Slash, A Arte de Tirar Riffs da Cartola
2019-03-15, Campo Pequeno, LisboaNa data final da leg europeia da Living The Dream Tour, Slash provou que, citando livremente Mark Twain, as notícias da morte do rock são manifestamente exageradas.
Num tempo em que o Top+ era, tal como as grandes tabelas de vendas mundiais, liderado por álbuns de rock, passavam recorrentemente dois vídeos com imagens que marcaram para sempre uma geração inteira de miúdos: num, um Mustang clássico, conduzido a alta velocidade, despenhava-se num precipício e cá no alto emergia um tipo em tronco nu, no final dum solo demolidor tocado numa Les Paul; no outro a mesma guitarra e o mesmo indivíduo surgiam no meio do deserto em frente a uma capela, ao vento arenoso, soltando notas com uma melodia e estilo icónicos. A partir daí, de nada valeu a muitos pais demoverem essa geração de miúdos de querer ter uma guitarra eléctrica.
Depois seguiu-se a descoberta de mais riffs e mais solos, cheios de melodia, com uma riqueza harmónica única [basta pensar no lead que abre “Sweet Child O’ Mine”]. O som dos Guns N’ Roses era único por isso, por ter um guitarrista com uma expressividade sem paralelo na história do rock. Uma sonoridade que, na sua essência é bastante simples, afinal Slash continuou sempre fiel ao blues e hard rock que o fizeram nascer na música. Aliás, na sua caminhada para se libertar de Axl Rose (antes da sacrossanta reconciliação), a verdade é que Slash encetou um caminho que, mais que percorrer aquilo que fez nos Snakepit ou Velvet Revolver, sempre procurou o sleazy explosivo que gravou em “Appettite For Destruction”.
ESSÊNCIA
Apesar dessa busca pelas origens, no Campo Pequeno (como sucedeu na maioria das restantes datas da Living The Dream Tour) Slash apresentou uma setlist que, exceptuando, “Nightrain” já perto do fim, deixou de parte os maiores sucessos dos Guns N’ Roses. Fruto da prolífica actividade desenvolvida junto de Myles Kennedy e dos Conspirators, mas um exigente teste ao público que lotou a arena. Ainda assim, o guitarrista provou que tem muitos riffs para tirar da cartola e os portugueses não deixaram a banda orfã de ovações, talvez pressentindo afinal essa essência do “Appettite For Destruction” que está presente em momentos como “Standing In The Sun”, cuja cadência rítmica e progressão harmónica nos remete para “Rocket Queen”, por exemplo.
Depois da poderosa entrada com “Call Of The Wild” e “Halo”, e com Lisboa em ponto de ebulição, “Ghost” e “Back From Cali”, ambos do álbum homónimo do guitarrista, que precedeu união com Myles Kennedy e com os Conspirators, foram dois picos de intensidade, até pela maior familiaridade do público com estas canções. “My Antidote”, mais crua ao vivo que no álbum, torna a oferecer fortes reminiscências do primeiro álbum dos Guns, desta vez com o esse papel a ser cumprido por Brent Fitz, cujos fills e swing são uma personificação de Steven Adler.
GUITARRAS
É a partir daqui que Slash começa a “partir” nos solos, em “My Antidote” e depois em “Serve You Right”. Com a mão quente, surge a exuberância e a velocidade, surge a solidez de notas e a tonalidade e feeling característicos do guitarrista. Tal como no mais recente álbum, Slash usou um rig bastante despido. O guitarrista está novamente a usar os cabeços Super Lead da Marshall, os modelos Silver Jubilee que tanto estima, e os pedais usados recorrentemente são apenas um MXR Phase 90 e o seu Dunlop Cry Baby. Nas guitarras usou uma Gibson Custom Slash Bolivian Les Paul, modelo da fornada de 2019 da Gibson, que alternou com uma Gibson Les Paul ’58 Reissue Tobacco Burst (guitarra que gravou vários dos temas de “Living The Dream”) e uma Les Paul ’59 Reissue Kindred Burst 60th. Todos os modelos naturalmente equipados com os seus Seymour Duncan preferidos, os Alnico 2 Pro. Pelo menos, foram estas as que conseguimos apurar.
Frank Sidoris trocou mais vezes de guitarra. O guitarrista começou por usar uma das novas Gibson Junior, recorreu a um modelo Goldtop em “Back From Cali”, por exemplo, tal como a uma Telecaster ou a uma Flying V. A AS teve acesso ao backstage, antes do concerto, e em breve poderemos ver ao detalhe o rig de cada um dos Conspirators.
