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EVIL LIVE | Pantera, Power Is Power

EVIL LIVE | Pantera, Power Is Power

2023-06-28, Altice Arena
Nero
Inês Barrau
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Após seis meses na estrada, esta reencarnação dos Pantera apresentou-se em Lisboa, na primeira edição do Evil Live Festival, com uma química explosiva entre os músicos. Química essa que resultou numa tremenda demonstração de poder e na força bruta do legado de Vinnie Paul e Dimebag Darrell.

Os Pantera separaram-se após a digressão de suporte ao álbum “Reiventing The Steel”, de 2000. Todavia, era desejo de Dimebag colocar um ponto final no feudo com Phil Anselmo. Pelo menos, Daryl Arnberger (videógrafo de Pantera/Damageplan) afirmou que o músico lhe confessou esta vontade, uma vez que não estava plenamente satisfeito com os Damageplan, onde tocava com o seu irmão Vinnie Paul.

Arnberger falou nesta vontade no Landry.audio podcast: «A última vez que o vi foi em Novembro de 2004. Passei por sua casa. Falámos brevemente sobre muitas coisas. Ele referiu que iam sair em digressão [com os Damageplan] em Dezembro e que nos tornaríamos a ver no Natal e tudo isso. Depois disse-me ‘Vamos ter novidades. E não vai ser isto. Custe o que custar, vamos juntar a malta e fazer as coisas como deve ser’». Acabou por ser nessa digressão que Dimebag foi assassinado. Arbenger prosseguiu afirmando que Dimebag lhe disse que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para que os Pantera regressassem. Que o shredder estava algo saturado com o que os Damageplan estavam a fazer na altura e ambicionava reunir a antiga banda. Mesmo que, de acordo com o mesmo interlocutor, Dimebag não acreditasse que «o outro pessoal [dos Damageplan] visse essa decisão com bons olhos», ele não sentia a mesma magia que quando tocava com Phil Anselmo e Rex Brown.

Até à data da sua morte, em 2018, Vinnie manteve-se de costas voltadas para o seu antigo vocalista. O falecido baterista sempre considerou Anselmo indirectamente culpado pela morte do seu irmão. Mas os rumores de uma reunião dos Pantera já vinham desde 2014, durante uma digressão dos Down e Black Label Society em que Anselmo se juntava regularmente à banda de Zakk Wylde para tocar “I’m Broken”, clássico dos texanos. A intensidade dos rumores aumentou nessa mesma digressão quando, na passagem pelo Texas, Rex Brown se juntou à jam. Em 2019, numa entrevista com o canal chileno Humo Negro, Philip Anselmo foi pela enésima vez questionado sobre os Pantera e sobre tocar vários temas da lendária banda nos seus concertos a solo em Philip H. Anselmo & The Illegals. O antigo frontman dos texanos revelou que incluir esses clássicos na setlist era a última coisa que lhe passava pela cabeça. Então a morte de Vinnie Paul Abbott mudou tudo…

«Antes de tudo acontecer, isso era a última coisa a passar-me pela cabeça, tocar canções dos Pantera. Preparámo-nos para fazer algumas datas de death metal com os The Illegals – em espaços pequenos – e então o Vince morreu. E então foi, tipo, ‘foda-se’. As coisas ganharam outra dimensão. As pessoas começaram a pedir ‘Pantera, Pantera, Pantera’. Então perguntei à minha banda o que pensavam sobre isso e a resposta foi: ‘Vamos tentar’. Ao ver o progresso vi que era uma coisa boa; eles tocam as canções muito bem. Quero dizer, tivemos cerca de uma semana para ficar prontos para tudo. A cada concerto fomos melhorando».

F*da-se, Porque Não?

Anselmo referia que a maior gratificação que obtém ao tocar Pantera nos concertos é ver o seu impacto numa nova geração. «É por isso que o fazemos – para os mais novos. Bom, também para quem cresceu a ouvir. Pelos vistos sou antigo quanto baste para tocar para cinquentões e adolescentes. É uma óptima sensação. Especialmente ver esse sangue novo – gente que nunca teve a oportunidade de ver Pantera. Agora podem ver estas canções serem tocadas ao vivo. É ume energia tremenda». Nesse contexto, questionado sobre se consideraria juntar-se a Rex Brown, baixista dos Pantera, para uma digressão, Anselmo replicou estar aberto a tudo. «Eu e o Rex estamos em contacto e falamos. Somos amigos e está tudo numa boa. Portanto, mantenho a mente aberta. Aguardemos o futuro».

