, mas funciona. É o Neumann 149, um microfone incrivelmente nasal e vivo que, normalmente, tem um som demasiado vivo. Comprei e não gostei nada, então acabei por abandoná-lo no estúdio durante cinco anos. Mas fumo no meu estúdio e o fumo do tabaco começou a entrar na cápsula. Cinco anos depois de o ter comprado, ia utilizá-lo e todo o top end estava escuro e depois tornou-se no melhor microfone do mundo.

O som mudou assim tanto?
Agora soa com um velho Neumann, é muito sombrio e estranho. Basicamente, rebentei com o microfone e nem posso substituir a cápsula porque é especial e tem um som único.

Há algum equipamento especial que queiras comprar?
Gostava de ter um Celeste, aquele piano com sinos, de 30mil dólares. Também gostava de um Oberheim clássico. Vai ser a minha próxima grande compra.

E nada de pedais?
Actualmente, os pedais de guitarra são um mercado totalmente inundado. São milhares. O problema é que parecem todos muito fixes, mas só três ou quatro é que são fantásticos. Devem existir mais, mas há muita porcaria no mercado, por isso é difícil encontrar os clássicos. Um dos melhores pedais de delay de todos os tempos é o DD-3 da Boss. Tinha um da Strymon, com duas definições e muita gente utilizou esse durante uns tempos, mas é demasiado profundo, principalmente para concertos ao vivo. O DD-3 tem um som fantástico. Acho que a Strymon faz óptimos pedais de reverb. Há 10 anos atrás, o Kid Koala era um dos melhores scratchers no mundo e tinha um pedal de glitch que nunca consegui encontrar. Foram feitos dez para o mundo inteiro. Andei sempre à procura de um bom pedal de glitch para desconstruir o som e colocá-lo em loop e continuo a sonhar com esse pedal do Kid Koala