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Optimus Alive – Dia 3

Nero

Ao terceiro dia o Optimus Alive funciona sempre de forma mais escorreita: as pessoas já conhecem os cantos a casa, os torneios de matrecos são mais renhidos, o convívio entre as diferentes nacionalidades presentes mais miscigenado, e os coros espontâneos (ou de forte condicionamento pavloviano) ao ouvir-se um determinado jingle de uma determinada campanha para um produto de uma marca que por acaso patrocina o festival, são mais que muitos e provavelmente ainda irão ocorrer semana fora. Para que aqueles  que se possam deparar inocentemente com o fenómeno: não, não está decorrer nenhum revivalismo dos Beatles. Estas pessoas estiveram no Optimus Alive!

No palco Heinenken tocam, vindos directamente de Pittsburgh, Pennsylvania, os Brass Wi… Quer dizer, vindos directamente de Mem Martins, Sintra, os Brass Wires Orchestra são a banda portuguesa mais forte e mais internacional a marcar presença neste palco. O nome foi-lhes atribuído devido ao facto do elemento mais distintivo da sua sonoridade ser a componente de metais e cordas, que carregam esta orquestra tuga dos territórios mais folk rock, onde a sua estrutura musical essencial poderia assentar, para o campo do épico. Trompetes, violinos e coros aumentam seriamente o grau de epicness de qualquer banda que a tal se decida aventurar. E aventurar-se é o que esta trupe fandanga tem muito potencial para  fazer. A máquina está bem oleada, têm a estrutura e as canções para serem uma aposta de peso naquele território mítico onde muita banda lusitana já vagueou sem rumo: o mítico “lá fora”. E apresentação num festival como o Alive, recheado de jornalistas do “lá fora” pode conduzi-los a novas fronteiras. Fizeram uma boa estreia no Alive. Muita alma e muito bom som!

Antevia-se o melhor dia, como um total, de festival. E o palco principal abre também com uma enorme prestação lusa – os Linda Martini conseguiram tudo. Um som mesmo “altinho”, uma prestação em crescendo, capacidade para dominar um palco que costumavam ver ao longe no Alive e sem perder tempo pedem-nos: “Dá-me A Tua Melhor Faca“. “Juarez” do álbum novo ouviu-se logo de seguida, “Juventude Sónica” e “Amor Combate” antecederam mais uma novidade, o singleRatos“, e a terminar “Belarmino”, “O Amor É Não Haver Polícia” e “Cem Metros Sereia“. A banda está cada vez mais Linda e a soar mais junta e menos protagonizada pelo óptimo baterista Hélio Morais, que também surgiu mais violento e menos disperso, ou seja, melhor.

Toca o inglês Jake Bugg. E sim, para aqueles que se tenham interrogado sobre o facto, Mr. Bugg já pode oficialmente votar nas próximas eleições (embora em alguns países e estados não tenha ainda idade para a aquisição de álcool). Bugg parece ser o mais recente representante na muito nobre e respeitável tradição de trovadores ingleses, que, quer num formato acústico ou num mais eléctrico, mantém ainda viva a tradição de contar de forma musicada as coisas essenciais de que se compõe a vida. As comparações com Bob Dylan são mais que muitas mas, na verdade, é mais Donovan ou mesmo Nick Drake que nos vêm a cabeça, isto após serem filtrados pelos Oasis ou Artic Monkeys. Um baladeiro sob o corpo de lad! Uma canção como “Broken” assenta nessas coordenadas, e o teste da qualidade de composição pode ser constatado no facto de uma simples balada acústica (de um quase desconhecido para muita da gente aqui presente) aguentar a imensidão deste palco. Muitos dos temas, com estruturas rítmicas e de tempo que procuram escapar um pouco aos clichés do género, e com letras de um certo desencanto, parecem vir de alguém muito mais velho do que o pós adolescente que se apresenta em palco. Mas a linhagem Bárdica sempre foi composta de almas mais velhas que os seus corpos presentes possam deixar transparecer. Um singer/songwritter com toda uma vida ainda para mostrar o seu já muito talento. E que ficará na memória, pois proporcionou aos espectadores o melhor levantamento de t-shirt e visionamento mamário, por parte de uma fã, no festival. Isto no mais improvável dos concertos. O público masculino (e quiçá uma porção do feminino) agradece!

