Joe Principe, O Novo Álbum dos Rise Against & A Bíblia do Som de Baixo no Punk Hardcore
Joe Principe, baixista dos Rise Against, fala-nos da ruína do Sonho Americano retratada no álbum “Nowhere Generation”. O músico, que durante anos usou modelos Fender Precision, regressou ao Jazz Bass. No som de baixo do punk hardcore o manual foi escrito por Craig Setari [Sick Of It All], diz.
Se alguma vez houve uma altura ideal para um novo álbum dos punk rockers Rise Against e a sua expressividade socialmente consciente, é esta. “Nowhere Generation”, via Loma Vista Recordings/Spinefarm Records (na Europa), é um disco fogoso e agressivo, fundindo a atitude punk da velha guarda com a fúria do pós-hardcore. As onze canções no álbum foram influenciadas pela contribuição lírica do vocalista Tim McIlrath, inspirada nas duas filhas mais novas, e da comunidade de fãs da banda, e apontam para a situação social e económica que tem sido eirigida contra a geração mais jovem que persegue o American Dream.
A “norma histórica” da América de que «a próxima geração será melhor do que a que veio antes» foi minguada por uma era de instabilidade social, económica e política de massas e uma liquidação da classe média. A recompensa prometida pelo trabalho árduo e dedicação já não existe para todos e, como foi o caso da contracultura dos anos 60, a perturbação torna-se a única resposta para a Nowhere Generation.
O álbum foi gravado no The Blasting Room, em Fort Collins, Colorado, sob a tutela de Jason Livermore, Andrew Berlin, Chris Beeble e o produtor/engenheiro de longa data: Bill Stevenson (Black Flag, The Descendents), que tem trabalhado com a banda em quase todos os seus lançamentos desde o seu segundo disco, “Revolutions Per Minute”, de 2003, e é muitas vezes descrito como o quinto membro de Rise Against.
O baixista Joe Principe, falou-nos sobre o seu som de baixo, confessando-se um seguidor da bíblia escrita pela lenda do punk hardcore Craig Setari. Os Rise Against sempre tiveram uma voz política, quando precisaram de o fazer (como tantas e tantas bandas punk, na verdade). Nesse sentido, Principe falou-nos também sobre a mensagem deste disco, na ressaca de um dos mais desgraçados governos norte-americanos da história…
É curioso que começaram a trabalhar este disco com Donald Trump na presidência dos EUA e editam-no numa situação diferente. A mudança nas eleições, ainda impactou algo naquilo que é o disco, naquilo que é a sua mensagem?
Terminámos o álbum algumas semanas antes da pandemia virar o mundo do avesso. O Joe Biden já tinha anunciado a sua candidatura, mas isso não era algo no nosso radar. Algo que pensássemos enquanto escrevíamos o disco, que nem sequer é particularmente dirigido a Donald Trump – isso seria algo óbvio, seria fácil atingi-lo e, de qualquer modo, tínhamos a convicção de que ele seria derrubado nas eleições. Não queríamos que o álbum reflectisse tempos tão negros na história norte-americana, mas que olhasse para um futuro mais desanuviado. No geral, o disco fala-nos sobre os jovens e o seu futuro. De como serão eles a definir a América.
Nas notas que acompanham o disco, é referido que a vossa comunidade de fãs determinou muita da mensagem do álbum.
Tratou-se de prestar atenção aos que os nossos fãs diziam. As suas opiniões, as suas frustrações com o sistema educativo, com as suas profissões, o custo de vida. E como… Tens esta ideia do Sonho Americano. Mas, afinal, o que é? Significa que tens uma profissão e te matas a trabalhar sem conseguir poupar para ter uma vida decente, para ter a tua própria casa? Portanto, o Sonho Americano deixou de ser o que era quando os meus pais eram jovens. Nessa época, existia a noção de que, vivendo na América, tudo acabaria por dar certo. De que completarias o ensino, irias trabalhar e viver placidamente até ao fim dos teus dias. Isso foi corrompido. Há demasiada competição, demasiada ganância das classes altas e ninguém se digna a estender a mão aos que estão por baixo. Precisamos de mudar isso. E quando digo, refiro-me a começar pela minha geração. Há muita ganância na minha geração. Temos que zelar pelos mais novos e ajudá-los.
Cada geração espera melhorar, senão a sua própria vida, pelo menos, a vida dos seus filhos. Talvez por não termos embarcado de malas e bagagens para Nova Iorque, sermos filhos dos que permaneçeram, os europeus sejam mais cínicos em relação ao Sonho Americano, visto quase como uma fantasia social. Mas os problemas que referiste, que são, de certa forma, globais, fazem pensar neste álbum quase como um epílogo para “Age On Unreason” (2019) dos Bad Religion, nesse sentido de que os problemas sociais estão a escalar a uma velocidade alarmante (nem é preciso mencionar os laivos de extremismo tão recentes, no seio duma democracia ocidental, como a Invasão ao Capitólio, por exemplo) e é necessário solucioná-los rapidamente.
