VOA – Heavy Rock Festival 2022 [DIA 02]: O Triunfo dos Mastodon na Ilha de Bring Me The Horizon
2022-07-01, Estádio Nacional, JamorCom um cartaz muito remendado e algo esquizofrénico, os Mastodon foram reis e senhores do segundo dia do VOA – Heavy Rock Festival, provando a cada batida e a cada riff do seu tremendo concerto porque motivo se tornaram uma das maiores bandas de metal do mundo, numa noite em que a maior legião de fãs foi dos Bring Me The Horizon.
O segundo dia do VOA – Heavy Rock Festival confirmou que seria muito difícil igualar a excelência do cartaz que abriu a edição de 2022. Nesse aspecto, os Mastodon lutaram sozinhos e os Bring Me The Horizon foram uma ilha, de certa forma. Ainda assim, parecem ter estado mais algumas centenas de pessoas em relação ao primeiro dia. De um modo geral, o som também teve algum volume extra e, durante a maioria dos concertos, beneficiou de melhores condições atmosféricas que na super ventosa jornada anterior. Os Alien Weaponry prenunciaram essa esquizofrenia estética do cartaz, com os seus riffs apegados ao cânone nu metal a ajustarem-se mais ao que fariam depois os japoneses Crossfaith e até os headliners Bring Me The Horizon. Enfim, nu metal, metalcore, emocore, outros termos, outros públicos, diferentes gerações. Por isso, para uma análise aos Bring Me The Horizon mais geracionalmente ajustada, é o Rodrigo Baptista, que recentemente esteve no LAV a ver Jinjer, quem vos fala desse concerto que motivou uma concentração de fãs acérrimos junto ao palco, ao mesmo tempo que promoveu uma debandada entre muito do público presente no Jamor (mais abaixo).
Ainda assim e recuando um pouco, este velho rezingão não deixou de ficar impressionado com Tatsuya Amano, o portentoso baterista nipónico, com uma batida violentíssima e espantoso trabalho de pés, com espantosos flams no pedal duplo, e enorme fluidez nos pratos. Mas a mistura de afinações baritonais e loopagem electrónica numa dinâmica de peso-pelo-peso… Há por aí muita confusão entre o que é pesado e o que é, simplesmente, grave. De qualquer forma, os Crossfaith revelaram capacidade para conquistar o público que se prostrou em frente ao palco.
Sobre os GAEREA, repescados à última hora para este cartaz, após o cancelamento de Sylosis, bastaria dizer que poucas outras bandas portuguesas poderiam aceitar essa urgência com a solidez do jovem grupo portuense. Esta semana anunciaram um novo trabalho. “Mirage” é o terceiro álbum na discografia da banda portuense e foi inteiramente concretizado em Portugal, junto de Miguel Tereso, que o captou, misturou e masterizou nos Demigod Recordings. Além disso, a banda tem estado num frenesim de actividade de palco. Depois de terem completado uma rota no Reino Unido e ter feito a sua estreia no gigantesco Hellfest Open Air, por estes dias o quarteto passou também no Resurrection Fest, em Viveiro. Portanto, a data no VOA foi quase uma formalidade, digamos assim e com o melhor dos sentidos, para a rodagem que os músicos apresentam. O concerto levantou uma questão e se esta será permanente, pois a banda apresentou-se com alguns ajustes na formação, aparentemente sem o habitual vocalista e com um dos guitarristas (suspeitamos que fosse Guilherme Henriques) a assumir também o trabalho vocal, deixando mesmo a guitarra de lado no último tema. O recente single “Salve”, tocado entre “Conspiranoia”, “Null” e “Urge”, destacou-se num concerto que, com um ambiente mais apropriado, poderia ter sido muito mais que apenas muito competente.
