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VOA 2019 | Sob o Signo do Nonagrama

VOA 2019 | Sob o Signo do Nonagrama

2019-07-04, Altice Arena, Lisboa
Nero
Thiago Batista
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  • 10

Raras vezes tivemos oportunidade de testemunhar, a esta escala, uma sessão contínua de efervescente, brutal e incansável agressividade sonora. Os Slipknot e aqueles que encheram a Altice Arena, criaram a mais poderosa memória na história do VOA e uma das mais intensas na história do Metal no nosso país.

Depois de muita polémica e muitos rants e opiniões sem qualquer fundamento, aquelas coisas típicas das redes sociais, o VOA aconteceu mesmo na Altice Arena. Será impossível que toda a gente fique plenamente satisfeita com esta opção de última hora e há que perceber isso. Quem tinha toda a logística de viagem definida, campismo ou outro tipo de estadia e comodidades, tem que enfrentar algumas contrariedades. Todavia, nunca se percebeu qualquer hostilidade do público durante o festival (pelo menos de um modo geral). E isso estará relacionado com esta pronta solução da Prime Artists, de mudar o festival para a infame Altice Arena.

O conforto em relação ao Restelo é óbvio (não pretendendo afirmar que seriam melhores os concertos ou piores) e o som naturalmente (deixem-se de pseudo mitologias urbanas) também, não havendo oscilações provocadas por ventania e existindo um efeito de compressão natural, expondo-nos mais aos decibéis vindos de palco do que aconteceria ao ar livre, ainda para mais numa área urbana.

Com excepção à metade inicial do concerto dos Thormenthor, o som passou de bastante aceitável para consideravelmente intenso com os Trivium, começando a ganhar bom recorte instrumental nos Arch Enemy e perdendo alguma dessa característica por troca com um volume de poder esmagador com os Slipknot.

PIONEIROS

Em entrevista na AS #61, onde o elegemos como uma dos mais importantes guitarristas da última década, Miguel Fonseca, recordava o final dos Thormenthor, pelo menos dessa entidade, afinal a banda transmutou-se para os Mofo. «Depois do “Abstract Divinity” tivemos o mesmo problema que muitas das outras bandas dessa altura tiveram, todas elas atingiram um nível técnico de excelência, um nível de intensidade, de brutalidade e de rapidez muito elevado. Atingiram uma espécie de um muro de criatividade e de extremos e acho que todas se perguntaram «o que é que fazemos a seguir?». Não sei se foi das drogas, se foi de outra influência qualquer da altura ou os nervos, mas aquilo está gravado com uma rapidez inconcebível, nem nunca mais conseguimos tocar aquilo assim. Ao vivo, com a pica da actuação, se calhar, atingimos esse nível, mas pegando numa guitarra é muito difícil tocar aquilo. A solução foi a fusão com outros estilos musicais e foi o que aconteceu com Thormenthor. Atingimos esse pico de criatividade e a partir daí ou era repetir a receita, o que não nos agradava de todo», confessa o músico. Todavia essa opção terá deixado uma ferida por sara entre aqueles que já nessa altura seguiam o underground ou que, passando a seguir mais tarde, sempre ouviram referências à banda.

Quando o death metal começou a seguir a simplificação de processos que surgiu no género vinda da Escandinávia, foi do nosso país que surgiu a mais estimulante alternativa aos gigantes do death técnico como os DeathAtheist ou Cynic, e foram os Thormenthor. Contudo, a maioria dos que já estavam na Arena quando a banda nacional tocou, seriam mais insensíveis à relevância histórica da banda para a nossa cena metálica e o som da banda da Margem Sul, que já na época era vanguardista, não criou grande entusiasmado numa sala ainda a menos de meio gás. Já a banda respeitou o seu legado. Os quatro músicos surgiram ensaiados e foram progressivamente soltando alguma da mecanização adquirida abruptamente para este regresso. Fonseca esteve bem vocalmente e terá sido o músico com maior agudeza do tradicional death metal da banda. Quaresma acrescentou subtilmente algum groove extra aos temas, colando a secção rítmica com a performance do frontman. Claro que foi notória alguma rigidez de execução, quase não poderia ser de outra forma, mas a banda não necessita de qualquer condescendência na sua apreciação, até porque para muitos headbangers ali presentes e mais “entraditos” o concerto permitiu uma viagem tremendamente emocional. Espera-se que este tenha sido o primeiro de muitos.

