A intensidade e potência do dia 8 foi rematada com fusão jazz e com a batida dançável de Fever Ray, ao final da noite.
Quando sabemos que o dia vai ser intenso, temos que programar um final tranquilo para balançar o espírito. Com três actuações de alta intensidade e energia, entregues por IDLES, Shellac e Vince Staples, a escolha em ouvir as fusões multi-géneros de Thundercat sobre o luar foi natural. Vive ou revive o dia 8 de Junho no NOS Primevara Sound, com as reviews que destacamos.
IDLES
Quem conhece a música dos IDLES sabe que, apesar da agressividade evidente à primeira vista, os seus sentimentos são bondosos. Os instrumentais são rápidos, selvagens e poderosos e as letras atacam todos aqueles que apresentam uma ameaça ao bom funcionamento da sociedade. O microfone é a arma predilecta do vocalista Joe Talbot, que salta, corre, deita-se, cospe e abana a cabeça por todo o lado. Se este homem esteve sossegado 1 minuto, foi muito. Mas esta energia infinita não é singular, toda a banda tem este comportamento. Os guitarristas e o baixista não param de se movimentar enquanto tocam… Até o baterista, Jon Beavis (que sentado não tem muito espaço de manobra), dá-nos uma sensação de inquietação, através de inúmeras pancadas na baterias com uma velocidade e força aterradora. Tão aterradora que as pancadas na tarola acabaram por danificar o suporte. Um monstro na percussão.
O sentido punk esteve definitivamente assinado neste concerto, mas o lado cómico, característico desta banda inglesa também. Aproximadamente na metade do concerto, a voz grave e áspera de Joe Talbot começou a deambular pela “All I Want For Christmas Is You” de Mariah Carey. Um momento aleatório que, ironicamente, divertiu a multidão. Logo em seguida, claro, a destruição da bateria e os movimentos rápidos nas guitarras e baixo voltaram em força. A setlist foi principalmente constituída pelo álbum “Brutalism”, onde as faixas “Mother”, “1049 Gotho”e “Well Done” encontram ainda mais força e pujança no palco NOS. Sem esquecer o iminente “Joy as an Act of Resistance”, presentearam a plateia com as novíssimas “Danny Nedelko” e “Samaritans”. Na despedida, Joe expressou um “Obrigado”, um “Merci”, um “Gracias”, etc… O desprezo pelo convencionalismo é apelativo e funciona em perfeita união com o som. Queremos mais uma dose desta energia e intensidade nos concertos em Lisboa e no Porto, em Novembro.



SHELLAC
Com o som mais pesado e simultaneamente mais simplificado do dia, o trio de guitarra, baixo e bateria veio causar estragos. Steve Albini (guitarra, voz), Bob Weston (baixo, voz) e Todd Trainer (bateria, voz) providenciaram um concerto hipnótico, composto por riffs cativantes e atitudes imprevisíveis no palco Super Bock. Num momento, Steve critica o transporte aéreo actual (enquanto Bob Weston permanecia num só pé, em posição avião), noutro momento, Steve toca “Wingwalker” com os dentes entre as cordas da guitarra eléctrica. A sonoridade é dura, insiste em riffs pegajosos e explode quando não aguenta mais.
Durante a reprodução de “End of Radio”, Todd Trainer pegou na tarola, passeou-a pelo palco, foi ao backstage e voltou até ao centro do palco com o instrumento na mão para focar toda a atenção nos próximos batuques: «Este microfone, transforma uma tarola em electricidade…», evocava Steve. Com toda a atenção do público, Todd cuspiu toda a água que tinha na boca (guardou-a depois de ir ao backstage) para cima da tarola e logo em seguida utilizou as baquetas com violência. Após tudo isto, voltou ao seu lugar e entrou no drop da música. São momentos como este que definem o set de Shellac. A música minimalista entra em sintonia com momentos insólitos e com as letras banhadas em críticas sociais, frequentemente largadas em formato de prosa, de conversa. Malhas como “Dude Incredible”, “Steady as She Goes” ou “Compliant”, estiveram presentes.
A magnífica e sovada Travis Bean TB500 (um modelo de primeira geração) de Albini é sempre um dos pontos altos de cada Primavera Sound.


