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Ozzy Osbourne, A Primeira e Última Paragem da Louca Locomotiva

Ozzy Osbourne, A Primeira e Última Paragem da Louca Locomotiva

2018-07-02, Altice Arena, Lisboa
Nero
Everything is New
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No epílogo da sua carreira, Ozzy superou expectativas e gravou a fogo o seu primeiro e histórico concerto em Portugal.

Em 1984, John McCollum, um adolescente de Indio, suicidou-se com um tiro na cabeça. Quando foi encontrado, tinha o álbum “Blizzard Of Ozz” colocado no prato do seu gira-discos. Os seus pais procuraram um advogado e, devido à letra de “Suicide Solution”, decidiram acusar Ozzy Osbourne de ter fomentado o suicídio do seu filho. O artista acabou ilibado de todas as acusações de que era alvo. Thomas T. Anderson, advogado do casal McCollum, no documentário “Don’t Blame Me”, relembra: «Acabei por ir a um concerto de Ozzy Osbourne, queria ver o que era e o que vi foram 17 mil miúdos. Não lhes vi um único sorriso. Estavam todos muito carrancudos. E aquilo não é música. Podia pensar-se que sou apenas um velho que não percebe o que se passa, mas a verdade é que aquilo não é música. É ruído frenético. E vi 17 mil miúdos erguerem as mãos a fazer cornos, o que é o sinal do diabo, como sabem, enquanto diziam: ‘Ozzy, Ozzy, Ozzy’».

Depois de uma espera de cinco décadas, com um concerto desmarcado a um par de dias de acontecer pelo meio, os “17 mil miúdos” (sim, porque muitos ali presentes estavam como miúdos que compraram os discos, que idolatraram Randy Rhoads, que viram Jake E. Lee passar como um cometa e assistiram à ascensão de Zakk Wylde ao panteão dos maiores colossos da guitarra) que encheram a Altice Arena não mostravam qualquer carranca, nem esperavam idolatrar o Príncipe das Trevas. Exultavam ao ver a introdução em vídeo que sintetiza uma carreira que entra na sua recta final e sorriam, enquanto diziam: ‘Ozzy, Ozzy, Ozzy’.

O titã sobe a palco e exorta: «Que comece a loucura». E a rápida composição de Jake E. Lee, “Bark At The Moon” torna-se na primeira malha que Ozzy Osbourne interpreta no nosso país. A magnitude da sua discografia permite oferecer o épico “Mr. Crowley” logo de início. A evocação do génio de Randy Rhoads revela ainda dois factores que vão determinar muito do concerto. Adam Wakeman (filho de Rick Wakeman, o arquitecto dos Yes, que acompanhou as duas últimas digressões de Sabbath) executa a introdução dos órgãos de forma muito mais cadenciada e numa afinação mais baixa, o que tem, naturalmente, reflexo nos restantes músicos e instrumentos. Provavelmente, essa opção serve apenas para proteger Ozzy, cuja voz nunca foi um paradigma de afinação e está cada vez mais débil – afinal, são quase 70 anos carregados de vícios. Contudo, o impacto estético é evidente: está tudo mais lento e mais pesado.

SUPER LENTO, SUPER PESADO

Um ambiente perfeito para a primeira das três canções de Black Sabbath. “Fairies Wear Boots” soa com um groove furioso, com a tremenda excitação dos abusivos harmónicos artificiais da guitarra (a imagem de marca de Zakk Wylde) e permite a Lisboa vingar-se de outra injustiça, de nunca ter tido os Sabbath nos seus palcos. Até aqui, Zakk Wylde aproveitou para homenagear os colossos que o inspiram através da sua própria linha de guitarra, as Wylde Audio. Começou o concerto com o modelo Odin Grail, que emula as suas próprias Les Paul com o acabamento Bullseye, pegou depois numa Viking, tributando a icónica Flying V de Rhoads, construída por Karl Sandoval, e para prestar homenagem a Tony “Iron Man” Iommi recorreu ao modelo inspirado nas SG, a Wylde Barbarian.

Em “No More Tears”, no épico dos épicos, Zakk regressou a um modelo Odin. Reproduzindo na perfeição aquela que é um dos melhores solos de guitarra de sempre, de uma das melhores canções de sempre no universo heavy metal/hard rock. Uma vez mais, repita-se, uma interpretação marcada pelo decréscimo de bpms e de afinação em relação ao original. E num nível de actuação imaculado. Um nível que só em “Road To Nowhere” iria ser realmente marcado pela tradicional desafinação de Ozzy. Um detalhe, porque o carisma vocal do lendário frontman dos Black Sabbath sempre transcendeu esse condicionalismo. Foi a partir daqui que Zakk Wylde se agarrou a um modelo War Hammer, claramente inspirado nas guitarras Dime ML, da Dean, de Dimebag Darrell, o famigerado guitarrista dos Pantera e amigo próximo de Wylde.