MYLES KENNEDY & THE CONSPIRATORS
Fosse fruto do desgaste da digressão, fosse por o som da voz (do local onde assistimos ao concerto) nunca ter estado na frente da mistura, fosse apenas por estar em noite não, Myles Kennedy acabou por ter uma prestação algo apagada e muito defensiva nos agudos (algo demasiado evidente em “Starlight”, por exemplo). Os restantes músicos compensaram largamente esse ponto menos conseguido do concerto. Actualmente, os Conspirators, junto de Slash, formam um bandão onde tudo soa bastante espontâneo. E essa sempre foi uma das características fundamentais para um bom álbum, concerto ou banda de rock! Uma coisa parece certa, o enorme fluxo de actividade a que Slash tem estado sujeito colocou-o numa forma tremenda, levando-o a assinar um excelente concerto – num plano individual esteve até melhor e mais solto do que na última visita, quando a Not In This Lifetime Tour, dos Guns N’ Roses, passou em Lisboa.
Com Myles em notória gestão de esforço, para aguentar as duas horas de concerto, “Boulevard Of Broken Hearts” e “Shadow Life” beneficiaram de um som global cuja melhoria estava a ser progressiva, chegando nesta altura o reforço de low-end. Altura ideal para um dos melhores momentos da noite, quando Todd Kerns assumiu o microfone principal para cantar a paradoxalmente festiva “We’re All Gonna Die”, cuja versão original é um dueto de Slash com a lenda punk Iggy Pop. Slash com um baixista que possui uma costela punk. Familiar, não? Com os Conspirators a soarem na batata, seguiu-se “Doctor Alibi”, também desse primeiro álbum do guitarrista, originalmente um dueto com Lemmy.
SHREDDAR OU NÃO SHREDDAR
Com o Campo Pequeno em polvorosa, acabou por ser estranho ver o abrandamento do concerto, com a balada “The One You Loved Is Gone”. E, sendo honestos, quando de seguida, em “Wicked Stone”, Slash assumiu a sua pose clássica de Les Paul vertical, apoiada na perna direita, para solar durante cerca de 20 minutos, muito do público acabou por esmorecer, mesmo diante duma dose épica do shredd bluesy.
O vibe AC/DC de “Mind Your Manners” e o groove de “Driving Rain”, os momentos em que Myles Keneddy esteve melhor nesta noite, despertaram novamente o público lisboeta e aumentaram o ambiente para as aclamações aos já clássicos de Slash “By The Sword” e “Starlight”, intercalados por esse tema que se tornou um hino boémio, o über clássico dos Guns, “Nightrain”. Aí, no momento mais alto do concerto, “You’re A Lie” e “World On Fire” trouxeram novamente longos solos de guitarra, mas desta vez o Campo Pequeno vibrou com cada nota desse gajo de cartola. Diga-se, no entanto, para ser justo, que na jam final de “World On Fire” Slash foi excelente, mas o Brent Fitz partiu a loiça toda!
O encore trouxe “Slow Grind” e “Anastasia”. Um final com Slash bastante comunicativo e interactivo com a plateia. Notava-se que o guitarrista estava efusivo, talvez com a plena noção de que tinha acabado de provar, junto de um público que, nesta era, lotou uma sala com a dimensão do Campo Pequeno para ouvir guitarradas e amplificadores no prego, que podem proclamar a morte do rock as vezes que quiserem (para gerar polémica, para obter viralidade ou simplesmente por presunção), mas que serão sempre anúncios exagerados enquanto houver um puto a quem sirva uma cartola.
Resumindo, foi um grande concerto de uma banda que sabe o que faz e que sabe como disfarçar as suas dificuldades. Mas talvez tivesse ficado bem ouvir “Paradise City” no final…
NOTA: O nosso leitor André Sobreira lembrou-nos que Frank Sidoris recorreu também a uma Gibson Explorer – que confirmámos ser um modelo de ’96. E o Pedro Henrique Rebelo diz-nos que o Slash usou também um dos seus novos modelos de assinatura, de edição limitada, Gibson Custom Slash “Brazilian Dream” Signed VOS, estreados no final de 2018. Além, claro, da Gibson EDS-1275, a double-neck preta que nos passou ao lado, por imperativos fisiológicos…
SETLIST
- The Call of the Wild
Halo
Standing in the Sun
Ghost
Back From Cali
My Antidote
Serve You Right
Boulevard of Broken Hearts
Shadow Life
We’re All Gonna Die
Doctor Alibi
The One You Loved Is Gone
Wicked Stone
Mind Your Manners
Driving Rain
By the Sword
Nightrain
Starlight
You’re a Lie
World on Fire - Slow Grind
Anastasia