Budda Guedes, Guitarristas Preferidos & Influências
Budda Guedes revela como começou a tocar guitarra e quais os guitarristas que tiveram um papel determinante na sua paixão pelo instrumento e no desenvolvimento da sua linguagem musical.
Para criar algo especial para uma edição que, em 2018, celebrou 10 anos de publicações queríamos algo que fosse inédito ou, no mínimo, incomum, na nossa imprensa musical. Isto, claro, além dos artigos sobre instrumentos e equipamento musical de sempre. Então surgiu a ideia de reunir numa edição histórica dez grandes guitarristas portugueses.
Um dos escolhidos foi Budda Guedes. O bluesman português confessa que sempre foi um músico de banda. Nunca foi um músico isolado, a tocar fechado no quarto e a explorar o instrumento. Fez uma banda antes de saber tocar. «Tinha uma função musical antes de saber tocar um instrumento. Marquei um ensaio na Terça-feira e até Sábado tinha que saber tocar bem aquela música, fazê-la soar. Portanto, a minha função é, imediatamente, fazer música e criar e estar ao serviço da música».
A viagem até Muddy Waters, teve início com Hendrix. Muito antes do blues, foi arrebatado pela ferocidade dos Nirvana. O guitarrista também nos confessou como começou a tocar e quais eram as suas referências. Para a entrevista completa, podem adquirir um exemplar da revista na nossa loja, para descobrir os heróis de Guedes, basta fazer scroll.
Com que idade é que te apaixonaste pela guitarra?
Aos 14. Para a minha geração não foi tarde, era o normal. Lembro-me perfeitamente, foi “Eureka” quase, com o “Nevermind” dos Nirvana. Quando esse disco apareceu decidi que queria ser músico e o primeiro tema que aprendi a tocar foi o “Come As You Are”. É fácil de “sacar”, mas lembro-me de ser muito difícil de tocar o tema, porque eram precisas duas cordas e lembro-me de toda a dificuldade da coordenação. Não diria que o Kurt como guitarrista seria a minha influência, mas aquela banda naquela altura, aquele som, aquele poder, aquela cena super crua. Toda aquela atitude do power trio. O Kurt não era uma grande guitarrista em termos solistas. Até o Krist Novoselic não era um grande baixista… Estas coisas são esquisitas de dizer, porque a técnica não é necessariamente…
Não é um único parâmetro.
Não. As ideias e os riffs e a coesão daquela banda suportada pela cena do Dave Grohl, que era realmente brutal. Em termos de bateria, era um peso incrível para a altura e é ainda hoje. E a voz do Kurt que era super agressiva, super agreste. A minha cena guitarrística vem mais da agressividade dos Nirvana. Ficou comigo. Depois agarrei os Red Hot Chili Peppers, que têm toda a cena do Hendrix no Frusciante. O “Blood Sugar Sex Magic”, dos Red Hot, é ainda hoje o meu disco preferido. E cheguei ao Hendrix através do Flea, que o tem tatuado no braço, e fiz a viagem para trás. Rage Against the Machine, que acaba por ser blues, soul e funk com rock. São riffs de soul, pesados e com guitarra distorcida, mas não anda longe de uma música dançável. Os Metallica que também têm muitas cenas de blues, o “Enter Sandman” é quase um blues. Vem muito do riff clássico pentatónico, mesmo o Kirk Hammett a solar é super pentatónico, não é tão shredder e tão exótico. Mas corri as cenas todas.
Há álbuns obrigatórios para um guitarrista coleccionar?
