A História da Fender Stratocaster
Criada em 1954, a Stratocaster tornou-se, a par da Les Paul, a guitarra mais famosa na história da música. Para muitos é a melhor guitarra do mundo. Esta é a sua história, desde a concepção original de Leo Fender, George Fullerton e Freddie Tavares, até ao surgimento das Super Strats e os dias de hoje.
«Uma Stratocaster faz tudo o que as outras guitarras fazem. Outras guitarras são famosas por terem um certo som, mas esta faz tudo. Pode soar como o corpo grande de uma Gibson, consegue soar como uma Telecaster, faz tudo. Além disso é bonita.» É provável que Jimmie Vaughan não se refira às guitarras de metal extremo, mas a versatilidade da Stratocaster tornou-se senso comum durante os 60 anos que passaram desde a sua criação.
Em 1954, a Telecaster tinha o seu design estabilizado e era um sucesso comercial. Esse design, contudo, era (como continua a ser) algo rígido e, com a fábrica de Fullerton a produzir de vento em popa, Leo Fender, George Fullerton e Freddie Tavares apresentaram um modelo mais versátil – com o corpo arredondado e cheio de contornos, mais confortável portanto, e o revolucionário duplo cutaway que permitia um acesso ilimitado às secções agudas de qualquer parte da escala. Além disso, o tremolo e os três pickups dotavam a guitarra de um mar de possibilidades sonoras, ao passo que o sistema strings-through-body acrescentava maleabilidade à ponte. Tinha nascido uma das maiores lendas da música – a Fender Stratocaster.
O Leo [Fender] é um artista autêntico. A Strat é tão rija e forte como uma mula, com a elegância de um cavalo de corrida. Tem tudo o que necessitas e isso é algo raro de encontrar em qualquer coisa. O homem fez uma obra de arte – Keith Richards
Durante os 60 anos da sua existência, a Stratocaster tornou-se a guitarra mais vendida e o modelo mais copiado – praticamente todos os fabricantes (pequenos ou tubarões) possuem uma ou mais cópias ou variações do formato Strat. Entre muitos outros, os Pink Floyd, pelas mãos de David Gilmour, imortalizaram a guitarra, o Ritchie Blackmore [Deep Purple], Jeff Beck, Eric Clapton, Stevie Ray Vaughan, Frank Zappa, Mark Knopfler, mesmo os Beatles (em vários temas de “Rubber Soul” e “Revolver”), toda a gente nos Iron Maiden ou até Trevor Peres, no álbum de estreia dos Obituary, “Slowly We Rot”, em 1989. Possivelmente, nenhum lojista vendeu mais Stratocaster que Jimi Hendrix. O guitarrista praticamente não utilizou outro modelo durante toda a sua carreira, influenciado por Buddy Guy e Ike Turner. Estes nomes e estilos sonoros tão distintos seriam o suficiente para provar a versatilidade das guitarras.
Actualmente, há Strats com madeiras e acabamentos para todos os gostos. Os primeiros modelos possuíam um corpo em ash [freixo] e o braço em maple [ácer] com 21 trastes. Em 1956 surgiram os corpos sólidos em alder [amieiro]. Entre 1959, os modelos com braço em peça única de maple foram descontinuados e o padrão passou a ser uma escala em rosewood [palisandro] colada ao maple. A partir de 1964 tanto o rosewood da escala como o maple do braço recebiam um pré-tratamento para a formação do raio de escala, tornando os braços ainda mais redondos e espessos.
Adoro a forma da Strat. Adoro os três pickups, a forma da cabeça e o braço. Mesmo que não fosse uma guitarra, se fosse o batente de uma porta ou assim, continuaria a ser uma excelente peça de design – George Harrison
CBS
Entretanto a CBS, gigante da comunicação e media, comprou a Fender e introduziu ainda um novo tipo de modelos, em que o braço em maple possuía uma escala colada, de maple também, mas laminada. Há três teses para ter existido este interregno: 1) a Fender tinha algumas dificuldades no encurvamento dessas tábuas e o novo método de construção facilitava muito essa tarefa; 2) as guitarras da Gibson (Les Paul, SG, 335) usavam escala em rosewood e os clientes achavam essa opção atraente e 3) as escalas de maple descoloravam muito rapidamente, pois o seu acabamento de laca nitro celular era antiquado e gastava-se com facilidade.
Apenas em 1969 regressaram os braços “originais”. Ainda em 1965 houve outra alteração nas Strat. Em Dezembro, a produção dos modelos inseriu o design dos headstocks das Jazzmaster e Jaguar, para uniformizar e rentabilizar a produção em fábrica ou para tentar auxiliar o desempenho comercial daquelas (só mais tarde se tornariam modelos mainstream) e a Strat ficou com aquele “cabeção”. Ainda no que respeita à escala, em 1989 o ebony (ébano) passou a ser mais uma opção.