Depois, é certo que Phil Campbell merece todo o respeito por ter sido o guitarrista que mais tempo esteve ao lado de Lemmy. Todavia, após a saída de Fast Eddie Clarke e o glorioso período em que os Motörhead gravaram o seu homónimo álbum de estreia, em 1977, e “Iron Fist” (1982), as coisas que se sucederam pareceram sempre pálidas por comparação. Agora, ao lado dos seus filhos Todd, Dane e Tyla, o catálogo da lendária banda britânica é executado com classe, com um carácter mais rocker que aquela agressividade punk que influenciou o thrash, mas não soa a mais que uma caríssima banda de pubs. Talvez por isso, coma sombra a alastrar pelo relvado do Jamor e a amena temperatura, se tenha propiciado o aumento no consumo de cerveja. Antes das coisas se tornarem sérias…
MAIS DO MESMO, PORTANTO CADA VEZ MELHOR
Das descargas de “Remission” e “Leviathan” à atitude consideravelmente mais directa e orelhuda de registos recentes como “Once More ‘Round The Sun”, os Mastodon raramente falham o alvo nos seus álbuns, mas é nos mais exigentes exercícios conceptuais que são “Blood Mountain”, “Crack The Skye”, “The Hunter” e “Emperor Of Sand” que os músicos de Atlanta, Geórgia, revelam o melhor de si e da sua titânica força conjunta. No concerto no Jamor, o mais recente álbum “Hushed And Grim” foi a pedra angular do alinhamento, como tem sido, aliás, nas restantes datas europeias desta digressão. Assim ficaram de fora alguns dos temas mais “orelhudos”, como “The Motherload” e “High Road”, mas houve mais exuberância técnica, através de uma cerebral navegação entre riffs e fraseados de finíssimo recorte musical. Entre a régie e a boca do palco, soava tudo com espantosa articulação e com um enorme som de guitarras, mais espantoso se pensarmos que, por exemplo, Bill Kelliher se limita a usar uma Line 6 Helix, ligada em DI (os amps, entre os quais o infame ButterSlax, não andam em tour). Brent Hinds foi recorrendo a modelos como a Banker Custom Hammer Axe, a Gibson Flying V Silverburst de 2005 – que depois originou a mais económica assinatura Epiphone Flying V Custom – ou o modelo SG da Woodbine Guitars, que tem usado cada vez mais ao vivo. Troy Sanders não largou o deslumbrante Jaguar que a Fender lhe criou.
Entre estas considerações, depois de ter arrancado com “Pain With An Anchor” e antes de regressar ao último álbum com a esmagadora “The Crux” e a redonda “Teardrinker”, fomos arrasados pela força bruta de “Crystal Skull” e a gargantuesca “Megalodon”, temas que nos fizeram recuar a 2004 e 2006 e a uma altura em que os Mastodon criaram as fundações da sua fúria sónica, a qual, vinte anos depois, permanece intacta. Isso percebe-se no natural entrosamento que se dá entre os mais recentes temas e os recuos no tempo e ao álbum “Blood Mountain”, com a esquizofrenia de “Bladecatcher”, e “The Hunter”, com a propulsiva “Black Tongue”. “Skeleton Of Splendor” permite recuperar um pouco o fôlego no presente, antes de mais uma intensa visita ao passado, através do contemplativo épico “The Czar”, cuja abertura nos remete para o teclista brasileiro João Nogueira, que passou a integrar a formação ao vivo dos Mastodon nesta digressão. Além de falar português (uma língua que, com a excepção da tribo dos Sepultura e derivados, e em certa medida dos Angra ou Moonspell, não costuma ser ouvida nas altas esferas do metal) tem também uma ligação a Portugal através da sua banda de origem. O músico integra o colectivo Stone Giant, que inicialmente congregava na sua formação um português (Pedro Zappa), um argentino, um brasileiro e um chileno, todos estudantes na Berklee, em Boston.
