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Rammstein em Lisboa, Fahrenheit 666

Rammstein em Lisboa, Fahrenheit 666

2023-06-26, Estádio da Luz, Lisboa
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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Após uma ausência prolongada de 10 anos, os Rammstein regressaram a Lisboa para atear o “Inferno da Luz”. Numa produção megalómana, a banda germânica brindou-nos com uma Gesamtkunstwerk (obra de arte total) pautada por stunts dignos de Hollywood, piromania a jorros e grandes hinos da Neue Deutsche Härte.

No século XIX, o compositor alemão Richard Wagner associou-se a um novo conceito estético que começava a surgir na Alemanha, a Gesamtkunstwerk (obra de arte total). Este era um termo que defendia uma expressão artística que articulava de forma harmoniosa a música, o drama, a dança e as artes plásticas. Para além destes aspetos, Wagner também acreditava que a imersão do público no espetáculo era extremamente importante para a conceção dessa ideia de obra de total, e foi por isso que quando criou o seu próprio teatro na cidade de Bayreuth, este se apresentou como revolucionário à época. Aspetos como o escurecimento da sala, o uso de efeitos sonoros ou o reposicionamento das cadeiras para focar a atenção do público no palco podem parecer algo naturais nas produções de hoje em dia, mas foi Wagner quem teve essa visão de fazer com que a ida a um espetáculo passasse de um mero momento de lazer para uma experiência imersiva.

Fast foward para 2023, e podemos, com toda a certeza, afirmar que também os espetáculos dos Rammstein se enquadram neste conceito de obra de arte total desenvolvido por Wagner. Mas nem sempre foi assim…

Os Rammstein, com a formação que conhecemos até hoje, tiveram a sua génese em 1993, como um projeto paralelo, quando o teclista Christian “Flake” Lorenz, o baterista Christoph Schneider e o guitarrista Paul Landers, na altura da banda Feeling B, conheceram e começaram a fazer jams com o guitarrista Richard Kruspe, o baixista Olivier Riedel e o vocalista Till Lindemann. Dessas jams acabaria por sair “Ramstein”, uma faixa sobre o desastre aéreo de 1988 que aconteceu nessa cidade alemã e onde 70 pessoas morreram depois da colisão de dois aviões. Rapidamente a banda, ainda sem nome, acabaria por ficar conhecida como “a banda com a música “Ramstein””. O termo pegou e a banda passou a adotar essa nomenclatura, acrescentado apenas mais um “m” à palavra. Apesar de já terem a visão de um espetáculo grandioso e com efeitos especiais, as primeiras atuações dos Rammstein foram ainda algo simplistas, contudo a experimentação com pirotecnia nos seus concertos começou a surgir em festas de ano novo quando decidiram utilizar pela primeira vez fogo de artifício. Escusado será dizer que o bichinho começou a crescer a partir daí… até se criar num “monstro”.

A MÚSICA É FOGO DE ARTIFÍCIO!

Para o concerto de 26 de Junho, no Estádio da Luz, em Lisboa, os Rammstein trouxeram-nos a sua “Stadium Tour”, uma extensa digressão de promoção ao álbum “Zeit”(2022), mas que teve o seu início em 2019, quando a banda germânica ainda estava a mostrar o álbum “Untitled” (2019) (para muitos é o álbum do fósforo). A produção em sim é colossal, só para terem uma ideia dos números, para transportar e montar aquele palco, que mais parece uma autêntica refinaria, foram necessários mais de 70 camiões e 7 dias de montagens. 

Com um estádio praticamente lotado, e repleto de estrangeiros, principalmente espanhóis e alemães, foi ao som da peça “Music For Royal Fireworks” do compositor germano-britânico George Frideric Handel que o concerto foi antecedido. Aliás, se há alguma obra musical clássica indicada para abrir um concerto de Rammstein essa obra é esta. A transição fez-se para “Rammlied”, com Till a aparecer numa articulação perfeita entre a projeção da sua imagem no ecrã gigante, que se encontrava ao centro do palco, e um elevador que o trouxe de forma gloriosa até ao palco. Quem vai a um concerto de Rammstein certamente que já está a par do número elevado de decibéis que a banda debita do palco, mas nada nos preparou para aquele estremecer do estádio que se sentiu quando a banda subiu ao palco e partiu para os primeiros acordes da faixa já mencionada.  Seguiu-se “Links 2-3-4”, a imponente faixa de “Mutter” (2001) colocou em evidência as capacidades solísticas de Richard Kruspe, apoiado pelo seu modelo de assinatura ESP RZK-I BURNT, com Fishman Fluences Signature Alnico Metallic Red no braço e Ceramic Metallic Red na ponte e Floyd Rose, enquanto Paul Landers segurava os power chords com recurso à sua Gibson Les Paul Paul Landers com um EMG 81 e um 60. Ouviu-se um “LISBOA!” de Till Lindemann no fim da faixa, mas seriam as poucas palavras proferidas pelo vocalista até à derradeira despedida.

Já “Bestrafe mich” foi a primeira piscadela a “Sehnsucht”, o álbum clássico de 1997 que catapultou os Rammstein para as bocas do mundo. Tanto nesta faixa como na faixa-título, tocada mais à frente, foi notável o magnânimo jogo de luzes que os Rammstein apresentam nesta tour, algo que só foi possível devido ao facto do concerto ter começado já de noite. Este é um aspeto que se revela bastante importante na absorção de toda a experiência, mas que não tem sido adotado em todas as datas.