VINCE STAPLES
Vince Staples entrou em palco com toda a confiança do mundo: calmo, seguro e de cabeça erguida. Atrás dele, o visor de palco gigante projectava inúmeros ecrãs de televisão que, durante toda a actuação, apresentaram vídeos (ora reais, ora virtuais) que se interligavam com as letras das músicas. Este aspecto visual foi um excelente complemento, porque criou um ambiente tenso e urgente que fortalecia as mensagens do rapper da Califórnia. Por exemplo, em “Señorita”, que retrata a violência na América, as imagens de vídeos virais entravam em choque com o refrão e os versos. Já em “Big Fish”, a estética foi outra. As televisões juntaram todos os seus visores num só e criaram um enorme aquário virtual, que simbolizou o domínio dos peixes grandes sobre os mais pequenos, evocando o álbum de 2017, “Big Fish Theory”.
E o som? Num concerto de hip-hop, a boa projecção e a definição de voz entre a mistura dos instrumentais é essencial. Neste caso estava impecável. A voz atingiu o volume certo e todas as palavras que saíram das colunas foram filtradas de modo absolutamente claro. Focado no recente álbum “Big Fish Theory”, Vince saltou e motivou a plateia a saltar com ele durante as faixas revestidas por uma produção mais electrónica, como “BagBak” ou “Homage”. Exibiu o seu lado mais sensível (sem abdicar dos seus traços mais niilistas) em “745” e criou mosh pits caóticos no final, com “Blue Suede” e “Yeah Right”. Quando os pés de Vince começavam a saltar progressivamente do chão e a voz ficava mais agressiva, sentíamos um instinto em saltar também. Um líder nato.
THUNDERCAT
Um dos melhores baixistas a passar pelo festival inteiro, Thundercat segurou o seu baixo de assinatura, o monstruoso seis cordas Ibanez TCB1006, durante toda a actuação. Por baixo de um céu estrelado, o concerto no palco Pitchfork começou com uma super-jam entre o baixista, baterista e teclista. Na terceira música, mergulhou dentro dos instrumentais que revelam parcialmente uma influência de Miles Davis, mas em esteróides ou, pelo menos, na fase “Bitches Brew”. «Esta música também é sobre o meu gato!», expressa em tom sorridente antes de “A Fan’s Mail (Tron Song Suite II)” e depois de “Tron Song”, ambas sobre o seu amado gato Tron (nome completo: Turbo Tron over 9000 baby Jesus Sally).
Com arranjos mais desenvolvidos e extensos, em relação às versões de estúdio do recente álbum “Drunk” – trabalho que sustentou a performance nocturna, os solos foram constantes e a interactividade com o teclado e bateria bem temporizados. A pergunta «Alguém aqui joga videojogos?» recebeu uma resposta grande o suficiente para surpreender o artista, que seguiu a vibração da plateia com “Friend Zone”, carregada de referências a “Mortal Kombat” e “Diablo”. Guardando o melhor até à recta final, concluiu o trabalho com “Them Changes”, a faixa mais reconhecida (ou popular). O jazz ainda tem muito para oferecer, pelo menos o de Thundercat.


FEVER RAY
Fever Ray era um dos concertos que mais esperávamos ver, não fosse “Plunge” um dos álbuns que mais gostámos de ouvir em 2017. 6 mulheres. 6 personagens. Um concerto super cénico, divertido, sexual e satírico. Maryam e a musculada Helena são as duas vozes que acompanham Karin, e que por vezes acabam mesmo por ofuscá-la, são mais efusivas, mais provocadoras, mais excêntricas. Mas aqui o que interessa é o todo e não a parte. E esse todo é fantástico.
Ao vivo o som de Fever Ray apresenta-se mais festivo, mais “quente”, menos “frio”, mais latino, menos nórdico e tudo por causa das percussões de Lili. Só alguém sem nenhum sentido rítmico ficava parado ao ouvir “IDK About You”, “I’m Not Done” ou até mesmo “Wanna Sip” ou “An Itch”. Mais calmos, incisivos, arrepiantes “Red Trails”, “Mustn’t Hurry” ou “If I Had a Heart”. Estas skjaldmö electrónicas deram dos concertos mais memoráveis desta edição. Aguardamos uma nova vinda “das” Fever Ray a Portugal. Estamos a fazer figas para não demorar muito.