CIRURGIÕES

Os Trivium elevaram imediatamente os padrões do primeiro dia do VOA. Goste-se ou não (e pela súbita enchente de público, muitos gostam) é uma banda com uma rodagem de alta cilindrada. Tal como os Arch Enemy ou os próprios Slipknot. Bandas de dimensão para festivais massivos como o Wacken ou o Download. Com extrema solidez de execução, o carácter genérico da sua fusão de heavy metal com o thrash ou o metal core soou com jarda capaz de atravessar toda a profundidade da Arena. E depois, a banda usou vários truques batidos que funcionam sempre, aparentemente. Matt Heafy lisonjeou sem pudor os metaleiros portugueses ali reunidos, afirmando que aquele se tratava do melhor concerto e público de sempre da banda. Naturalmente. E, truque dos truques, a banda conseguiu obter a maior ovação da Arena neste dia. Quando os Trivium responderam afirmativamente às petições que existiam online para ver Toy em palco com eles – um momento que a AS acompanhou em directo. Toy foi igual a si mesmo, esteve vocalmente à altura do momento, fez as suas flexões e soltou algum vernáculo. Antes de se despedir ensinou Heafy: «When you say fuck, I say F*da-se»! Podem confirmar tudo no streaming integral do concerto, partilhado de forma oficial pela banda.

Alissa White-Gluz deixou claro, nesta primeira vez que a vimos, que é perfeitamente capaz de liderar os Arch Enemy, através não só da sua prestação vocal como do magnetismo que exerce no palco e na forma como se liga com a multidão. Mas, apesar do seu talento, esta é uma banda que cativa mais pelo poker de ases instrumentistas e particularmente de dois dos melhores guitarristas no universo do heavy metal: Michael Amott e Jeff Loomis. Cruzados soam como uma explosiva mistura de arrogância técnica e humildade composicional, fascinando nos momentos em que correm soltos nos solos a dois. Incrível o profissionalismo que se denota na execução de Loomis, aceitando sem reservas o seu papel de guitarrista secundário diante de Amott, sem dar mostras de excentricidade ou procurando protagonismo excessivo, mas capaz de focar a atenção de cada um dos presentes de cada vez que lhe calhava a si assumir a frente de palco e exibir a sua mestria. Um concerto em crescendo.

TALHANTES

As máscaras mudaram mas, 20 anos depois de os nove mascarados terem surgido e estabelecido como uma das propostas mais enigmáticas e provocadoras da era moderna da música, transformando-se num fenómeno de popularidade à escala mundial e que extrapolou todos os rótulos, os Slipknot ainda são uma força brutal, niilista e monstruosamente infatigável. Contando com uma Altice Arena ao barrote, totalmente comprometida com o concerto, fizeram estremecer Lisboa uma década depois da última visita. São as canções de “Slipknot” e “Iowa”, os dois primeiros álbuns ainda em maioria na setlist, que provocaram a maior violência de moshing e os mais apoteóticos momentos de aclamação, mas a banda nunca comprometeu um pingo de suor ou uma fibra de vigor em cada segundo de cada canção tocada em Lisboa. Repare-se que a produção não recorreu sequer a efeitos visuais nos ecrãs – o palco tinha apenas as estruturais pedonais e pirotécnicas.

Pode ser apenas uma questão de perspectiva, mas sinceramente ficámos com a ideia de que Corey Taylor, se não ficou surpreendido, ficou por vezes boquiaberto com a ferocidade do público. E essa ferocidade, à escala que se manifestou, foi um espectáculo dentro de outro. Uma demonstração da natureza crua que o metal é capaz de instigar no ouvinte, um assombro de ver. [Talvez reforçar que estamos a falar num sentido metafórico e não vimos qualquer violência gratuita em momento nenhum do concerto, fosse da parte da banda, fosse da parte do público]

Considerando o último concerto da banda no nosso país, a grande novidade era a renovada secção rítmica. E se não podemos dizer que Alessandro Venturella emana a mesma aura de poder do carismático e saudoso de Paul Gray, devemos dizer que Jay Weinberg nos deixou completamente rendidos, através de uma avassaladora prestação que não fica em nada atrás daquilo que fazia Joey Jordison. Jim Root e Mick Thomson foram os outros protagonistas. Impressionante a brutalidade que a mão direita de Thomson é capaz de extrair daquela Jackson Soloist, tal como é impressionante a dinâmica criada em torno dessa parede sonora por Root, numa noite em que os Slipknot deixaram bem claro que continuam imensamente relevantes na cena heavy actual, tanto como quando surgiram. As máscaras dão a sensação de que os rostos não envelheceram, mas também a infatigável intensidade de cada uma das nove pontas do nonagrama. Incrível concerto. Usando um cliché, que lá esteve sabe bem o que se passou.

SETLIST

  • People = Shit
    (sic)
    Get This
    Unsainted
    Disasterpiece
    Before I Forget
    The Heretic Anthem
    Psychosocial
    The Devil in I
    Prosthetics
    Vermilion
    Custer
    Sulfur
    All Out Life
    Duality
    Spit It Out
    Surfacing