Até aí, tudo se tratava de um rumor com alguma maturação, até porque Zakk Wylde, que era amigo íntimo de Dimebag Darrell, já manifestara abertura para assumir o papel do falecido guitarrista. Uma solução que também mereceu a atenção de Anselmo, que admitiu já ter falado sobre essa possibilidade com o shredder: «O Zakk é um tipo ocupado. Tem a sua própria banda, faz cenas com o Ozzy e tudo isso. Falámos nisso, pelo menos uma vez. E creio que todos – toda a gente – está… Bem, está como eu. A manter a mente aberta. Veremos». Uma coisa parecia ser uma certeza para Philip Anselmo, encetar essa aventura implicaria muito, muito trabalho. «Sei pela trabalheira que passei com os The Illegals ,para fazer as músicas soarem como é suposto, que todos nós teríamos que tirar algum tempo e ensaiar a sério em conjunto para aperfeiçoar tudo. É uma carga de trabalho. E neste momento estou com muitas bandas. Mas se tudo se alinhasse era algo que faria, de certeza. Foda-se! Porque não?»

As coisas alinharam-se, de facto. Brown e Anselmo assinaram um acordo de digressão e elegeram, precisamente, Zakk Wylde e Charlie Benante para os lugares dos irmãos Abbott. As datas foram sendo confirmadas e Lisboa não ficou fora da rota. Apoiada num alinhamento cheio de clássicos, a primeira noite do Evil Live Festival foi uma oportunidade tremenda para que, tanto a velha guarda como toda uma geração de fãs, testemunhassem ao vivo a força dos riffs e do groove de temas incontornáveis da história do metal, como “Cowboys From Hell”, “A New Level” ou “Walk”, com esta última a somar já mais de 200 milhões de streamings só no Spotify, ou não se estivesse a falar de uma das maiores bandas de metal de todos os tempos.

Primeiro Estranha-se, Depois Entranha-se

É preciso salientar que, por mais que se tenham visto bootlegs e lido artigos a respeito da reformulação dos Pantera e por maior respeito que Benante e Wylde evocassem à partida, foi ainda assim um tremendo choque olhar para o palco e não ver Vinnie Paul Abbott na bateria e, principalmente, Dimebag na guitarra. Os desequilíbrios sonoros em “A New Level”, tema que abriu a noite, e depois alguma descoordenação de Grady Champion (o guitar tech de Dimebag que acompanha a tour) e Zakk Wylde em “Mouth For War” e “Becoming” – temas onde, tal como fazia com Dimebag, é Champion a puxar o pitch do Whammy – aumentavam a sensação de estranheza. Era Pantera, mas não era Pantera. Mas as coisas começaram a entranhar-se com um dos melhores riffs de sempre que, até parece ter sido feito à medida de Zakk Wylde: “I’m Broken”.

Benante e Wylde fazem as malhas soar menos com aquele subjacente e perturbante guincho eléctrico do som clássico dos Pantera, mas o corpo harmónico aparentemente mais denso que se ouviu neste concerto teve um efeito igualmente demolidor. De resto, nos temas mais rápidos e com menos espaço dinâmico para os instrumentos serviam para limitar a individualidade inerente a cada músico e salientar a força unitária das canções, como foi exemplo “Suicide Note 2”, “Yesterday Don’t Mean Shit” ou “Fucking Hostile”, mais à frente. Ao mesmo tempo, os solosss desse tema levam-nos à pergunta que os que não estiveram no concerto ou aqueles que nunca viram Dimebag Darrell tocar ao vivo estarão por esta altura a fazer: afinal, quão diferentes são Wylde e Dimebag?

Ainda assim, talvez Dimebag fosse um pouco mais fluído e descontraído, enquanto Zakk soa mais fechado e com uma velocidade que, devido a um som com mais efeitos, parece mais enclausurada.