O padrão é mantido, mais dois temas de “Hushed And Grim”, nomeadamente “Pushing The Tides” e “More Than I Could Chew”, antecedem nova analepse. Desta vez, às origens e quando os Mastodon ainda roçavam o post doom e o sludge. Sim, para este que vos escreve “Mother Puncher” foi o malhão da noite! “Gobblers Of Dregs” e “Gigantium”, em mais uma dose dupla do recente disco, antecederam o final com a frenética “Blood And Thunder”. Oito álbuns, seis nomeações e um Grammy depois, as digressões dos Mastodon têm vindo a tornar-se cada vez maiores e melhores, ao fim de duas décadas em que os mesmos quatro gajos permanecem unha com carne. Acreditem, não é algo muito comum. A setlist: Pain With an Anchor; Crystal Skull; Megalodon; The Crux; Teardrinker; Bladecatcher; Black Tongue; Skeleton of Splendor; The Czar; Pushing the Tides; More Than I Could Chew; Mother Puncher; Gobblers of Dregs; Gigantium; Blood and Thunder.
A MALDIÇÃO PERSISTE
Recordar a estreia dos Bring Me The Horizon (BMTH) em Portugal exige recuar aos dias 17 e 18 de Novembro de 2011. Posicionados num contexto ainda semi-underground, os BMTH debutaram em terras lusas num período de experimentação e evolução sonora – algo que viria revelar-se uma constante na carreira da banda. O deathcore de “Count Your Blessings” (2006) e de “Suicide Season” (2008) dava agora espaço a um metalcore híbrido carregado de elementos sinfónicos, electrónicos e corais. Desta forma, não é de estranhar que, durante a fase de “There Is a Hell Believe Me I’ve Seen It. There Is a Heaven Let´s Keep It a Secret” (2010), os BMTH tenham visto a sua falange de fãs (maioritariamente juvenil) crescer em diversos países, nomeadamente em Portugal, isto porque encontravam na banda de Sheffield uma porta de entrada para o mundo da música pesada. Os BMTH passaram então a serem cobiçados para partilharem os palcos com bandas consagradas, algo que lhes permitiu tocar em salas com maior capacidade e também perante novos públicos. Aliás, foi neste contexto que se estrearam, então, em Portugal a abrir para Machine Head. Acontece que as coisas deram para o torto, com vaias e intolerância da maioria do público. Muitos se questionam porque é que os BMTH demoraram tanto tempo a regressar a Portugal, e a resposta pode estar precisamente nas ocorrências que tiveram lugar nos concertos de 2011, nos Coliseus.
Desde aí, muita água passou debaixo da ponte. Os BMTH passaram por mudanças na formação, em 2012 entrou para banda o teclista Jordan Fish, elemento fulcral e que desempenha hoje em dia os papéis de compositor e produtor; editaram o clássico “Sempiternal” (2013), que, sem rodeios, podemos considerar o “Master of Puppets” do metalcore; passaram de tocar em pequenas salas em nome próprio para serem cabeças de cartaz em arenas; em 2016, actuaram com um orquestra num concerto especial no Royal Alber Hall; e quebraram completamente para o mainstream com as recentes colaborações com Ed Sheeran e Machine Gun Kelly. Ao Estádio Nacional, os BMTH, com Oliver Sykes (voz), Lee Malia (guitarra), Jordan Fish (teclas), Matt Kean (baixo), Matt Nicholls (bateria) e o hired gun John Jones (guitarra), trouxeram o seu mais recente trabalho “Post Human: Survival Horror” (2020), o primeiro registo de uma série de quatro trabalhos sob o nome Post Human. Contudo, foi com a emocional “Can You Feel My Heart”, de “Semptiternal”, que Oli Sykes e Co. abriram as hostilidades. Aliás, esse foi o álbum mais a antigo a ser revisitado, significando que a banda tivesse deixado completamente de parte os álbuns que remetem para a sua fase mais pesada.
