Quantcast
Stephen O’Malley brinca no escuro

Stephen O’Malley brinca no escuro

2016-02-27, Musicbox
Tiago da Bernarda
9
  • 9
  • 7
  • 8

O Musicbox, em Lisboa, retomou a celebração do seu 10º aniversário, desta vez com Stephen O’Malley, Filipe Felizardo e Process of Guilt.

O Musicbox está de parabéns. Marca este ano o 10º aniversário da sala lisboeta que dinamizou o antigo espaço do Texas Bar. Não vá a data passar despercebida, organizaram um ciclo eclético de concertos especiais, espaçados ao longo do ano. No sábado passado, ofereceram brindes à porta: tampões para os ouvidos. Isto em antecipação ao regresso do magnata do drone, Stephen O’Malley. O cofundador dos Sunn O))) foi o convidado que encabeçou uma noite densa e barulhenta. E foi fantástico!

Quem entrasse pela porta da frente não conseguia desviar o olhar. Via-se de longe uma parede de amps e colunas que cobriam o palco, aguardando a chegada de O’Malley. Antes disso, foi Filipe Felizardo quem subiu ao palco. Pousa um modesto custom amp (com madeira despida do tweed do Blues Deluxe que o inspirou) em frente ao gear de O’Malley e agracia-nos com o seu característico mas imprevisível noise, algo que já faz desde muito, mas que se afasta do circuito noise e drone português porque, sinceramente, tal circuito não existe.

Uma jogada interessante num jogo em que tudo vale

Mantém então aquele estatuto perpétuo de cacofonia erudita com ocasionais riffs de blues rock. Uma jogada interessante num jogo em que tudo vale, mas que pareceu confundir a malta não familiarizada com o seu trabalho. Desde início, o guitarrista português posicionou-se de frente para o seu amplificador, fazendo-lhe frente, ocasionalmente virando as costas para o público para brincar com o feedback, e interpretou o seu repertório de rajada. Houve apenas uma ligeira pausa que abriu espaço para alguns aplausos, aos quais Felizardo respondeu com um beijinho soprado em direcção ao público.

Pouco tempo depois, Stephen O’Malley atravessa o palco com uma t-shirt de Darkthrone vestida. Coloca-se na posição habitual, do lado direito, encostado aos seus amps e às colunas tapadas com fita adesiva (oxalá que alguém visse um artista DIY assumido rodeado pelo logo da Marshall).

Há ordem e catarse a ressoar daquelas colunas.

Ao contrário do que nos foi apresentado na primeira actuação, o som que O’Malley perpetua é calculado e estruturado. Há ordem e catarse a ressoar daquelas colunas. Visualmente minimalista, as luzes de palco apagadas fizeram-se acompanhar apenas por imagens escuras de pingos a escorrer por fendas cavernosas alternando com uma espécie de vórtice branco. Ideal como fundo para um guitarrista que, durante mais de 15 anos de vida, rodeou-se de música ambiente espessa e nebulosa.

Podia-se dizer que faltava ali qualquer coisa. Outra guitarra, um synth macabro até. Ou que apresentou-se como um lado B de Sunn O))). Mas a verdade é que nunca o vimos como se estivesse sozinho. O gear era a sua banda. Neste caso, um conjunto de fantoches que O’Malley controla com facilidade, cada um com uma função específica. Um EQ megalítico.

São os devaneios de um engenhoso de som.

No final, levanta a guitarra ao ar, como se fosse aquela Travis Bean 1000S fosse o corpo de Cristo, e vai-se embora. Aquilo não era suposto ser um espectáculo, muito menos concerto para encore. São os devaneios de um engenhoso de som.

Só depois é que entraram os Process of Guilt. Natural que tenham sido guardados para último, dado que precisaram de cinco pessoas para arrumar todo o material de O’Malley.

Os portentosos do doom acabaram por reanimar o público que ainda se encontrava em transe graças à actuação anterior. Com resquícios industriais, a banda liderada por Hugo Santos abriu com um rugido provocador. Havia adrenalina dentro e fora de palco, maioritariamente exteriorizado por headbanging. E, assim de repente, os Process reafirmaram-se como um dos mais vigorosos nomes a sair do underground português. Já a facilidade com que dominaram o público evidencia isso mesmo.

Mesmo com a voz a enfraquecer gradualmente (repercussões do inverno, confessou-nos o vocalista durante o soundcheck), conseguiram embrulhar bem a noite. Foram o shot de tequilla depois de uma caneca alta de cerveja artesanal.

Ou, de uma forma mais convencional, a cereja no topo do bolo.