A ideia de ver o aclamado e aparentemente intenso concerto dos Of Monsters And Men é impedida pela entrevista aos Alt-J e a presença da nossa capa #29 no palco principal. Tame Impala só pecaram por terem tocado uma hora mais cedo do que mereciam. Se há banda neste festival que merecia o psicadelismo visual de luzes e telas,  que só a noite pode proporcionar, a  acompanhar o seu som, eram eles. De certa forma não necessitam praticamente de pausas entre as músicas pois o seu groove onírico funciona como um contínuo que nos carrega para mais e mais alto. Por uma vez a palavra que se tornou temida no rock, a palavra “progressivo”, faz pleno sentido. E não é sinónimo de chato. Apresentando-se aqui no final da sua digressão, os Impala tem a oportunidade de fechar a luz do dia no palco principal com a chave de ouro. E, transpondo a lógica dos sonhos onde a sua música parece existir, convocam o lusco-fusco a instalar-se no ultimo dia do festival. O ritmo poderoso de “Elephant” ou o falsetto digital épico de “Apocalypse Dreams” transformam o ar, tornando a atmosfera mais líquida! O encerramento vem com “Half Full Glass of Wine” e o copo esteve definitivamente meio cheio. Uma progressão final magnífica que poderia durar todo o tempo do mundo, em que mais e mais camadas se iriam agregando. Quando já não sobrasse espaço para o ouvido humano distinguir sons individuais. Mais uma banda que pede presença cá em nome próprio para um coliseu. Onde, há boa maneira dos Grateful Dead de outrora, haja espaço para deitar no chão e levantar voo para outros destinos!

De volta ao que é, quase sempre, o melhor palco deste festival começa a mais poderosa sequência deste festival. Se as bandas que se seguem tivessem resolvido combinar entre si os seus alinhamentos, para construir uma espécie de progressão colectiva, destinada a deixar o mais macambúzio espectador num estado de elação, a coisa não poderia correr melhor. Por uma vez os parabéns devem ser dados a quem soube construir este set. O fim de festival, no palco secundário, costuma ser espaço de ressaca. E aqui foi espaço de apocalipse. No melhor e verdadeiro sentido da palavra. Twin Shadow é o alter-ego (ou se calhar a sombra) em palco do americano de origem dominicana George Lewis Jr. Com todo o peso do synth new wave dos anos oitenta em cima dos ombros, a coisa não se fica pela mera homenagem mais ou menos reverente por uma década que fritou positivamente muitas sinapses,  encontrando todo uma nova envolvência para criar novas canções. E boas canções pop se tratam, cheias de ganchos orelhudos: “Slow” é Morrisey instrumentado pelo Prince e produzido por Giorgio Moroder. “Five Seconds” é absolutamente irresistível: num mundo normal seria isto a passar em rádios e não o lixo habitual. Se isto não é um grande hit não sei o que é! Termina com “Panama” dos Van Halen. Eclético é o nome do dia!

Os Alt-J são, talvez, a nova coqueluche do indie pop rock. Merecidamente o são. E por cá o culto explode num concerto onde o Heinenken esteve completamente a abarrotar. Onde 4 rapazes fazem brincadeiras com as formas de percussão. Jogando com o “aquilo que é esperado” de uma estrutura rítmica e levando a coisa para campos fora do habitual! Usando a voz peculiar do vocalista para criar um efeito de estranheza viciante, que em disco nos faz voltar para trás por causa de um pormenor inesperado.  E que usam as melodias vocais, que poderiam muito bem funcionar unicamente a capella, como suporte do seu tecido sonoro. Músicas como “FitzPleasure” mostram como o jogo de harmonias, quase à maneira de Brian Wilson, são umas das componentes fortes desta banda. Nada nisto é exactamente fácil. Mas é extremamente contagiante. E é um dos sons que mais cresce em nós com audições regulares. É refrescante constatar que esta banda em particular consegue encher desta maneira um recinto deste tamanho,  com um público que conhece e canta cada música com fervor. Actuação irrepreensível, para tocar essencialmente o, até agora, único álbum “Awesome Wave”, cujo conjunto de músicas não serão exactamente simples de serem transpostas para o formato ao vivo. Que o façam parecer fácil, e isso é um dado adquirido, é um grande ponto a favor.  “BreezeBlocks” é capaz de ficar como “A” canção do festival, em termos de fusão e harmonia público/banda. Esta onda fabulosa formou um mar de gente e de triângulos. Que serão a forma favorita desta banda!