MODS
Originalmente (muito antes de surgirem os modelos HSS), as guitarras possuiam os três pickups single coil com um comutador de 3 posições. Mas descobriu-se que, alterando o circuito entre a 1ª e 2ª posição, era possível utilizar o pickup da ponte e o do meio em simultâneo, o mesmo sucedendo entre a 2ª e 3ª posição – durante vários anos este tornou-se um truque amado por imensos guitarristas até que, em 1977, a Fender passou a produzir a guitarra com um switch de 5 posições. Este tipo de produção de fábrica pode ter retirado uma certa mística rock ‘n’ roll inerente à “alteração” apócrifa dos parâmetros originais, mas admita-se que trouxe muito maior estabilidade ao circuito.
Até aí, os 3 pickups eram completamente idênticos (as cores tonais derivavam simplesmente da sua posição na zona do corpo), mas a partir desta reformulação, em 1977 a Fender alterou também o pickup do meio – inverteu a fiagem e a polaridade, assim o magnetismo ficou como oposição ao magnetismo dos seus dois irmãos (a fiagem em torno da bobine conduz a electricidade nesse sentido oposto). O efeito prático desta decisão foi uma maior capacidade para anular o ruído eléctrico debitado pelos pickups, quando seleccionada uma posição intermédia (ponte+meio ou meio+braço). Este conceito, contudo, já era usado no sistema de humbuckers da Gibson e até no pickup split coil que a Fender desenvolvera para o Precision Bass. Actualmente todos os instrumentos Fender com single coils possuem um circuito deste tipo.
A maioria das guitarras perde a afinação, se puxas demasiado pela corda, mas por algum motivo a Strat é como uma pedra. Podes ser bastante físico e bruto a tocá-la que continuará ali para ti – Nils Lofgren
As Stratocasters originais possuíam, de fábrica, 5 molas a segurar a ponte ao corpo. Guitarristas como Jeff Beck removiam 2 dessas molas para permitir uma flutuação maior à ponte, permitindo utilizar a alavanca de vibrato para cima e para baixo de uma forma mais significativa – aliás, o estilo técnico de Jeff Beck tornou-se um baluarte deste tipo de execução.
Eric Clapton tornou-se adepto de outras especificações: «O que procurava sempre numa Strat era um braço de maple gasto, se tivesse todas essas marcas deduzia que tinha sido bastante usada por ser boa. A razão porque a quis foi por ter visto o Buddy Holly a tocar com uma, e todos os discos que ele a tocou soava bastante silenciosa, mas o som… Ele tocava-a como uma guitarra acústica. Em miúdo essa era a minha atracção, (…) então fui ao Marquee ver o Buddy Guy que batia no chão com a guitarra, tocáva-la entre as pernas, detrás da cabeça – todos os truques que esse pessoal usava há bastante tempo – e não usava a barra de tremolo. Pensei: “Este é o som”. E depois, o Hendrix. O Jimi tocava com uma enquanto eu ainda usava uma SG. Não tive uma imediatamente, mas acabei por ter. O problema era encontrar o braço em maple, não existiam, pois todos os modelos nessa altura tinham escalas em rosewood. Somente quando fui em digressão aos Estados Unidos comecei a encontrá-las e experimentá-las em lojas de penhores e comprava 4 ou 5 de cada vez. Fazer o Johnny Cash Show, com o Carl Perkins… Tudo isso em quarteto que ou era calmo, funky ou bastante intenso, sempre graças à dureza desta guitarra».
O “Slow Hand” usou, inclusivamente, uma cunha de madeira colocada entre a ponte e a cavidade do tremolo nos seus modelos, isto estabilizava a tensão das molas da ponte e tornava a guitarra muito menos propensa a desafinar. Actualmente já existem Strats com a ponte fixa, as hard tail.
TRÊS RAINHAS
Fender Voodoo Strat Cores: Olympic White, Black and Sunburst | Corpo: Alder | Braço: One-piece Maple | Escala: Maple laminado; raio de 9.5” e 25.5’’ de comprimento. | Trastes: 21 Médio-jumbo | Largura no Nut: 1.650” | Pickups: 3 single-coil em íman de alnico tipo vintage com os pólos invertidos | Controlos: Master Volume, Tone (braço), Tone (meio); Switch de 5 posições | Bridge: “Original” Synchronized Tremolo
Hendrix usava inversamente guitarras para destros, em vez de uma desenhada para canhotos. Ao trocar as cordas mais graves com as mais agudas sem trocar o esquema da ponte e dos pickups da Stratocaster, a corda mais grave tinha um som extremamente brilhante com muito ataque e a corda mais aguda ficava com o som relativamente meloso – o contrário da intencionalidade do design original da Fender. A sua violência no uso da alavanca do vibrato provocava o desafinar constante das guitarras, daí muitas vezes se ouvir o músico em concertos pedir um minuto ao público para afinar o instrumento.