Dois guitarristas nunca soarão iguais, mesmo usando exactamente o mesmo rig, além disso, Wylde não tem a vantagem de ter solado nestas malhas durante toda a sua vida ou de ter tido ganchos melódicos tão fortes aos quais se agarrar como sucedeu na colagem que teve que fazer, por exemplo aos solos de Randy Rhoads, quando passou a tocar com Ozzy. Ainda assim, talvez Dimebag fosse um pouco mais fluído e descontraído, enquanto Zakk soa mais fechado e com uma velocidade que, devido a um som com mais efeitos, parece mais enclausurada. Depois, Zakk Wylde nunca foi um guitarrista de tremolo e divebombs, ao contrário do seu malogrado amigo, e estes saem-lhe de forma menos natural e pronunciada. De qualquer forma, tendo sido um auto-didacta puro, Dimebag soou sempre mais “selvagem”. Nos riffs, como tão bem exemplificou “5 Minutes Alone”, logo a seguir, não se notam tanto as idiossincrasias de cada um deles, afinal ambos possuem uma mão bem pesada e um swing semelhante nos slides de afinação em drop D (ou drop C#).

Breakdown

Certo é que os malhões dos Pantera possuem um vigor que é imune a tudo isto. A dimensão da dicotómica “This Love” e da fúria explosiva das já referidas “Yesterday Don’t Mean Shit” e “Fucking Hostile” foram mais que suficientes para colocar a Altice Arena em polvorosa e num estado febril exponencial, quebrando progressivamente as resistências de todos que pudessem persistir. É sempre manhoso julgar as coisas por vídeos amadores no YouTube, mas parece ter ficado claro como a química da banda aumentou com a rodagem e com a crescente aceitação dos fãs ao longo de uma digressão que se despediu da Europa em Lisboa. Pelo menos para já, pois Phil Anselmo deixou no ar a promessa de que as coisas não vão ficar por aqui. Estes são os melhores Pantera que poderiam existir agora. Este é um digno tributo ao legado dos irmãos Abbott, que esteve exposto na reprodução de “Cemetery Gates” que, enquanto a banda saiu de palco, foi ilustrada com fotografias dos famigerados músicos texanos.

Uma vez mais, havia quem estivesse reticente no início do concerto (mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa), essa sensação passou a desespero por ver que as coisas estavam rapidamente a aproximar-se do final quando começaram a soar os lisérgicos dedilhados de “Planet Caravan”. O bloco massivo de electricidade, groove e força bruta que se seguiu foi absolutamente épico.

Vamos por partes: “Walk”, o riff mais retorcido que o Diabo alguma vez amassou, trouxe Wolfgang Van Halen (o Mr. Van Halen, como se lhe refriu Anselmo) e Max Cavalera e Mike DeLeon (guitarrista de Soulfly) para palco. Não podia ter sido tudo isto mais simbólico, afinal Dimebag Darrel era fanático por Eddie Van Halen e foi sepultado com aquele que, para si, era o seu maior tesouro, a Bumblebee original. Quanto a Max Cavalera, há alguns meses atrás mostrara-se algo dividido a respeito desta reunião dos Pantera. Ora, a avaliar pela felicidade que patenteou no rosto, terá ficado tão convencido como qualquer fã ali presente.

De rajada, “Domination/ Hollow” e aquele que, disparado a seguir ao primeiro solo, é o maior quebra-ossos de breakdown de sempre. A sério, se ouvi-lo não vos mete a dobrar a espinha e a abanar a cabeça, como se quisessem ver-se livres dela, como se estivessem possuídos pelo Legião, talvez mereçam que os Coldplay esgotem mais cinco ou seis dias o estádio da vossa cidade.

De rajada, “Domination/ Hollow” e aquele que, disparado a seguir ao primeiro solo, é o maior quebra-ossos de breakdown de sempre. A sério, se ouvi-lo não vos mete a dobrar a espinha e a abanar a cabeça, como se quisessem ver-se livres dela, como se estivessem possuídos pelo Legião, talvez mereçam que os Coldplay esgotem mais cinco ou seis dias o estádio da vossa cidade. Se ficaram com um torcicolo ou com cicatrizes da rebaldaria que foi o mosh/circle pit, então parabéns, são autênticos “Cowboys From Hell”!

SETLIST

  • A New Level
    Mouth for War
    Strength Beyond Strength
    Becoming
    I’m Broken
    Suicide Note Pt. II
    5 Minutes Alone
    This Love
    Yesterday Don’t Mean Shit
    Fucking Hostile
    Cemetery Gates
    Planet Caravan
    Walk
    Domination / Hollow
    Cowboys From Hell