E é sempre difícil, diz-se, escolher o vencedor, o nome que marca um festival de música (ou de cinema ou de circo ou de literatura ou do que for). O nome que as pessoas dirão anos depois: “Eu estive lá naquele dia, naquela actuação”. É subjectivo, diz-se, e uns gostam disto e outros daquilo. Tretas! O melhor concerto do Optimus Alive foi Django Django. Preciso aqui de roubar a concorrência e recorrer ao cabeçalho do NME de 2009: “Django Django, a band so good they named it twice!”. E por uma vez não é hype ou hipérbole. O seu som consiste em… Tudo! Os nomes, os géneros, as gavetas são sempre reducionismos, não importa de que banda se esteja a falar. Mas aqui essa muleta jornalística tem mesmo de ser posta de lado, uma vez que não há qualquer critério de classificação possível  que não se estilhace imediatamente com o que estes rapazes de Edimburgo fazem em disco e em palco. Estes são mesmo pós tudo. A banda de fim dos tempos. O local onde vai desaguar todo o caldeirão de folk pop rock metal dance world music que a segunda metade do século XX produziu. Há África e electrónica e guitarra a rasgar e baixo funk! Como se aquela última barreira psicológica de “eu provenho deste país, ou sou desta raça ou género ou na minha infância ouvi isto, e óleo e água não se misturam” fosse obliterada. A cozinha faz-se experimentando ingredientes e sabores diferentes. Chegam ao Alive com grandes canções. Esquisitas, diferentes, improváveis, inteligentes. Canções simultaneamente para o corpo, mente e espírito. Encontraram uma multidão ávida de celebração. Uma hora de festa permanente. E este foi um daqueles momentos “era preciso ter estado lá” Porque era preciso ter estado lá! As pessoas saltam no ar (ou são mandadas), há crowd surfing, há dança em cima dos caixotes do lixo. Talvez um efeito cumulativo de três dias de música, álcool, canabinóides e outras substâncias controladas, convívio e suor tenham encontrado aqui o ponto zero de catarse. Seja qual for o motivo, the crowd goes wild! O vocalista Vicent Neff e o resto da banda tem o Optimus Alive na palma da mão e sabem-no. “Storm”, o egiptico dançável “Skyes Over Cairo”, “Default” e principalmente “WOR” com a sua batida marcial e sirenes apocalípticas, arrasam o terreno como canções de destruição massiva! Django Django, uma banda tão boa que  preciso é dizê-lo duas vezes!

Antes, os Kings Of Leon tiveram um verdadeiro mar de gente à sua frente. E se os headliners não deslumbraram, também não desiludiram e até surpreenderam. A banda está a milhas (para melhor) do que era em 2004, quando nos visitaram no RiR. A grande parte do público esperava por “Use Somebody” e “Sex On Fire”, e esses fãs epidérmicos tiveram direito ao seu momento de êxtase. Ainda assim, a banda optou por revelar todo o seu crescimento através de um concerto focado, sereno. A grande surpresa acabou por ver como a família Followill evolui musical e tecnicamente nos seus instrumentos, com destaque para as guitarras de Caleb e, principalmente, de Matthew. Esperava-se mais novidades relacionadas com “Mechanical Bull”, a ser editado em Setembro, mas ver como Nashville, a cidade de formação da banda, ocupou, no seu coração, o lugar de Manchester fez valer a pena a espera de quase dez anos até regressarem a Portugal.

 

Encerrando a festa um nome pulsa de forma ameaçadora no néon do fundo do palco. Os Bloody Beetroots chegam com as suas máscaras à Venom agarrar numa multidão electrizada pelos Django, e conseguem  o trunfo de não deixar o nível esmorecer. A sensação que se tem é que este festival está agora a começar. E que a festa se poderia prolongar até ao nascer do dia. Noise, muito noise, muito punk e até alguns laivos techno clássicos. A tarola constantemente a marcar tempo. Neste nível e a esta hora é o corpo, e não a mente, que domina. Eles introduzem tudo e mais um par de botas lá de cima do palco. A biologia responde cá em baixo de forma apropriada. No último concerto do último dia, a mente que esteve num festival a trabalho, e que tem sempre o dever consciente de manter um nível de análise ao que se passa em cima dos palcos, pode finalmente sair de cena, e dar lugar à libertação de toxinas. A sombra negra do Homem-Aranha esteve multiplicada em palco, e fez coisas a nível sonoro que permitiu a uma multidão vibrante ser um corpo ritmado e não uma mente analítica. Bloody roots indeed. Terminou em triunfo, como tudo na vida deveria terminar!