David Gilmour Signature Strat Cores: Black | Corpo: Alder, com acabamento envernizado nitro celular | Braço: Maple 1983 Thin-Shouldered “C” | Escala: Maple; raio de 7.25’’ e 25.5’’ de comprimento | Trastes: 21 estilo Vintage | Largura do Nut: 1.675’’ | Pickups: Seymour Duncan SSL-5 (ponte), Custom-Wound (meio) e Custom Shop Fat ‘50s (braço). Controlos: Master Volume, Tone (braço), Tone (meio); Switch de 5 posições
Diz-se que David Gilmour entrou para os Pink Floyd para, atrás dos amplificadores, garantir as linhas de guitarra que Syd Barrett, progressivamente absorvido em ácidos, foi ficando incapacitado de reproduzir. A verdade é que o som de Gilmour tornou-se a personificação da Stratocaster. Aquele som limpo, meloso, quente e cheio dos solos de guitarra dos Pink Floyd – a forma cristalina como a guitarra soa através de chorus e delay, o uso melodioso do vibrato – tornou-se emblemático. Hoje, muito provavelmente, mesmo aqueles que não são músicos conseguem identificar o som de uma Strat associando-o aos Pink Floyd.
Jeff Beck Stratocaster Cores: Olympic White, Surf Green | Corpo: Alder com acabamento em uretano | Braço: Maple com curvatura “C” | Escala: Rosewood; raio de 9.5’’ e 25.5’’ de comprimento | Trastes: 22 Médio-jumbo | Largura do Nut: 1.6875’’ | Pickups: 3 Dual-Coil Ceramic Noiseless | Controlos: Master Volume, Tone (braço), Tone (ponte/meio); Switch de 5 posições
Jeff Beck é, possivelmente, um génio. Jeff Beck é, possivelmente, um dos guitarristas mais subvalorizados no mundo musical. Beck namorou com Les Paul e Telecasters, mas foi com a Strat que sublimou o seu estilo. A forma pura como, sem usar palheta, faz soar a Strat é uma assinatura sonora única, potenciada pela sua mestria no controlo da alavanca de vibrato. O estilo de Beck exige provas constantes da versatilidade da Strat. Velocidade do braço, agressividade e presença nas distorções, suavidade dos single-coil, a resposta dinâmica do instrumento capaz de convergir dedilhados ou solos.
Penso que é a mais expressiva de todas as guitarras eléctricas, tem o som mais vocal – é o mais próximo da voz humana que se pode conseguir – Robin Trower
CRONOLOGIA
1954 A Fender apresenta a Stratocaster.
1957 A Strat surge pela primeira vez na televisão. Os Crickets, liderados por “Buddy” Holly, tocam “That’ll Be the Day” e “Peggy Sue” no The Ed Sullivan Show.
1962 A fama da Strat aumenta com a guitarra a “surfar” no álbum de estreia dos Beach Boys, “Surfin’ Safari” e no pujante instrumental “Misirlou” de Dick Dale.
1965 A Strat tem um papel activo na história do rock quando, a 25 de Julho, no Newport Folk Festival, em Rhode Island, Bob Dylan é vaiado para “fora de palco”, por surgir pela primeira vez em público com uma guitarra eléctrica nas mãos.
1967 Jimi Hendrix parte a sua Stratocaster de 1965 e pega-lhe fogo, no Monterey International Pop Music Festival.
1970 Eric Clapton inicia o seu “casamento” com a Stratocaster, ao apaixonar-se por um modelo de 1956 que alcunhou como “Brownie”. É com esta guitarra que grava, com Derek and the Dominos, o clássico “Layla and Other Assorted Love Songs”
1971 O Montreux Casino, junto ao Lago Geneva, na Suíça, está em chamas. Na janela de um hotel os Deep Purple assistem ao fogo destruidor e Ritchie Blackmore, com uma Strat, cria o riff de guitarra mais famoso de sempre.
1983 Stevie Ray Vaughan, na antecâmara da sua ascensão a solo, grava “Let’s Dance” com David Bowie.
1987 David “Edge” Evans catapulta os U2 para o topo do mundo com os riffs de “With or Without You”, “Where the Streets Have No Name” e “Still Haven’t Found What I’m Looking For”, no álbum “The Joshua Tree”.
1991 “Nevermind”, o mais bem-sucedido álbum da era moderna do rock, é gravado com Kurt Cobain a segurar uma Strat.
2005 A 17 de Novembro, uma Stratocaster autografada por Bryan Adams, Jeff Beck, Eric Clapton, Ray Davies, Liam and Noel Gallagher, David Gilmour, Tony Iommi, Mick Jagger, Mark Knopfler, Brian May, Paul McCartney, Jimmy Page, Keith Richards Pete Townshend, Angus e Malcom Young, Ronnie Wood e Sting, torna-se a guitarra a atingir maior valor num leilão. 2, 7 milhões de dólares chegaram a instituições de caridade a actuar no Qatar.
2014 A Stratocaster celebra o 60º aniversário. Em 2014, no 60º Aniversário da Stratocaster, visitámos a Fender na Winter NAMM, em Anaheim, Los Angeles, para uma visita guiada aos modelos comemorativos da icónica guitarra (podes ver no player em baixo).
2018 Surge a primeira Stratocaster semi hollow de sempre, com a assinatura de Eric Johnson.
2019 A Black Strat de Gilmour tornou-se na guitarra mais cara de sempre.