Associar-nos a tão excelsa companhia é gratificante. Acaba por ser uma coincidência dos tempos que vivemos, tratando-se de duas bandas punk, com um olhar político das coisas e com muitos ideais semelhantes. E muitos americanos que se preocuparam em pensar sobre as coisas acabaram por desenvolver frustrações bastante idênticas sobre o que tem vindo a acontecer. «Como raio é que deixámos as coisas chegarem a este ponto?» Acho que se sucedeu tanta loucura que as pessoas acabaram por se tornar dormentes. Surge algo completamente horrível nas notícias e a reacção é «oh, ok, mais uma cena». Ignorar e seguir em frente tornou-se mais fácil. Creio que essa era uma das formas de Donald Trump manipular as suas audiências, dizer uma imbecilidade num dia e o seu completo oposto no dia seguinte. Acabas por confundir o público. Até chegar a um ponto em que já não se está sequer a prestar atenção. Chegou a ser desencorajador, perceber que familiares meus, a minha própria mãe apoiava o Trump. Perguntava-lhe como era possível, especialmente sendo ela uma mulher independente e forte, que me criou sozinha após o meu pai ter morrido quando ainda era muito jovem. «Uma mulher como tu, que defende o feminismo, como podes apoiar o Donald Trump? Não faz qualquer sentido».
Há demasiada competição, demasiada ganância das classes altas e ninguém se digna a estender a mão aos que estão por baixo. Precisamos de mudar isso.
O truque é colocar-nos uns contra os outros. Talvez a aquisição de um certo conforto e de uma estabilidade mínima nos faça esquecer aquilo porque já se lutou tanto. Se não tivermos cuidado, até tu ou eu nos podemos tornar fascistas…
[Risos] Caramba… Sim. É algo geracional também. Os mais velhos olham o mundo a partir de uma perspectiva diferente. Conheço muito pessoal mais velho que, com a idade, acabou por criar mais afinidades com a direita. Talvez impelidos pela noção de proteger aquilo que construíram ao longo das suas vidas. Mas ao mesmo tempo, ao recordar a minha mãe de que somos descendentes de imigrantes italianos, que estamos num país de imigrantes… Quando os meus avós vieram para cá, fizeram-no de forma ilegal e trabalharam com identidades falsas, sem conseguir sequer falar inglês. O meu avô era um mecânico, que recebia os seus pagamentos “por baixo da mesa”. Não quero que a minha mãe esqueça isso. Se formos tão longe, nem temos o direito de estar aqui, tendo despojados os ameríndios da sua terra nativa.
Há muitas coisas que se mantiveram com este disco, mas houve algumas mudanças. Desde logo, trata-se do vosso primeiro disco com edição da Loma Vista. E já que tocámos alguns assuntos sensíveis, mais vale perguntar se vos preocupou todo este ruído em torno do Marilyn Manson e da editora, mesmo que indirectamente.
Penso que a editora fez aquilo que tinha a fazer. Cessando o seu contrato e cortando unilateralmente relações. O Marilyn Manson foi sempre motivo de bastante controvérsia, mas terá mesmo pisado o risco com estes relatos de abusos mentais e físicos. Nunca fui um fã da sua música, portanto estou bastante fora desse assunto. Mas fiquei satisfeito com as medidas que a editora tomou, tão cedo quanto as podia tomar – assim que souberam das alegações. Da nossa parte, estou muito satisfeito por trabalhar com a Loma Vista, porque importam-se genuinamente com a música e, particularmente, com a música rock. De modo que, após termos assinado contrato, nos deram carta branca para fazer aquilo que entendíamos ter que fazer. Devo dizer que isso sempre sucedeu connosco na Epitaph ou qualquer outra editora. É gratificante, é o que nos permite manter a nossa identidade. Não têm tentado fazer de nós algo que não somos e penso que são muito criativos no seu departamento de marketing, avaliando pelas ideias que nos propuseram.
Aproveitando a deixa da identidade. Algo que não mudou muito foi o processo de gravação do álbum. Uma vez mais, trabalharam sob a produção do Bill Stevenson no Blasting Room. Poderá depreender-se de que os Rise Against não são a banda mais afoita a mudanças.
Não nos apressamos no processo de composição. Eu e o Tim [McIlrath] escrevemos de forma isolada os instrumentais. Quando nos sentimos prontos, encontramo-nos amiúde para partilhar essas ideias. É algo que não muda muito. O que mudou desta vez foi que se passou mais tempo entre aquela que foi a última digressão e começar a pensar neste disco. E depois de se iniciar a escrita das letras, as coisas tornaram-se muito fluídas, num processo muito fácil e confortável. Sentimos confiança devido a isso. Parece que conseguimos partir sempre de uma boa recolha de ideias. Não nos faltam ideias a ambos para as coisas progredirem. Criar música é a forma de melhor me expressar, portanto, por ser parco em palavras, existirão sempre canções dos Rise Against que serão alegres, pesadas, sentimentalistas ou agressivas, porque é como manifesto as minhas emoções. Ao fim de 20 anos, acredito que esse é um dos motivos que tem mantido as coisas interessantes. Embora firmado no punk rock, há uma panóplia de emoções e estilos. Quanto a procurar fugir de coisas que já fizemos, creio que se trata de não pensar demasiado nas coisas. Se o fizeres, as coisas acabam por soar forçadas e pouco sinceras. Somos mais instintivos. Pode acontecer mudar afinações, mas isso mnormalmente tem mais que ver com as bases das canções do que procurar sons diferentes. Portanto, se pegar numa guitarra para “bater” uma ideia e essa guitarra calhar estar afinada em drop D, se a ideia me soar fixe a afinação acaba por ser essa porque foi esse o feeling no momento, o ponto de partida, casualmente.