Após o primeiro tema, e com o público já em efervescência e completamente em sintonia com a banda, Oli Sykes comunicou pela primeira vez com os fãs em português. Todavia, não estávamos perante os simples e habituais «obrigado» e «tudo bem». O vocalista decidiu que iria tentar falar em português ao longo de todo o concerto e assim o fez. Não foi aprender português especialmente para este concerto. O vocalista inglês consegue arranhar a nossa língua por a sua namorada ser brasileira e já ter vivido no Brasil. “Happy Song” foi o tema que se seguiu. Com a sua icónica introdução «S-P-I-R-I-T, Spirit Let’s Hear It», proporcionou um enorme coro e, já na bridge, Sykes incitou em bom português às primeiras movimentações do público com um audível «eu quero um moshpit, eu preciso de um moshpit», colocando o Jamor em alvoroço. “Teardrops” manteve a alta intensidade dos primeiros temas, contundo o ritmo do concerto abrandou com as radiofónicas “Ludens” e “Medicine”. “Dear Diary” veio repor a agressividade, enquanto “Parasite Eve”, nos fez recordar os últimos dois anos fechados em casa. Até então, o concerto decorria às mil maravilhas, com um som estupendo, presença em palco magistral e um público completamente ligado à corrente. Mas a maldição dos Bring Me The Horizon no nosso país persiste…
Uma falha técnica deu origem a um apagão não só das projeções, como também das luzes. Ainda assim, com todo o profissionalismo que lhe é associado, a banda optou por continuar a tocar, os fãs saíram em jeito de auxílio e puxaram dos telemóveis para iluminarem o palco. O problema persistiu em “Follow You”, mas nem isso demoveu Sykes e Malia de nos presentearem com uma bonita versão acústica do tema. Com intuito de resolver os problemas técnicos a banda agradeceu ao público, pediu desculpa e ausentou-se do palco por uns 5 minutos. A espera valeu a pena, pois o regresso foi feito ao som da catártica “Shadow Moses” e com os versos «Can you tell from the look in our eyes? / We’re going nowhere / We live our lives like we’re ready to die / We’re going nowhere» entoados entre banda e plateia. Fomos até ao Japão com “Kingslayer”, tema que conta com a participação das Babymetal e que nos traz um kawaii metal não muito interessante. Já “Die4U”, trouxe-nos um vislumbre do que pode ser o próximo trabalho dos BMTH, cuja sonoridade bastante pop surge na mesma linha de “Ludens” e “Medicine”. Seguiu-se “Mantra” que, com o seu primeiro verso «Do you wanna start a cult with me?», faz pensar que isto de ser fã de BMTH é mesmo como pertencer a um culto, tal é a devoção manifestada para com a banda. Ficava a faltar a trilogia final.
A emotiva “Drown” trouxe Oli Sykes até ao público, para distribuir high fives nas primeiras filas e receber todos os crowd surfers que chegavam até ele, escusado será dizer que a histeria ao estilo Beatlemania estava montada. A música terminou já com Oli em palco e com uma bandeira de Portugal e um cachecol que parecia ser do Benfica aos ombros. Seguiu-se “Obey”, que soou colossal, ficando apenas a faltar a participação de Yungblud que surgiu apenas nos ecrãs e “Throne”, que, com o seu arena rock electrónico colocou um ponto final numa noite de emoções à flor da pele, para todos aqueles que aguardavam por este concerto há 11 anos. Goste-se ou não, é inegável que os Bring Me The Horizon são à data de hoje uma das grandes bandas de rock do mundo. A forma como se desenvolveram sonicamente e cresceram no panorama dos espectáculos ao vivo revela bastante bem a sua astúcia e concordância para com a sua natureza evolutiva. Muitos criticam o facto de não serem metal. Todavia é de louvar o seu posicionamento no seio das camadas mais jovens, ao resultarem numa espécie de portal entre o mundo do rock e pop e o do metal. Por isso, devemos ficar satisfeitos por ainda existirem bandas que não só não têm medo de arriscar, como também procuram contrariar a estagnação sonora. Os Bring Me The Horizon são um desses casos raros. Para o ano há mais.
SETLIST
- Can You Feel My Heart
Happy Song
Teardrops
Ludens
Medicine
Dear Diary
Parasite Eve
Follow You
Shadow Moses
Kingslayer
DiE4u
MANTRA
Drown
Obey
Throne