Há um disco do Satriani que é inacreditável. É uma bíblia para mim. O homónimo (de 1995) é um disco onde ele toca muito mais clássico, tem o gajo a tocar harmónica, até diria que é o disco de blues do Satriani. Ouvi-o no outro dia, não ouvia esse disco há imenso tempo, e reparei em tanta frase, este e aquele lick, este e aquele truque, que retirei dali! O Nuno Bettencourt tem um disco incrível nos Extreme, o “Waiting for the Punchline”. Só mais tarde, já no segundo milénio, é que comecei a ir para trás, para os Zeppelin… Hendrix foi logo de imediato. Hendrix e Deep Purple. Sei o “Made In Japan” de cor e salteado. Sempre tive mais aptidão para o rock, para as cenas de rock britânico muito inspirado no blues e muito jam, de solos gigantescos e de desbundas. E depois o blues aparece com o disco do Hendrix, curiosamente, que se chama “Blues”. Uma compilação de blues que o Hendrix foi gravando, mas é um disco muito bem feito, com um livro que analisa qual é a inspiração e o autor de cada tema e o que é que aquilo reflete. Os Big Fat Mamma nasceram desse disco, porque há um tema da Big Momma Thornton de onde fomos buscar o nome. A capa do disco são montes de quadradinhos, fotos ilustradas à Andy Warhol, do Albert King, Freddy King, BB King, Muddy Waters, Howlin’ Wolf, todos os bluesman estão nessa capa. E daí é que fiz a viagem para trás: «Ok quem é que este gajo ouvia. Quem é que inspirava este gajo que adoro e que toca guitarra desta forma tão irreverente. Onde é que ele foi buscar isto?»
É determinante ter formação?
É como tudo. Queres ser escritor? Não podes ser escritor sem estudares a tua língua, sem estudares o que são metáforas, figuras de estilo. Haverá um ou outro que é analfabeto e é um grande criador… pode dizer o texto e criar o texto, mas não o vai escrever. Na música acho que é a mesma coisa, se queres ser músico e compositor é interessante que saibas alguma coisa. Agora, vais estudar música clássica? Se calhar não. Se a tua cena não é música clássica, não é por aí. Vais estudar jazz? Se vais tocar punk, porque é que vai estudar jazz? Se quiseres estudar jazz e tocar punk não te faz mal nenhum, o conhecimento não ocupa lugar, mas se queres tocar jazz, punk ou blues, estuda os gajos que gostas de ouvir. Se queres tocar um estilo ou vários, tens que, pelo menos, estudar os estilos. E estudar passa também por ouvir a música. Ouvir muito, porque tu tens que ter essa linguagem. Tens que ter o calão, podes saber o acorde B Maior, mas os gajos no funk se tocarem o B Maior, não o tocam com o mesmo voicing.
Não é só uma questão de escalas, de escolher a melódica menor…
Acho que não. Depois podes é pensar: «Esta escala dá-me esta sonoridade, há muitos gajos dos que gosto que utilizam muito esta escala. Outros gajos que gosto usam outra». A música, em dois segundos, é: há 12 notas e dão todas! Basicamente não há grandes regras, na música podes fazer tudo o que quiseres, por isso é que há Joy Division.
E truques?
A pentatónica foi uma arma altamente recorrente da minha parte, desde o início. É uma escala que funciona sempre bem em quase qualquer coisa. Depois havia aquelas músicas em que a escala não funcionava. E então estudava um solo e compunha-o por tentativa e erro. Lá está, quando aprendi o que são intervalos, o que é harmonia, o que é que compõe um acorde, o que é um dominante, o que é um diminuto, o maior, o menor… Percebi que se tocar as notas do acorde em cima do acorde, são notas garantidas mesmo que não esteja na escala em lado nenhum. Portanto, se andar aqui a cair nesta nota, vai soar bem de certeza absoluta e já tenho aqui uns auxiliares caso não tenha uma ideia. É uma salvação. Depois, a vantagem disso tudo é que desenvolve a intuição, que vais ganhando à medida que vais fazendo, vais adivinhando e cantando aquela nota que até é estranha na harmonia, mas como já fizeste muitas vezes vai entrar ali. O que me fascina mais no blues é a simplicidade aparente do estilo e a carga que tens que dar a cada nota. Cada nota é uma brutalidade, cada nota é a tua última nota. A cena do BB King, do Albert King… O Hendrix tinha isso que o distingue de todos os outros guitarristas virtuosos, cada nota era uma cena demolidora. O Page tinha isso. O Gilmour é um exemplo do caraças. Gajos que cada nota que tocam vem com uma carga brutal. E mesmo o Slash vem um bocadinho nessa escola.