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Bryan Adams, Directamente do Coração

Bryan Adams, Directamente do Coração

2019-12-06, Altice Arena, Lisboa
Nero
Nuno Cruz
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O Stratomaster Keith Scott e Bryan Adams, o Rei do AOR no Trono de Lisboa. A Altice Arena, há muito esgotada, assistiu a um concerto inesquecível, composto por uma interminável lista de simples e grandes canções.

O Bryan Adams sempre foi um gajo simples. Jeans, t-shirt preta, guitarra e grandes canções. Caramba, mesmo as menos inspiradas são como um narcótico emocional com um tremendo coice. Os seus maiores clássicos então, farão aqueles que esgotaram a Altice Arena transbordar de comoção, alegria e felicidade. E o canadiano possui duas mãos cheias de grandes clássicos que farão o público sentir-se como se estivesse na sua “última noite na terra”…

Pun intended. “The Last Night On Earth” abre o concerto. O palco reflecte a personalidade do protagonista. Despido de aparato, com iluminação apenas suficiente para ser eficaz, e cinco músicos que terão uma performance extraordinária, concentrando todas as atenções sobre si. “Tonight” é a primeira cápsula de nostalgia de uma carreira de 40 anos que avança rapidamente dez anos, até 1991, e ao álbum “Waking Up The Neighbours”, com “Can’t Stop This Thing We Started”.

E, precisamente, sem parar surge o primeiro mega tema. “Run To You” coloca a Arena em polvorosa. O som das Stratocasters de Bryan Adams e Keith Scott está divinal nos médios, com uma articulação, definição, brilho e ataque divinais. O baixo e a bateria ainda não estão muito equilibrados, mas o som segue outra regra tão simples quanto eficaz num concerto de rock, imenso volume! Old school is the best school!

Antes de “Shine A Light”, tema que dá o mote a esta digressão, Bryan Adams aproveita para se dirigir pela primeira vez a Lisboa. Arranha o seu português para se confessar feliz por regressar. “Shine A Light”, o décimo quarto álbum do músico, foi editado em Março e a title-track foi escrita em conjunto com Ed Sheeran. «Conheci o Ed em Dublin, num dos seus espectáculos e mantivemos contacto. Um dia enviei­‐lhe um refrão que tinha para uma canção à qual chamei “Shine A Light” e perguntei se ele queria colaborar. Recebi de volta alguns versos… Vocês deviam ouvi-­lo a cantar aquilo!», confessou Adams na altura da edição. Ed Sheeran não está presente, mas o público reage efusivamente, de qualquer forma. No último refrão, a Arena é revestida com as lanternas de milhares de telemóveis produzindo uma imagem cativante, talvez mais poderosa do que os isqueiros eram capazes de fazer e, ainda que por momentos, desobstruindo-nos a visão de milhares de centenas de ecrãs que conservam memórias digitais (que serão apagadas quando for necessário preservar espaço no telefone). Sinais dos tempos.

Outra colaboração entusiasmante nesta tour é a parceria de Bryan Adams com o operador logístico DHL. Juntos, comprometeram-se a plantar uma árvore por cada bilhete vendido para os concertos de toda a digressão. «Esta parceria com a DHL tem uma importante mensagem ambiental. Espero que esta mensagem seja replicada em outras parcerias como esta porque nós humanos precisamos de fazer o máximo possível para cuidar do planeta», anunciou em voz-off Bryan Adams, antes do concerto, a propósito desta parceria.

Nova viagem ao mais significativo álbum de Bryan Adams, “Reckless”, de 1984. “Heaven” inicia ao piano e com um gigantesco coro (mais feminino) entoado pela Arena. Tremendo tema que não envelhece. A voz de Bryan sim. Mas envelheceu bem. Vai perdendo aquela “rouquidão” característica, mas mantém-se perfeita (perfeita, mesmo) nas notas. Quem também envelhece como o bom vinho do Porto é Keith Scott. Que solo em “Heaven”! Tudo aquilo que deve ser um solo de guitarra numa power ballad: imediato, simples e cheio de cativantes melodias em escala maior, misturados com um cheirinho de blues.

GUITARRAS

Bryan Adams e Keith Scott usaram poucas, mas marcantes guitarras. Bryan Adams usou uma Martin D-18 nos momentos acústicos e usou mais vezes a sua estimada Gibson ES-295. Nos momentos mais blues rock, como “Go Down Rockin’”, essa que é a guitarra favorita do cantor, cruzou-se com a Gibson Les Paul dourada de Keith Scott, um modelo Custom Shop Deluxe, de 1992, com humbuckers tipo Sheptone PAF. A qualidade de som no concerto, e particularmente do som das guitarras, permite saborear distintamente as diferentes nuances características dos instrumentos. Sinceramente, só ouvimos um melhor som de guitarra na Arena uma vez, com Pete Townshend e os The Who, em 2007.

Bryan Adams foi também usando uma Stratocaster, nomeadamente nos temas da era entre “Cuts Like A Knife” e “Waking Up The Neighbours”. Onde se juntava à Strat escavacada de Keith Scott. Uma Fender Stratocaster de 1963 em Sunburst, ligeiramente modificada com um pick up de bobinagem invertida na posição do meio (para cancelar o ruído do circuito dos single-coils originais). A ponte tremolo está um pouco mais solta que o normal – dessa forma Scott pode subir uma nota inteira quando a puxa ao máximo.