Não me queres revelar nenhum truque que o Bill e/ou vocês tenham usado partivularmente neste disco? Não deixou de me surpreender ouvir aqueles arranjos de cordas em “Forfeit”, por exemplo…
O foco é sempre progredir. Melhor som. Ter arranjos como os que referiste ou outros é sempre uma questão daquilo que se ajusta à canção. A “Forfeit”, a ideia original, era ser apenas guitarra acústica e voz. Com o tempo acabámos por optar pelo inverso e preenchê-la com vários elementos, para torná-la mais dinâmica. Ao fim de 20 anos juntos enquanto banda e de tanto tempo a trabalhar com o Bill, não há muitas surpresas, mas confiança para experimentar coisas. Depois, nunca fomos grandes adeptos de, como referiste atrás, explorar efeitos ou possibilidades de estúdio, elementos electrónicos, etc. Gostamos de nos manter fiéis aos princípios old school duma banda de rock, dos discos clássicos que crescemos a ouvir e o Bill também. No fim, quando nos ligamos e começamos a tocar acaba por vir sempre ao cimo o nosso som. E outra razão porque não gostamos de muitos elementos “externos”, digamos assim, é porque não gostamos de disparar coisas ao vivo.
E no que respeita a instrumentos. Tu és um acérrimo fã de baixos Fender Precision.
[Risos] Completamente! Mas o curioso é que neste álbum usei modelos Jazz Bass. Cresci a tocar com JBs. Mudei para os Precision já quando fizemos o “The Sufferer & The Witness” [o quarto álbum de originais dos Rise Against, em 2006] e mative-me fiel aos Precision até agora. Até pela minha forma de tocar, esquecera-me um pouco daquilo que um Jazz Bass pode fazer pelo meu som, com algum protagonismo de acordes. Por isso quis voltar a eles e foi divertido recordar porque comecei por usar esses modelos. Creio que os Jazz Bass possuem maior rugido. Aquele carácter que se ouve no início de “Broken Dreams, Inc.” é um bom exemplo do seu som. Já o P-Bass tem um som mais quente, mais suave. Usar um ou outro depende do quão agressivo queres ser. O JB permite soar um pouco mais “in your face”.
Tendo uma colecção bem preenchida, já experimentaste algum dos novos modelos Ultra ou Ultra Luxe?
Pois é precisamente desses que tenho usado. Dois modelos Fender American Ultra Jazz Bass. São fenomenais. Nem sequer uso o circuito activo dos pickups. Manda alto som. Adoro os perfis de braço dos anos 70, são os meus preferidos. Muito confortáveis para mim. De certeza que não os vou largar assim que saiamos em digressão. No disco, especificamente, usei um Fender American Elite Jazz Bass. De resto, mantenho sempre tudo muito simples. A minha configuração limita-se ao amplificador, coluna e um pedal de distorção.
Só um pedalzinho de distorção? Um gajo assim não consegue safar uma entrevista…
[Risos] Sabes que, para mim, o manual foi escrito pelo Craig Setari, nos Sick Of It All. Durante anos usou a Gallien Krueger 800RB com uma coluna 8×10 da Ampeg e um SansAmp. Nunca usei cabeços Gallien Krueger. Durante muitos anos usei Ampeg [Classic Series] e coluna 8×10, com o SansAmp no meio. Até que comecei a ter alguns problemas com os Ampeg, particularmente em festivais ao ar livre, em que sobreaqueciam demasiado e desligavam. Por isso comecei a usar cabeços Orange, os AD200. São de absoluta confiança. E, recentemente, a Orange lançou o Little Bass Thing – é bastante compacto, mas são uns 500 watts e nunca toquei em nada que fosse tão focado. Também tenho usado o Darkglass Microtubes 900 e meto-lhe o Alpha/Omega [pedal de distorção da Darkglass] em cima. Tenho experimentado mais coisas nos últimos anos, mas acabo sempre por ir parar ao som dos Ampegs dos anos 60. Não há volta a dar [risos].
A Tech21 vai ressuscitar o SansAmp, mas imagino que uses unidades mais vintage.
Os meus são do início dos anos 90. Nada supera esse som. O som do Frank Bello nos Anthrax durante anos, um amplificador que calhasse ligado com um SansAmp. A forma como corta a mistura. Não é bem como um fuzz, é esta cena… Tem agudos e médios. Há um SansAmp em cada um dos nossos álbuns [risos].
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