E se há pouco enaltecemos Kruspe e Landers, em “Mein Herz brennt” temos que destacar o baixo trovejante de Olivier Riedel, um Sandberg California VM4 Oliver Riedel Signature com um pickup Sandberg Blacklabel splitcoil e um Sandberg Blacklabel powerhumbucker e a moldura sonora criada pelos sintetizadores Nord Stage 2 EX de Christian “Flake” Lorenz, que ao longo do concerto foi fazendo alguns km sem sair do sítio, que é como quem diz na passadeira que tem implementada no chão da sua “casa das máquinas”.

“Puppe” traz-nos o primeiro grande momento de teatralidade da noite, com Till a aparecer com um carrinho de bebé gigante, que parece ser de aço. À medida que a música ganha contornos mais raivosos, grandes labaredas são lançadas sobre o carrinho. Seguiram-se “Angst” e “Zeit”, antes de chegarmos a “Deutschland”, primeiro na sua versão remix com Kruspe a surgir no elevador como um autêntico dj e a colocar o Estádio da Luz todo a dançar, e depois já com Kruspe na guitarra e com a banda a partir para a versão original e elétrica da faixa.

As palavras “Du Hast Mich” ecoaram pelo estádio inteiro, causando certamente frissons a qualquer presente. Mas, como se isso não bastasse, os Rammstein ainda exacerbaram mais a faixa com uma transição pirotécnica

A entrar na reta final do alinhamento base do concerto “Mein Teil” foi uma das mais celebradas. Em mais um momento de teatralidade, Till voltou a brincar com fogo, desta vez, vestido de cozinheiro, deitou fogo, com recurso a um lança-chamas, a uma panela gigante que continha lá dentro “Flake” a tocar o seu keyboard e que de forma impressionante saiu ileso, afinal de contas são muitos anos a fazer estas stunts e tudo para nos proporcionar o melhor espetáculo possível. “Du Hast” era sem dúvida a música mais esperada da noite. As palavras “Du Hast Mich” ecoaram pelo estádio inteiro, causando certamente frissons a qualquer presente. Mas, como se isso não bastasse, os Rammstein ainda exacerbaram mais a faixa com uma transição pirotécnica, que viu um rasto de fogo de artifício a ir do palco para as torres do P.A. que estavam no meio do público, para depois esse mesmo rasto voltar ao palco e culminar numa das maiores explosões da noite. O clássico “Sonne” fechou o set principal quando já batia as quase duas horas de espetáculo.

Antes do primeiro encore ainda houve tempo para um momento de galhofa entre o público, com os cameramen a apontarem a objetiva para as pessoas e a mostrarem a sua imagem no ecrã gigante do palco. Entre seios, mensagens cómicas ou uma camisola do Benfica, foi uma transição que acabou por não ser um tempo morto e bastante inteligente por parte dos Rammstein, porque afinal de contas a banda não estava atrás do palco à espera que os fãs chamassem por eles, estavam sim a dar a volta ao estádio para depois surgirem na plataforma que foi montada no meio do público para as Abélard, grupo que fez a abertura, tocarem. Aliás, foi mesmo com a participação delas que a banda partiu para uma versão ao piano de “Engel”. O regresso ao palco fez-se no já tradicional passeio de barco insuflável que, através dos braços do público, fez com que a banda chegasse mais rápido para prosseguir com “Ausländer”, “Du riechst so gut” e “Ohne dich”. Fechado o primeiro encore a banda saiu do palco por meros instantes para depois regressar com “Rammstein”, a tal faixa que acabou por dar origem ao nome da banda. “Ich Will” preparou a despedida com “Adieu”, faixa de “Zeit” e que banda parece tê-la composto exatamente como uma música para fechar os seus concertos.

As despedidas foram breves, voltámos a ouvir as palavras faladas de Till pela segunda e última vez, tendo apenas agradecido aos presentes em várias línguas, demonstrando assim que o vocalista reconhece que o público que se apresenta nos vários concertos dos Rammstein é um público multinacional. A banda acabaria depois por ausentar-se do palco da mesma forma que Till surgiu no início do espetáculo, no elevador em ascensão até ficarem cobertos pelo ecrã gigante situado no topo do palco.

À saída toda a gente estava estupefacta! Muitos diziam ter sido o melhor concerto das suas vidas, outros afirmavam que nunca tinham visto nada assim e que hoje em dia nada se equipara à produção de um concerto de Rammstein. A verdade é que os Rammstein são mestres na arte do entretenimento e conseguem proporcionar um espetáculo capaz de rivalizar com as grandes produções das maiores estrelas pop internacionais. Se são controversos ou não, isso já é outra história… (e cabe à justiça e às autoridades competentes tratar e fazer o julgamento que ache justo).

SETLIST

  • Rammlied
    Links 2-3-4
    Bestrafe Mich
    Giftig
    Sehnsucht
    Mein Herz Brennt
    Puppe
    Angst
    Zeit
    Deutschland (Remix)
  • Deutschland
    Radio
    Mein Teil
    Du Hast
    Sonne
  • Encore 1:
    Engel
    Ausländer
    Du riechst so gut
    Ohne dich
  • Encore 2:
    Rammstein
    Ich Will
    Adieu