Quando ambos os músicos usavam as Strats, como em “It’s Only Love”, surgia nitidamente o som clássico que tornou distinta a música de Bryan Adams. A Stratocaster é o coração dessas canções. E Scott é um autêntico Stratomaster. O shredding no solo alargado dessa clássica canção, originalmente gravada em dueto com Tina Turner, prova que Keith Scott é um dos guitarristas mais subvalorizados que existem. Talvez por nunca se ter assumido claramente como um rocker durão, passa sempre despercebido nas listas de grandes nomes da guitarra eléctrica, mas a verdade é que Keith Scott é um monstro a tocar. Chega a ser criminoso o ostracismo a que Keith Scott é votado, um guitarrista que é exímio em todos os aspectos da guitarra eléctrica, som/timbre, dinâmica, tempo, picking, limpo, versátil, rápido…

Até em “Have You Ever Loved A Woman?”, Keith imita bem os tiques dinâmicos de Paco de Lucía. Que saudade bateu ao ver o Mago do Flamenco nas projecções de vídeo. A sua mãe era portuguesa, sabiam? Dona Lúcia Gomes, uma raiana de Castro Marim. Já agora, antes ouviu-se “You Belong To Me”. Tema do álbum de 2015, “Get Up”, no qual Bryan Adams trabalhou com Nuno Fernandes. Natural de Lisboa, o engenheiro de som foi responsável pelas gravações dos temas acústicos integrados nesse álbum.

CARISMA

“Here I Am” é interpretada apenas com a Martin e os pianos de Gary Breit. E depois, em “When You’re Gone”, Bryan ficou sozinho pela primeira vez em palco, exalando um imenso carisma, sendo capaz de, apenas com um viola e uma canção, meter a sala inteira de pé num enorme estado de euforia.

A meio desse êxtase, surge aquela que é uma das melhores power ballads de sempre, “(Everything I Do) I Do It For You”, pena ter sido a versão curta, mas a avalanche de canções com que Lisboa foi inundada compensou largamente este facto. Afinal, ainda estávamos, basicamente, a meio do concerto. A partir daqui, também a bateria de Mickey Curry e o baixo de Solomon Walker passaram a soar com o equilíbrio das guitarras. Coice sonoro e polvorosa na audiência fizeram até canções menos inspiradas, vá, como são “Back To You” e “The Only Things That Looks Good On Me Is You”, soar com a mesma pujança emocional do clássico “Cuts Like A Knife”, canção que nos mostrou uma performance triunfal da banda e do Rei do AOR,  ou da emblemática “18 ‘Till I Die”.

O medley de “discos pedidos” deu-nos “Do You Have To Say The Words?”, “The Best Of Me”, “Christmas Time” e “Please Forgive Me”. Alguém pediu “Rebel”, tema de “Into The Fire”, álbum de 1987, mas a banda não conseguiu tirar essa canção do bolso. Keith Scott ainda arranhou o riff de “Rebel, Rebel” (clássico malhão de David Bowie), mas a brincadeira terá passado despercebida à grande maioria do público. O que não deixou uma única pessoa indiferente foi o hino maior do canadiano. Não é necessário descrever o banzé gerado por “Summer Of ’69″…

O encore trouxe a banda de volta para o “Somebody” e para uma cativante cover de “I Fought The Law”, original dos Cricketts, escrito por Sonny Curtis quando este entrou para a banda que a morte de Buddy Holly deixara orfã. Foi um dos nossos momentos favoritos.

Então seguiu-se o último encore, a parte final do concerto. Bryan Adams ficou sozinho em palco e conversou com Lisboa. Os ecrãs mostraram uma galeria com fotos dos anos, entre 1966 e 70, em que viveu no nosso país. A praia do Guincho, a sua escola em Oeiras, os seus colegas e professores e, por fim, as suas filhas nessa praia onde Bryan passou tantos dias na sua infância. Emocionado, exorta: «Portugal, precisam de saber que estão no meu coração». Sozinho, com a Martin D-18 e uma harmónica, directamente do coração, canta “Straight From The Heart”. Depois, a última canção da trilogia cinematográfica que escreveu com Michael Kamen, “All For Love”, em momentos sem qualquer acompanhamento instrumental, puramente a cappella. Um gajo simples, canções simples. Antes de partir de vez, despediu-se com “Remember” e “Let’s Make A Night To Remember”.

Não nos parece que alguém se vá esquecer deste concerto tão cedo…

SETLIST

  • The Last Night on Earth Tonight Can’t Stop This Thing We Started Run to You Shine a Light Heaven Go Down Rockin’ It’s Only Love Cloud #9 You Belong to Me Have You Ever Really Loved a Woman? Here I Am When You’re Gone (Everything I Do) I Do It for You Back to You The Only Thing That Looks Good on Me Is You Cuts Like a Knife 18 til I Die Do I Have to Say the Words? The Best of Me Christmas Time Please Forgive Me Summer of ’69 Somebody I Fought the Law Straight From the Heart All for Love Remember Let’s Make a Night to Remember