BLIZZARD OF ZAKK

Paralelismos de protagonismo de Zakk Wylde que se tornou mesmo no actor principal do concerto a partir da segunda evocação aos Sabbath. “War Pigs” foi um dos momentos altos da noite, congregando todos os pressupostos da banda de Birmingham e convocando o coro de toda a sala. Tocada um certo sabor sulista, como Wylde chegou a fazer na era dos Pride & Glory. As sirenes de bombardeamento que acompanham os riffs megalíticos de Iommi… Tremendo! No final, permitindo que Ozzy pudesse descansar, Zakk Wylde desceu ao nível da plateia e percorreu a boca de palco, de um lado ao outro, fixando-se alternativamente em três pontos, para destilar a sua agressividade e fúria enquanto um dos maiores shredders de sempre. Recorrendo a todos os truques do livro (guitarra atrás das costas, notas tocadas com os dentes) e a alguns licks já conhecidos de actuações gravadas, numa torrente de velocidade vertiginosa e notas sem um único “fuck up”! Os ecrãs simulavam chamas exaladas pelo corpo de Wylde. Uma analogia perfeita.

Mas diga-se, em abono da verdade, que talvez tenha acabado por ser um momento excessivo. Mesmo adorando guitarra e sendo devotos do shred, Wylde esteve uma longa vintena de minutos nesse exercício de auto-glorificação, antes de entrar para um medley instrumental de riffs, que fez retrospectiva à sua tríade clássica de discos com Ozzy, “No Rest For The Wicked”, “No More Tears” e “Ozzmosis”, sobre os quais solou também – aí obedecendo aos solos que gravou originalmente, num contexto mais interessante. Até porque, foi com Ozzy que Zakk Wylde sempre se expressou de forma mais eloquente, obedecendo a fórmulas mais rígidas de produção.

Com a rodagem das duas últimas digressões de Black Sabbath“The Reunion” e “The End”, Tommy Clufetos baseou-se nos solos de bateria desses concertos para se exibir em Lisboa. Uma batida colossal, pontuada por mestria no flam ou rim shots. Um solo de bateria old school, um dos truques que o hard rock introduziu na indústria dos mega concertos e cuja eficácia permanece intocável. Sendo assim, «para quê mudar o mundo ou deixar que o mundo nos mude?».

MAMA, I’M COMING HOME

O concerto correu rapidamente para o final. E talvez a opção de reduzir tempo e afinação tenha tido efeitos nefastos neste momento, “Crazy Train” acabou por soar algo descaracterizada, sem a elegância ligeira que lhe era emprestada por Randy Rhoads. Não que isso tenha demovido a plateia da loucura com a icónica canção e que se iria tornar num enorme coro na super balada “Mama, I’m Coming Home”. Então ressurgiu a velocidade eléctrica com a última evocação a Black Sabbath, através de “Paranoid”.

É um pensamento triste se nos lembrarmos que Randy nos deixou (brutalmente cedo demais), que Lemmy, que escreveu “Mama, I’m Coming Home” com Zakk e Ozzy, por exemplo, também já nos deixou e que Tony Iommi enfrenta um cancro. Além de que não vai para novo, tal como Ozzy. Quem nos dará canções deste calibre no futuro?

Há que aproveitar cada segundo, cada nota, como se fossem os últimos e Lisboa pode ter esperado muito tempo por um concerto de Ozzy Osbourne, mas acreditem que o cantor e a banda tudo fizeram para compensar essa espera, entregando-se no seu máximo ao concerto. Palavra de quem teve a oportunidade de ver Ozzy noutros palcos e baixara as expectativas. A Altice Arena viu Ozzy Osbourne no seu melhor e bastará comparar-se as memórias de ontem com os concertos gravados que existem do “Prince Of Darkness” para o perceber. Foi um concerto histórico e um grande, grande concerto que terminou com toda a gente a sorrir e a gritar ‘Ozzy, Ozzy, Ozzy’.

Noto: Não foi possível fotografar o concerto de Ozzy Osbourne. Por isso não temos fotos de Zakk Wylde. :(

SETLIST

  • Bark at the Moon
    Mr. Crowley
    I Don’t Know
    Fairies Wear Boots
    Suicide Solution
    No More Tears
    Road to Nowhere
    War Pigs
    Miracle Man / Crazy Babies / Desire / Perry Mason
    I Don’t Want to Change the World
    Shot in the Dark
    Crazy Train
    Mama, I’m Coming Home
    Paranoid